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terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Agricultura, Sedentarização e Civilização.
A afirmação de que a invenção da agricultura pelos homens do Neolítico foi fundamental para o processo de sedentarização tornou-se lugar comum entre os historiadores. No entanto, mais que isso, é primordial para o vestibulando entender a complexidade das transformações que este processo envolveu, a revolução neolítica em si, e suas contribuições para a construção do chamado mundo civilizado. Este primeiro tema destina-se a concretização deste objetivo.
Durante o período paleolítico, os homens praticaram uma economia coletora de alimentos. À medida que começaram a cultivar plantas e a domesticar animais, tornaram-se produtores de alimentos, ou seja, passaram a exercer o controle sobre o abastecimento da sua alimentação. Este fato representou uma profunda transformação econômica com importantes conseqüências para a perpetuação da espécie e, por isso, é chamado de Revolução agrícola ou revolução neolítica.
Uma primeira afirmação é aquela que reconhece na revolução neolítica o aumento considerável do domínio do homem sobre a natureza, embora, durante muito tempo ainda, a caça continuasse completando o abastecimento promovido pela agricultura. Foi a concretização desse domínio que criou as condições para que, lentamente, o homem pudesse se moldar enquanto ser menos dependente da natureza, reduzindo progressivamente a necessidade das migrações. Assim, no oriente próximo (que é o nosso objeto de estudo nesta unidade) a base da economia das sociedades que ali se desenvolviam foram as culturas do trigo e da cevada.
Segundo o historiador norte-americano Edward McNall Burns,
“Em muitos sentidos, a nova idade da pedra foi a mais importante na História do mundo até então. O nível do progresso material atingiu novas culminâncias. As populações neolíticas exerciam melhor controle sobre o meio ambiente que qualquer de suas predecessoras. Tinham menos probabilidade de perecer devido a mudança das condições climáticas ou porque viesse a escassear parte de seus recursos alimentares. Essa vantagem decisiva resultou, sobretudo, do desenvolvimento da agricultura e da domesticação de animais. (...) O cultivo da terra e a manutenção de rebanhos e manadas proporcionavam-lhes fontes muito mais seguras de alimentos e, em certas épocas, até lhes garantiam um excedente. O desenvolvimento da agricultura, uma das mais importantes dentre todas as transições da História humana, criou condições para a vida sedentária e possibilitou o aumento da população.” (BURNS, EDWARD McNALL. História da Civilização ocidental: do homem das cavernas as naves espaciais / EDWARD McNALL BURNS, ROBERT E. LERNER, STANDISH MEACHAM; São Paulo: Globo, 2003, p.11).
A invenção da agricultura implicou a reinvenção econômica da sociedade. Mesmo com o nível econômico continuando a ser o da subsistência, já era possível a produção de excedentes, raros e ocasionais, que eram trocados ou consumidos nas festas religiosas ou ainda armazenados. Numa economia produtora, podem-se fazer previsões da produção – o que é um diferencial em relação a uma economia coletora – tornando-se isso uma necessidade na medida em que a população aumenta.
O crescimento demográfico foi outra mudança importante. O cultivo da terra, paralelamente a domesticação de animais, possibilitaram a melhoria das fontes de alimentação aumentando a expectativa de vida e reduzindo o perigo de morte em atividades que, a exemplo da caça, contavam a época com pouquíssimos insumos tecnológicos. Neste quadro, foi o crescimento populacional que impulsionou o surgimento de uma sociedade mais complexa. Contudo, o cultivo da terra e a domesticação de animais não acarretaram uma imediata sedentarização. O método primitivo de cultivo – cultura da enxada – exauria rapidamente o solo, obrigando ainda a ocorrência de mudanças menos constantes que foram sendo reduzidas na medida em que evoluíram as técnicas de produção, condições de armazenamento e domínio de culturas agrícolas. Mesmos assim, os homens do neolítico já se encontravam organizados em tribos, e não mais em bandos, viviam em aldeias (cabanas de madeira, barro e tijolo) e não mais em cavernas.
