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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

MODERNIDADE, GLOBALIZAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL

Modernidade, Globalização e Diversidade Cultural

Bernardo Fernandes (Graduado em História pela UFPB).

1. O Homem racional e o Cidadão da modernidade
O período em que vivemos é marcado por diversas transformações em todo o mundo. As formas de vida bastante rígidas ou severas que eram utilizadas para regular as relações em sociedade, vêm sendo, pouco a pouco, desgastadas. Isto traz diversas  conseqüências no dia-a-dia das pessoas. É, pois, um momento de crise nestas formas de vida. Esta crise atinge um dos princípios a que a humanidade dava
tanto valor, desde os inícios da modernidade: a racionalidade. Com a crítica ao pensamento teológico medieval e a atitude otimista diante da
vida, provocada pelo Renascimento, as grandes invenções, as grandes navegações e descobertas e, sobretudo, com a formação do capitalismo,
a razão foi sendo progressivamente valorizada como a característica, por excelência, da condição humana: o Homem como animal racional. Não
foram os modernos que inventaram isto, a filosofia grega já havia apontado a razão como um elemento constitutivo do ser, da identidade
humana. Mas, com a modernidade, foi sendo aprofundada a compreensão sobre a razão, que foi elevada a uma importância jamais
atingida antes, passando a ser considerada guia para transportar o homem à felicidade, na medida em que possibilitaria ao ser humano a
oportunidade de libertá-lo do jugo do próprio homem e da natureza.
Com base no princípio da racionalidade, o Homem se libertaria das forças incontroláveis da natureza e de forças sobrenaturais, mediante o
desenvolvimento das ciências e das técnicas. Também se libertaria do jugo de certos homens (seres humanos) sobre outros: esta crítica era
diretamente dirigida aos poderes absolutistas, dos reis e príncipes. O Homem alcançaria a sua liberdade contra a opressão.
Nesta nova forma de pensamento, durante a modernidade, a razão era considerada um atributo, uma qualidade de todo ser humano,
portanto, absoluta e universal, acima de todas as diferenças e particularidades culturais. Portanto, tinha uma característica bastante
única, ou seja, a pretensão de sua validade para todo o mundo, de uma forma única, o que propiciou um excesso de confiança nas capacidades
que esta qualidade humana poderia vir a possuir, tendo como objetivo trazer segurança através do controle total da natureza e da sociedade. A
universalidade da razão foi expressa através de leis científicas e morais, tidas como a condição para a busca em direção à libertação humana
pretendida. As formas de ordenamento dos fatos, realizadas pelas ciências exatas, começaram a ser pensadas para ordenar os fatos
sociais.
A partir do princípio da racionalidade, julgava-se, então, possível realizar um planejamento social, que pretendia acabar com todas as
diferenças existentes na sociedade, a partir dessa concepção geral de Homem e de Cidadão, uma espécie de padrão ou modelo que passou a
orientar os comportamentos sociais. Comportamentos que não estivessem dentro desse padrão, eram recriminados, considerados
irregulares e combatidos. Por exemplo: mulheres de classes populares, que conheciam as propriedades curativas das plantas, foram
consideradas bruxas, muitas delas condenadas á fogueira, porque teriam, segundo seus algozes, pacto com forças misteriosas da
natureza, consideradas diabólicas pelo conhecimento autorizado da época. Outro exemplo: as greves operárias, que também foram
criminalizadas. Em outras palavras, buscava-se enquadrar os hábitos e costumes sociais na uniformidade do modelo de ser humano e de
cidadão. O que e quem não se enquadrassem, era considerado irregular, desviante, anormal.
Desse modo, instaurou-se uma ordem social estruturada e pretensamente organizada segundo um certo modelo que deveria ser
obedecido porque traria uma “paz social”, sem conflitos, uma vez que todos estariam de acordo com o modelo de conduta. Um modelo de
sociedade que tentava eliminar as diferenças e os conflitos delas provenientes. Acreditava-se, de acordo com essa concepção, que a
sociedade caminharia para o progresso sem conflitos, em ordem, sob o controle de confrontos que pudessem gerar insegurança e ameaças.
As conseqüências deste modelo não tardaram a aparecer.
