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domingo, 31 de outubro de 2010

CENTENÁRIO DA REVOLUÇÃO MEXICANA

A revolução mexicana (1910-1917)
                O México iniciou o século XX sob a ditadura de Porfírio Díaz (1876-1911). Nessa época, o México viveu um período de modernização econômica, caracterizado por reformas de caráter conservador, uma modernização conservadora, que atendia aos interesses da aliança entre latifundiários e imperialismo, principal elo de sustentação do governo ditatorial.
                Assim acelerou-se o desenvolvimento do capitalismo no México. Construíram-se estradas de ferro, desenvolveram-se os setores da agricultura e da mineração voltados para a exportação, intensificou-se o comércio externo e a indústria controlada por capitais estrangeiros, enfim, o México conheceu uma etapa de crescimento econômico sem, porém, transformações significativas no campo das reformas sociais – o desenvolvimento não visava à melhoria das condições de vida das massas populares e tampouco alterava a estrutura fundiária baseada no latifúndio.
                Para realizar essa política impopular, Díaz contava com o apoio de diversos setores elitistas do México pré-revolucionário: os políticos, a Igreja, o capital estrangeiro e os latifundiários, todos eles, beneficiados pelas reformas conservadoras do Porfiriato.
Os políticos, denominados de científicos (influência dos ideais positivistas tão em moda na época), consideravam ser a ordem (o governo autoritário) indispensável ao progresso. Classe corrupta, muitos deles enriqueceram com os contratos assinados com empresas estrangeiras.
  O papel do exército era de polícia do Estado, realizando a repressão interna contra quaisuer tentativas de insurreições populares ou de golpe. A ditadura controlava o alto oficialato, enquanto os soldados, muitos deles sob recrutamento forçado, sofriam privações e não possuíam qualquer espírito de tropa.
A Igreja se encontrava omissa diante dos desmandos do Estado ditatorial, amordaçada que fora por vantagens concedidas pela ditadura, à exemplo da plena liberdade para a fundação de ordens religiosas.
Uma das principais bases do Porfiriato foi sua aliança com o capital estrangeiro, que penetrou avassaladoramente no México nas três décadas em que Díaz exerceu sua ditadura. As estradas de ferro, a produção mineira (ouro, prata e cobre), a exploração petrolífera, os serviços de eletricidade e os bancos eram setores totalmente controlados pelo capitalismo internacional. Assim, “O capital estrangeiro foi acolhido desse modo por Díaz até que dominou a vida econômica da nação. Os norte-americanos e os britânicos eram os donos dos poços petrolíferos e das minas. Os franceses controlavam a maioria da crescente indústria têxtil e muitas das grandes lojas. Aos alemães controlavam o comercio de ferragens e drogaria. Os espanhóis eram donos de armazéns e comerciantes menores em outros ramos. Os serviços públicos (linhas de transporte, companhia de luz e força, companhia de águas) pertenciam a ingleses canadenses, norte-americanos e outros estrangeiros. Os mexicanos, inexperientes em tecnologia moderna, eram efetivamente estrangeiros na sua própria terra.” (HERRING, H. Evolución histórica da América latina – desde los comiezos hasta La actualidad. Tomo I. EUDEBA, Buenos Aires, 1972, p.378.).
Finalmente, os mais importantes aliados internos da ditadura eram os grandes proprietários de terras. Uma minoria de latifundiários possuía a maior parte de terras agricultáveis e campos de criação no México. Contava-se entre os grandes proprietários muitos estrangeiros, que, através das grandes empresas apropriaram-se das terras públicas e das não “amparadas a título legal”. Um terço das terras do México era controlado por empresas estrangeiras, enquanto que milhares de comunidades indígenas haviam perdido suas terras comunais (ejidos), o que aumentou o número de camponeses sem terras. Intensificou-se a exploração sobre os peões (trabalhadores rurais), continuamente endividados junto aos grandes latifundiários.
                Assim, não é de estranhar que a revolução mexicana de 1910 tenha sido uma rebelião contra o modelo de desenvolvimento capitalista baseado na aliança latifúndio-imperialismo. Esse capitalismo, dependente dos interesses norte-americanos e europeus, não favoreceu a formação e a consolidação de uma burguesia mexicana, independente, mas sim subordinada aos interesses estrangeiros. A revolução mexicana pode ser considerada como um movimento democrático e burguês, liderado pela pequena-burguesia, com um forte conteúdo popular (anti-latifundiária) e nacionalista (antiimperialista) que visava inaugurar uma nova etapa no desenvolvimento capitalista do México.