Uma condição objetiva que ampliou tenazmente as possibilidades de sedentarização verificou-se nos vales aluvionais onde os homens dependiam das cheias dos rios, que irrigavam plantações e revitalizavam o solo, depositando uma camada de húmus fertilizador. Nessas regiões o agricultor não precisava ser nômade, podendo cultivar permanentemente a mesma área. É consenso entre os historiadores que esta foi uma condição fundamental para o desenvolvimento da sedentarização e até das primeiras civilizações no oriente próximo asiático, notadamente nos vales dos rios Nilo, Eufrates, Tigre e Indo.
Nas aldeias neolíticas, como resultado da fusão entre as atividades agrícola e pastoril, predominou a agropecuária, ou seja, ao lado do cultivo de cereais havia a criação de animais, tais como o cão, bois, carneiros, cabras e porcos. Em algumas comunidades neolíticas providas pela agropecuária, a economia pastoril era dominante e o cultivo de plantas teve papel pouco significativo: é o caso dos beduínos da Arábia e dos mongóis da Ásia central. Nessas, apesar da produção de excedentes percorrer percalços mais complexos, foi importante o intercambio por elas mantido com as tribos predominantemente agrícolas. “A existência de tribos pastoras e agricultoras deu origem às trocas e aos contatos mais freqüentes entre esses produtores, devido à possibilidade de acumulação de excedentes”. (AQUINO, Rubim Santos Leão de. História das sociedades: das comunidades primitivas às sociedades medievais / Rubim Santos Leão de Aquino, Denize de Azevedo Franco, Oscar Guilherme Pahl Campos Lopes. – Rio de Janeiro: Ao livro técnico, 2000, p.68.).
A reinvenção econômica do Neolítico deu espaço ao aperfeiçoamento da divisão do trabalho surgida ainda no Paleolítico. Da possibilidade de fazer reservas derivou a necessidade de fazer potes para armazená-las. O artesanato de potes e vasilhas, obra das mulheres, foi uma característica das comunidades neolíticas. Embora a cerâmica pudesse ter surgido antes da economia produtora, somente na nova idade da pedra houve a produção de potes em quantidades maiores. Além da cerâmica desenvolveu-se, também por iniciativa da mulher, a fabricação de tecidos usando-se o linho, a lã e o algodão – Inventou-se o tear, avanço significativo para os meios de produção da época. A divisão do trabalho entre sexos na comunidade primitiva foi precisamente ampliada. Os homens caçavam, pescavam, cuidavam dos rebanhos, preparavam os campos de cultivo, faziam suas ferramentas, enquanto as mulheres cultivavam as plantas, além de dedicar-se a cerâmica e a fiação e tecelagem. Até este momento não havia ainda, propriamente, uma especialização do trabalho mas o processo de sedentarização humano já estava sedimentado e a História seguiria o seu curso da barbárie à civilização.
O Surgimento da civilização no antigo oriente
A revolução neolítica transformou as comunidades humanas que evoluíram e passaram a produzir o seu próprio alimento – passaram a viver da agricultura e não mais somente da caça, da pesca e da coleta. Ainda nesse momento toda produção era um bem comum, coletivo, pois se produzia o estritamente necessário à sobrevivência do grupo. Essa situação, contudo, começou a se modificar no momento em que os grupos humanos dotados de melhores técnicas de produção, passaram a produzir mais que o necessário a sua sobrevivência, um excedente econômico. Todas as comunidades neolíticas viveram este processo, não exatamente no mesmo momento, nem exatamente da mesma maneira. Sua evolução dependeu das características do meio e das necessidades, muitas vezes criadas pela própria cultura do grupo. O certo é que dois caminhos distintos foram seguidos: No oriente próximo, o das sociedades de regime de servidão coletiva, no ocidente, na Grécia e em Roma, o das sociedades escravistas. Interessa-nos, neste momento, o primeiro caminho citado.
As populações que habitavam a região do vale do Nilo, do Tigre e do Eufrates e da bacia do Indo desde cedo produziram grandes obras hidráulicas. Os trabalhos coletivos que essas obras (construção de diques, drenagem de pântanos, canais de irrigação) exigiam tenderam a consolidar uma organização social e centralizar a economia: impunha-se uma direção única condução dessas complexas tarefas. Sentiu-se também a necessidade de se garantir o fornecimento de matérias-primas (madeira, pedra, cobre, etc.) através de um sistema de trocas ou de comércio onde o excedente agrícola abundante (em populações com alto índice de fertilidade do solo) era trocado pelas matérias-primas buscadas e servia para o abastecimento dos grupos de mercadores, transportadores e artesãos especializados que não mais participavam da produção de alimentos. Com o tempo surgiria a necessidade de soldados, para a proteção às caravanas, de escribas que registravam as transações comerciais e outros funcionários que desempenhavam diversos papeis na administração pública. Todas essas mudanças caracterizam um processo histórico conhecido como revolução urbana, que nos legaria uma sociedade baseada na propriedade dos meios de produção, na desigualdade social e no Estado.