2. As críticas ao modelo de Cidadão da modernidade
Denúncias a esta forma de regulação social passaram a ser freqüentes, ao se constatar que a visão/concepção universalista de
Homem e Cidadão, sob a invocação de uma razão universal e imparcial, válida para todos, portava um autoritarismo: na prática, a lei da
igualdade de todos perante a lei não valia (e ainda não vale) para todos, indistintamente. Continuavam a vigorar os privilégios que tanto se
criticara no Antigo Regime. A burguesia, que se juntara às camadas populares para combater tais privilégios da realeza, da nobreza e do
clero, depois de tomar o poder do Estado – nas revoluções liberais da Inglaterra, no século XVII, na Independência norte-americana, na
Revolução Francesa – se esquecera do povo e arrogava o poder só para si.
A racionalidade também esteve presente nas intenções dos movimentos revolucionários do século dezenove, que propunham uma
organização da sociedade de forma a diminuir as desigualdades sociais que se acentuaram com o desenvolvimento do capitalismo, que criou
condições de vida desumanas para grande parte das pessoas. A Comuna de Paris foi um exemplo disso, a primeira experiência moderna
de um governo realmente popular, e voltado para os interesses destas camadas populares. Durou algo em torno de quarenta dias, sendo
massacrada pelas forças militares francesas em conjunto com as alemãs. Descendente direta da Comuna de Paris, a revolução
bolchevique realizada na Rússia também propunha uma racionalização social, radicalizando ideais difundidos pelos movimentos anteriores.
Assim como na França, foi derrubada na Rússia uma aristocracia detentora de um poder absoluto e que, há séculos, governava o país.
Logo, os efeitos nocivos da racionalidade começaram a aparecer, tornando o regime instalado na União Soviética autoritário. Mas a
racionalidade chegou ao seu ápice de desumanidade e crueldade no nazismo, um regime com uma intensa organização burocrática que
pretendia realizar um sistemático extermínio de etnias e de formas de vida que eram considerados inferiores pela ciência e dispendiosas para
o Estado Alemão. As virtudes da razão eram exaltadas, tudo era planejado em termos de custos e benefícios. Desprezava-se a moral e os
valores individuais, pois estes seriam aspectos da irracionalidade e não eram úteis ao tipo de sociedade que se pretendia implantar. A
racionalidade perpassava todos os discursos do século XX e criava muitas mazelas para a humanidade. Os últimos anos sessenta, do século XX, foram marcantes no que diz respeito às críticas a esse modelo de racionalidade. Houve, nesta época, diversos movimentos de contestação, que emergiram em todos os continentes. As novas formas de perceber o mundo já não se adequavam mais aos modelos de pensar e agir, então existentes. A
crítica à modernidade, de forma geral, baseou-se, a partir daí, em uma crítica contra a sua necessidade de controle rígido da natureza, este
controle que fazia pensar no poder do Homem em garantir a prevenção de eventuais acasos e garantir a sua felicidade. A História mostrava que
essa concepção de ser humano, de cidadão e de mundo não era realizável, pois não havia conduzido à paz social: ao contrário, trouxera
crises, conflitos, guerras, ameaças do apocalipse nuclear, produzindo a sensação de proximidade com o extermínio da Humanidade. O modelo
de sociedade da modernidade mostrava indícios de esgotamento. A felicidade, segundo os padrões modernos, passou a ser considerada um
projeto irrealizável.
O paradigma moderno e universal de pensar o mundo e nele agir, de controlar e planejar a sociedade, começou a passar por um
sério desgaste. Novos movimentos libertários estavam surgindo, contra os que levavam a organização racional e científica às últimas
conseqüências. Desenvolveu-se, neste momento, um descrédito em relação a essas maneiras de organização como um meio de intromissão,
por meio de um discurso autorizado e autoritário, na vida das pessoas. 