A ascensão de Francisco Madero 
                Se no plano socioeconômico as condições para a queda de Porfírio Díaz estavam dadas, no âmbito político elas foram construídas na medida em que a ditadura aprofundou sua modernização conservadora. Enquanto as elites dominantes reforçavam seus acordos e lucros, o povo não estava apático. Ao mesmo tempo em que a modernização conservadora avançava, cresciam novos grupos sociais que apoiariam a revolução. Nas cidades havia um incipiente proletariado urbano, influenciado por ideias socialistas e anarquistas. Daí vieram os primeiros sinais de mobilização, sob a forma de greves, que foram brutalmente reprimidas pelo governo de Díaz. Em 1900 foi fundado o Partido Liberal Mexicano que, embora clandestino e perseguido, publicou em 1906 um manifesto à nação em que pedia a derrubada de Díaz e propunha um programa de reformas econômicas, políticas e sociais.
Reforma, liberdade e justiça!
(Manifesto do Partido Liberal Mexicano, 1906)
                        Em 1908 surgiu a Sucessão presidencial de 1910, obra escrita por Francisco Madero, originário de uma família de latifundiários do Norte e que seria conduzido posteriormente ao poder (1911) pela revolução vitoriosa.
Entretanto, ganhava terreno, sobretudo nas grandes cidades – entre científicos, católicos, ricos proprietários e grupos da pequena burguesia – a campanha pela reeleição de Díaz para Presidente (pela sétima vez consecutivas). Toda a máquina oficial foi mobilizada para a fórmula continuista, que contava com vários jornais.
Em 1909, as forças de oposição ao regime porfirista, destacando-se Francisco Madero, fundaram o centro anti-reeleicionista do México. Aos poucos a opinião pública se dividiu entre partidários de Díaz e aqueles que apoiavam Madero.
A atitude do grupo de Madero em lançar a sua candidatura à Presidência foi precipitada pela declaração de Díaz pretendendo reeleger-se em 1910, contrariando as afirmações que fizera em 1908 a um jornalista norte-americano, em que dizia da sua intenção de deixar o governo ao fim do seu mandato.
A maioria das teses oposicionistas, entretanto, foi superada pelos rumos que tomou o movimento revolucionário de 1910 a 1917. Para a pequena burguesia das cidades, de que Madero era porta-voz, a tática eleitoral, a principio, consistiu em fundir a candidatura do General Díaz para a presidência e assegurar a Vice-Presidência para um elemento do Partido Anti-reeleicionista. Como o velho ditador já contava com quase oitenta anos, o Vice-Presidente eleito seria seu legítimo sucessor e, gradualmente, poder-se-iam realizar as reformas propostas pelos democratas.
Uma fracassada entrevista entre o ditador e Madero, em 1910, na qual Díaz, intransigentemente, recusou o nome deste para a Vice-Presidência, foi o estopim para a radicalização. Decidindo-se pela oposição franca e aberta ao porfirismo, o grupo maderista começou a sua pregação política por todo o país, dirigindo-se aos operários e aos peões dos povoados.
Acusado de incitar o povo a rebelião, Madero foi preso, enquanto se realizavam as eleições que, obviamente, deram a vitória a Díaz. Obtendo a liberdade, Madero fugiu para o Texas, onde foi publicado o plano São Luís Potosí, em 1910, exigindo a renúncia de Díaz e eleições livres. A atividade eleitoral transformava-se em agitação revolucionária.
Finalmente, em 1911, a manutenção do velho ditador provocou a revolta generalizada. O povo tomou as armas, ocupou ruas e prédios públicos. Batalhões se rebelaram e se juntaram as barricadas rebeldes. Nos tiroteios da capital, pouco soldados tinham coragem de apoiar o velho ditador. Porfírio Díaz abriu o cofre, encheu as malas e pegou um navio para a França.
Revolução de liberais e camponeses
                O novo presidente do México era Francisco Madero, fazendeiro, dono de minas, estudou na Europa e nos EUA e representava a burguesia liberal.
                Contudo, a revolução que o colocou na Presidência não era apenas burguesa, era camponesa. No momento em que Madero assumiu a presidência, milhões de camponeses pegaram em armas, formaram exércitos e marcharam fazendo uma exigência: reforma agrária. Seus principais líderes eram Zapata e Pancho Villa. A Revolução liberal que derrubou o governo oligárquico de Porfírio Díaz, também abriu espaço para os camponeses e Madero não conseguiu controlá-los.
                Inicialmente, Zapata apoiou Madero. Mas logo percebeu que a burguesia liberal não estava disposta a aprofundar as reformas sociais. Rompido com Madero, lançou o plano de Ayala, um manifesto que exigia imediatamente a reforma agrária. Nas minas, nas fábricas, nas unidades de extração de petróleo, os operários entraram em greve e exigiram direitos.