No oriente próximo o progressivo desaparecimento do comunitarismo primitivo correspondeu ao aparecimento do sistema de servidão coletiva. No Egito e na Mesopotâmia, por exemplo, a propriedade efetiva das terras cabia as comunidades camponesas – isto é, os trabalhadores das aldeias usavam a terra e dividiam coletivamente o fruto do trabalho. A centralização exigida pela construção das obras de irrigação criou o Estado e o poder de dispor da terra passou para as mãos de um grupo de dirigentes: no Egito, um monarca e, na Mesopotâmia, um corpo de sacerdotes. Um e outros legitimavam o seu poder através do discurso religioso que divinizava os governantes – o Estado Teocrático. As terras pertenciam ao Estado que, através de sua numerosa e complexa burocracia, recolhia o imposto coletivo, ou seja, uma parcela da produção das comunidades aldeãs e o trabalho compulsório na construção de grandes obras públicas. O Estado regulava centralizadamente as atividades econômicas: planejava a produção, distribuía o excedente, realizava o intercambio comercial – era o centro acumulador das riquezas. O Estado e os grupos que o dirigiam tinham meios eficazes de obrigar os camponeses ao pagamento dos impostos: controlavam o uso da força e o fornecimento de água as comunidades aldeãs. Assim, nas sociedades asiáticas constituiu-se um novo modo de produção, O MODO DE PRODUÇÃO ASIÁTICO, sustentado pela SERVIDÃO COLETIVA da massa camponesa.
A nova divisão do trabalho que foi imposta pelos grupos dominantes no novo modo de produção, originou uma sociedade rigidamente hierarquizada em castas. A casta dominante era constituída pelo núcleo dirigente do Estado (monarca, família do monarca, sacerdotes, altos funcionários, administradores de terras, governantes de províncias e cúpula militar). O grupo intermediário era constituído pelos mercadores, artesãos especializados e soldados profissionais; a massa da população era formada pelos camponeses, obrigados à servidão coletiva, pagando impostos em produtos e trabalhos ao Estado, e por um numero menor de escravos (prisioneiros de guerra – trabalhos nas minas e domésticos, nos templos e palácios).
Uma visão mais urbanista do processo histórico que acabamos de narrar poria ênfase na questão do surgimento das cidades. Duas grandes correntes de pensamento procuram explicar a origem das cidades: para uma delas a origem estaria no comercio – as cidades teriam nascido como centros de troca. Para a outra, seria a guerra – a cidade como uma fortaleza, uma muralha de proteção contra inimigos presentes e futuros. Como ambas as teorias estão fundadas em escavações arqueológicas, existem algumas certezas: para o Egito, no inicio, as cidades teriam funcionado como centros de troca e pólo aglutinador de camponeses que realizavam o trabalho agrícola e construíam as obras de irrigação. A situação geográfica da Mesopotâmia (região de transição de fácil acesso), sua condição impar de oásis e uma historia marcada por alternâncias de dominações encaminharam as escavações que apontaram casos em que a guerra foi decisiva e outros em que o comercio foi o fator fundamental. Há uma relação de complementaridade entre essas teorias.
Chegamos a este ponto – a aurora da civilização. As sociedade humanas cresceram, adquiriram maior complexidade, fundaram Estados organizados, construíram obras hidráulicas, templos, palácios e se estratificaram socialmente. A civilização também deu origem a capacidade de se organizar para empreendimentos destrutivos: as guerras. Por meio da disciplina, do treinamento de grandes massas humanas como unidades, a guerra foi uma invenção especial da civilização. Coube a guerra, aos homens que fizeram a guerra, o papel de ampliar o alcance das características que definiram o mundo como CIVILIZAÇÃO: A propriedade, A desigualdade, O Estado e, finalmente, os códigos de escrita.
Sérgio Cabeça

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