3. Novas formas de pensar o mundo e nele agir
Essas críticas conduzem a uma nova maneira de perceber o mundo, proporcionando, também, novas formas de agir sobre ele. Com
o declínio da sociedade planejada, que impunha uma cultura dominante, baseada nos critérios já analisados, há a possibilidade de
um aperfeiçoamento da sensibilidade para que se percebam as características particulares e as necessidades das pessoas e dos grupos
que formam a sociedade. Muda-se o foco de atuação, pensa-se agora nas várias micro-comunidades, com suas experiências próprias e
demandas particulares, que formam o corpo social. Os movimentos em favor dos Direitos Humanos, que estavam
em alta nesse período, levaram adiante uma severa crítica a esses modelos de ação propostos pela modernidade, que desprezavam as
experiências humanas particulares, fazendo com que fosse reinvocado para o centro das preocupações dos estudos sobre a sociedade aquilo
que a modernidade, em larga medida, ignorara: o ser humano. A modernidade privilegiara o ser humano burguês, como o modelo
perfeito de humanidade no capitalismo. Essa nova perspectiva buscava que o humanismo permeasse os estudos da sociedade. As tendências
autoritárias da racionalidade foram, a partir de então, sendo derrubadas. É esse contexto que traz as condições para a existência de
uma sociologia voltada para problemas que dizem respeito ao humanismo, com fortes reflexões a respeito da diversidade da vida
humana. É a partir dos anos de 1970 que estas críticas começam a tomar dimensões mais aprofundadas, é nesse período, também, que a
globalização é intensificada. Essa nova sensibilidade com relação à diversidade social vai ser desenvolvida, principalmente, de duas
maneiras. A primeira, vinculada às novas necessidades do capitalismo contemporâneo; e outra, que leva em consideração as necessidades dos
grupos excluídos da sociedade moderna, que possuem demandas de primeira necessidade a serem supridas.
É no período posterior aos anos setenta (1973) que o capitalismo passa por uma forte transformação. O mercado, não mais planejado
para produzir, padronizadamente, mercadorias para todos (produção de massa), passa a atender os micro-grupos sociais em suas
peculiaridades, como se pode ver no desenvolvimento de produtos particulares para determinados grupos sociais. Observamos isso, por
exemplo, em mercadorias voltadas para determinados públicos. As modas passam e as mercadorias devem acompanhar os novos rumos
que o mercado define. O fordismo, até então, predominante no modelo de produção de mercadorias, sustentava uma produção de massa com
operários pouco qualificados.
O pós-fordismo (toyotismo) exige uma produção especializada (para os mais distintos grupos sociais em suas características
particulares) e qualificada. As novas tecnologias, decorrentes da revolução tecno-científica que estava acontecendo, também a partir dos
inícios dos anos sessenta, adotam máquinas adaptadas, que atendem a demandas de grupos particulares, produzindo em um curto espaço de
tempo, para que haja uma maior circulação de mercadorias, o que favorece os lucros das empresas. Com isso, tem-se a possibilidade de se
adaptarem as modas a comunidades e grupos etários diferentes, através de pesquisas de mercado previamente encomendadas. A
especialização na produção de mercadorias exige que os trabalhadores estejam atualizados em relação às novas tecnologias, sendo o modelo de
organização fordista não mais eficaz para atender os interesses novos que surgiram.
Através da globalização, este modelo de produção pode ser expandido em todo o mundo, sendo essas transformações de
fundamental importância para que o capitalismo voltasse a se fortalecer; O Estado nacional, de regulador da sociedade, diminui a sua
intervenção no mercado, enxugando as suas responsabilidades em relação à sociedade, o que limita a possibilidade de regulamentação e
seguridade social e contribui para o aumento das desigualdades.
Mudanças legais e institucionais são levadas adiante para atender às exigências do mercado. Há, pois, uma séria limitação da atuação do
Estado na sociedade para que este possa diminuir as responsabilidades em relação à mesma, deixando “que as coisas aconteçam no mercado,
este proporcionará oportunidade para todos.” Este é o discurso do sistema capitalista. A afirmação das diferenças e particularidades está
de acordo com essa nova forma de produção de mercadorias que torna bastante comum a cultura do consumo que movimenta o capitalismo.
Isso é proporcionado, principalmente, pelo capitalismo americano, que, juntamente com a circulação de suas mercadorias, promove, também, a
circulação de sua cultura.