                Aqui vamos encontrar a primeira desavença entre as forças revolucionárias. O conflito entre o liberalismo e as demandas sociais. Madero acreditava que os objetivos da revolução já tinham sido atingidos, pois o México passaria a contar com instituições democráticas que poderiam atender os desejos reformistas da sociedade, principalmente do camponês. Para tanto recomendava a desmobilização das forças revolucionárias. O mesmo não pensava Zapata que não acreditava na possibilidade de se fazer reforma agrária sem estar-se em posse de armas. Este atrito, somado à rebelião de Pascoal Orozco no Norte, colocou Madero na dependência da camarilha militar porfirista não depurada pela revolução. Assim, as forças chefiadas pelo General Huerta (antigo militar porfirista), assumem o governo.
O governo de Huerta
Para a maior parte dos revolucionários, a restauração do porfirismo pelo gen. Huerta era intolerável. O Governador nortista Carranza, não reconheceu o novo governo e deu início à mobilização contra Huerta. O mesmo fez Villa no Norte onde reativa a sua célebre "Divisão del Norte" e Zapata no sul com seus índios. Forma-se o exército constitucional que visa restabelecer o maderismo, sob liderança de Venustiano Carranza (Pacto de Torreón).
Constitucionalistas contra os camponeses
Novamente o confronto de Zapata e Madero se repete. Agora é Carranza que se vê em dificuldades em aceitar as propostas camponesas. Mesmo assim é obrigado a enviar à Convenção um decreto de reforma agrária.
Apesar do acordo entre Villa e Zapata, estes não conseguem coordenar uma ação em conjunto. Carranza reorganiza as forças militares e derrota Villa e Zapata ao mesmo tempo que estabelece a pena de morte contra trabalhadores grevistas (1915/06).
Simultaneamente à revolução generalizada contra seu governo, Huerta ainda conhece a humilhação de uma ocupação americana do porto de Vera Cruz. Sem condições para resistir, Huerta renuncia em junho de 1914.
O fim das lideranças camponesas
Depois de serem derrotados pelos constitucionalistas sob o comando de Álvaro Obregón, vilistas e zapatistas entram em decomposição. Mal conseguiam manter suas lideranças em seu último reduto (Villa em Sonora e Zapata em Morellos). Carranza procurou neutralizar essas poderosas lideranças, ordenando o assassinato de Zapata (o que foi feito em Chinameca, em 1919) e o acomodamento de Villa, que recebeu uma respeitável fazenda (sendo assassinado posteriormente, em 1923, provavelmente a mando de Carranza).
Mas os constitucionais compreendem perfeitamente que não poderiam desconhecer a questão agrária que estava no fundo da luta revolucionária. Os latifúndios foram limitados e a terra começou a ser entregue às comunidades camponesas.
A constituição de 1917
Após a neutralização das lideranças camponesas e da oligarquia, Carranza encontrou as condições para a aprovação de uma nova constituição que se tornou o documento máximo da Revolução de 1910. Foi considerada como uma das mais modernas e liberais Cartas Magnas da América Latina. Interessa-nos particularmente os artigos 30, 27, 123 e 130 que no seu conjunto estabelecem:
·       O ensino laico, ao encargo do estado preservando-se ainda um setor privado.
·       A expropriação de terras não cultivadas em favor dos ranchos e dos peões.
·       Fixação das relações entre Capital e Trabalho, como por exemplo, a jornada de 8 horas, regulamentação do trabalho do menor e da mulher, salários iguais para tarefas iguais, direito de greve, organização sindical, justiça do trabalho para arbitrar os conflitos entre o Capital e o Trabalho.
·       Restrição do poder da Igreja. O casamento civil foi tornado obrigatório e o único válido. A secularização do clero, transformando os padres em trabalhadores comuns.
Esta constituição foi juridicamente uma obra de síntese entre a grande tradição liberal (separação da Igreja e do Estado, laicização do Estado) e a emergência do Estado populista (o estado regulador dos conflitos e ao mesmo tempo paternalista para com os assalariados).
A estabilização da revolução
Com o assassinato de Carranza em 1920, o poder refluiu para dois caciques militares que haviam sido os bastiões do constitucionalismo, os generais Obregón e Calles. No período que se segue houve uma momentânea atomização do poder com a emergência de caudilhos militares provinciais. Em sua luta contra Villa e Zapata, Carranza foi obrigado a ceder poderes a chefes federais que atuavam com independência do poder central, apesar de formalmente se proclamarem fiéis à unidade e ao constitucionalismo. A oportunidade para reunificar o país e implantar a centralização revolucionária surgiu quando ocorreu a rebelião do caudilho militar Huerta. O fracasso da rebelião serviu de pretexto para que o Obregón e Calles exterminassem fisicamente toda a alta hierarquia militar do exército mexicano (1923). Eliminou-se, assim, um foco de ambição e de instabilidade que as camarilhas militares tanto produzem na história da América Latina.