A Pós-Modernidade é a fase histórica correspondente a essa forma de organização econômica e cultural, que produz um avanço no
mercado consumidor. Essa exaltação da fragmentação e da diversidade sociais não dá respostas satisfatórias às pretensões éticas e políticas
compromissadas com o fim das injustiças sociais, pois, de uma forma sutil, continua a existir uma regulação social pelo consumo. Aquele que
não tem capacidade de consumo, é excluído e destinado a viver em bairros habitados por uma imensa parcela segregada. A regulação
social promovida pela pós-modernidade exclui os que não têm dinheiro do direito à cidadania. O estímulo às diferenças, que é promovida hoje
em dia, possui interesses comerciais. Pode-se perceber como esse modelo de globalização funciona ao voltar-se o olhar para a África,
extremamente empobrecida, que não tem acesso aos bens de consumo nem aos investimentos que outros lugares do mundo possuem.
Com a globalização, os grupos sociais passam a reafirmar suas identidades locais. Na modernidade, os países desenvolvidos atribuíamse
uma missão civilizadora. Ao se tornar injustificável a forma como se vinha tentando expandir o modelo de civilização, cria-se espaço para
que se apareçam estas particularidades locais, que antes eram silenciadas. Esses grupos são incorporados de uma forma mercantil ao
sistema capitalista globalizado. Devido ao poder econômico e à supremacia econômica dos países desenvolvidos, há uma grande
desigualdade nas trocas de mercadorias entre os mais diversos lugares do mundo, com o privilégio de determinado local, que impõe o seu
localismo aos demais. Essa imposição, levada adiante através do mercado, globaliza, também, as características culturais de quem
possui maior poder. Um exemplo disso é a quantidade de referências que fazemos a manifestações culturais que são típicas da cultura norteamericana
como música, hábitos alimentares, expressões da língua, símbolos, festas, comportamentos etc. Desta forma, cria-se uma
inclusão e uma integração entre diversas localidades do globo, mas esta é uma integração vigiada por um poder superior representado por um
país ou conjunto de paises poderosos.
Esse poder econômico dita as regras do jogo, que consistem na hegemonia de um discurso único (“fora da globalização, não há saída”),
ditado pelos que se beneficiam da situação atual, que encontra formas de se legitimar e garantir apoio de uma opinião pública. Estas empresas
sustentam uma imensa máquina publicitária que é estruturada para atender a seus interesses. Há uma ascensão de uma burguesia cada
vez mais globalizada que transita por todo o mundo em busca de espaços que se adaptem àquela proposta que atenda a seus interesses.
Esse modelo de globalização é levado adiante por diversas instituições financeiras que, reunidas em Washington (EUA) e em outros grandes
centros financeiros mundiais, criam certos modelos de conduta para os países em desenvolvimento que, por sua vez, buscam apoio e recursos
financeiros nestes organismos internacionais, criando-se um círculo vicioso.
Na busca por alternativas que solucionem as injustiças sociais, deve-se criar um outro modelo de sociedade que questione toda essa
organização econômica e social que atende aos interesses de uma minoria, de forma que a globalização seja transformada em um espaço
para que as trocas culturais (já citadas anteriormente) ocorram de forma justa e igualitária. Para isso, condições básicas de cidadania
devem ser asseguradas, de maneira a garantirem que sejam democratizados os recursos essenciais à manutenção de uma vida
digna (direito à saúde, educação, alimentação, moradia, emprego, lazer, etc.), criando-se políticas públicas que interfiram no processo de
“mercadorização” dos meios necessários à sobrevivência. Isso quer dizer: não deixar que tais recursos só estejam ao alcance de quem pode
pagá-los; e que sejam garantidos publicamente, para todos, como possibilidade para que se promovam melhorias sociais. A organização
imposta pelos países que constituem a hegemonia do atual processo de globalização, tende a privatizar esses recursos e serviços. Com a
implantação destas medidas de ampliação de políticas públicas, procura-se reverter o constante declínio da organização republicana do
Estado. O republicanismo é sinônimo de coisa pública, pertencente a todos, de que todos, de maneira igualitária, podemos e devemos fazer
parte.
Atualmente, predomina o critério de capacidade de consumo para identificar o cidadão. Essa visão empobrecedora, desmobilizadora
e despolitizadora, reduz o significado de Cidadania. e compromete, assim, o seu significado multidimensional e o espírito público do
cidadão, possuidor de direitos e deveres. A luta pelos Direitos Humanos garantidos para todos e para que todo cidadão seja educado
em uma Cultura de Direitos Humanos reinventa a Cidadania, forma pessoas ativas e participantes nos rumos da sociedade de que faz parte.


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