A morte de Zapata, assassinado em 1919, e de Pancho Villa, morto em 1923, foi um golpe duro para os camponeses. O governo norte-americano pressionava para que  as reformas fossem implantadas rapidamente, a fim de evitar novos problemas. A Igreja Católica, por sua vez, exercia pressão sobre o governo, porque desejava recuperar o que havia perdido. Tudo isso levou o processo revolucionário praticamente ao fim.
Em 1929 foi criado o Partido Nacional Revolucionário (PRN), resultado da unificação das diferentes correntes revolucionárias, e que seria a base do Partido Revolucionário Institucional (PRI), criado em 1946. Essa mudança implicou o abandono dos princípios revolucionários de 1910.
Apesar da significativa reforma agrária implementada pela Revolução, com o tempo os camponeses perderam muitas terras que haviam conquistado. As dificuldades em conseguir uma produção em larga escala e a baixo custo, as dívidas bancárias, a concorrência dos produtos agrícolas norte-americanos e a maior mecanização das propriedades mais modernas acabaram por inviabilizar a pequena propriedade. O PRN, depois transformado em PRI, obteve, a partir de 1929, o controle da polícia, burocracia estatal e sindicatos; nacionalizou o petróleo com a PEMEX, sob o governo do populista Lázaro Cárdenas; criou monopólios privados nos setores de comunicação e telefonia, em meio ao nepotismo e à corrupção; realizou a reforma agrária (embora limitada) e afastou os militares da política, mantendo uma fachada democrática.
Essa ditadura perfeita (definição do escritor peruano Mario Vargas Llosa) era, periodicamente, referendada por votações em que prevaleciam o voto de cabresto e fraudes, garantindo-lhe a presidência, os executivos estaduais e a maioria no Legislativo.
A abertura política possibilitou que as pressões sociais aumentassem, durante a instabilidade econômica da década de 1980. Na eleição de 1988, Cuauhtémoc Cárdenas, dissidente do PRI, venceu nas urnas, mas foi derrotado por fraude na contagem oficial. O presidente Carlos Salinas (1988-94) empreendeu medidas neoliberais, abrindo o mercado e integrando mais o México aos EUA. Embora modernizador, o reformismo não evitou nova crise financeira e o aumento da corrupção, ligada ao narcotráfico.
Em 1.o de janeiro de 1994, explodiu em Chiapas uma rebelião liderada pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional, que exigia mudanças na distribuição da terra e dos benefícios sociais para a população mais pobre. Os rebeldes se auto-denominavam zapatistas em referência a Zapata, símbolo da luta social da Revolução Mexicana.
O EZLN tomou o palácio de governo e sublevou o pobre estado de Chiapas, exigindo .pão, saúde, educação, autonomia e paz para os camponeses, em sua maioria indígenas. Era, também um protesto contra o início do Nafta (Acordo Norte-Americano de Livre Comércio), que agravaria, em sua opinião, as condições de vida das camadas populares.
No governo de Ernesto Zedillo (1994-2000), a crise financeira e a desigualdade socioeconômica acentuaram-se, o PRI revelou-se incapaz de resolver os problemas e a oposição ganhou espaço nos estados e municípios. As reformas políticas garantiram mais liberdade, as regras eleitorais foram modificadas e a escolha do candidato do PRI mudou, com a substituição do dedazo (indicação) pela eleição interna no partido. Coordenadas por uma instituição independente do governo (Instituto Federal Eleitoral) e fiscalizadas por milhares de mexicanos e estrangeiros, as eleições de 2000 foram marcadas por uma disputa acirrada entre o candidato priista Francisco Labastida e o oposicionista Vicente Fox, do Partido de Ação Nacional (PAN). A vitória de Fox pôs fim ao monopólio do PRI.
O novo governo deve continuar o processo de reformas neoliberais, modernizar a máquina estatal, privatizar o setor elétrico e as ferrovias, ampliar o debate sobre o destino da PEMEX e, principalmente, avançar nas questões sociais. Se o futuro é imprevisível, ao menos tem-se uma certeza: a velha oligarquia de dinossauros e os tecnocratas do PRI perderam sua hegemonia.
Por outro lado, a luta dos camponeses mexicanos pela terra se estende até os dias atuais,  como acontece, aliás, em outros países da América latina, inclusive no Brasil. No México, essa luta continua a ser impulsionada pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional, na província de Chiapas. 

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