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terça-feira, 13 de abril de 2010

UFPB / PSS 1 / A CIDADANIA NO ESTADO ROMANO

A CIDADANIA NO ESTADO ROMANO

Cidadania romana e cidadania atual

No sentido contemporâneo, cidadania é um conceito derivado das revoluções burguesas (séculos XVII e XVIII) que define o conjunto de integrantes de uma sociedade, possuidores de direitos e com o poder de decidir sobre os destinos do Estado. Essa nossa cidadania está ligada de muitas formas aos antigos romanos, seja pelos termos utilizados, seja pela concepção do que é o cidadão. “Em latim, a palavra civis gerou civitas, ‘cidadania’, ‘cidade’, ‘Estado’. Cidadania é uma abstração derivada da junção dos cidadãos e, para os romanos, cidadania, cidade e Estado constituem um único conceito – e só pode haver esse coletivo se houver, antes, cidadãos. Civis é o ser humano livre e, por isso, civitas carrega a noção de liberdade em seu centro. (...) Se para os gregos havia primeiro a cidade, polis, e só depois o cidadão, polites, para os romanos era o conjunto de cidadãos que formava a coletividade. Se para os gregos havia cidade e Estado, politeia, para os romanos a cidadania, civitas, englobava cidade e Estado”. (FUNARI, Pedro Paulo. A cidadania entre os romanos in PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Bassanezi (Orgs.). História da cidadania. 4ºEd. São Paulo: Contexto, 2008, p. 49.). Temos então uma comparação interessante. Enquanto a cidadania grega (não somente ateniense) estava permeada pela noção de dever e por um ordenamento jurídico que sobrepunha a coletividade ao individuo, a cidadania romana englobava a ambos, um não existia independentemente do outro e, individualmente, era o cidadão quem fazia valer a noção de cidadania.

Assim, é na evolução de seu conjunto de leis (sobretudo nas noções de direito público e privado) que se encontra a chave de seu significado – uma cidadania calcada na liberdade do cidadão e que englobava já as noções de direitos civis e direitos políticos. Os estudos de História da cidadania “[...] tem mostrado, nas ultimas décadas, que a vida política romana era menos controlada pela aristocracia do que se imaginava e, de certa maneira, Roma apresentava diversas características em comum com as modernas noções de cidadania e participação popular na vida social. [...] A invenção do voto secreto, em Roma, tem sido considerada a pedra de toque da liberdade cidadã. O fórum pode ser considerado o símbolo maior de um sistema político com forte participação da cidadania. Lá, os magistrados defendiam os seus pontos de vista e tentavam conseguir o apoio dos cidadãos. O poder dependia desse apoio, a tal ponto que grupos rivais competiam pelo controle dos lugares em que os cidadãos se reuniam. Os romanos tinham um conceito de cidadania muito fluido, aberto, aproximando-se do conceito moderno de forma decisiva.”. (FUNARI, Pedro Paulo. A cidadania entre os romanos in PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Bassanezi (Orgs.). op. Cit. p. 76).

O Período republicano da História romana e a evolução da cidadania (509-27 a.C.)

A república romana estendeu-se de 509 a.C., quando foi destronado o ultimo Rei etrusco de Roma, até 27 a.C., ano da consagração de Otávio Augusto ao poder único do principado, primeira etapa da história imperial romana. De modo geral foi durante a época republicana que se definiram as características da civilização romana nos seus aspectos de política interna e externa, suas bases econômicas, sua estrutura social, abrangência espacial e produção intelectual, sobretudo jurídica. Nesse primeiro momento, estudaremos as lutas sociais e políticas que definiram a cidadania romana até a transição para o principado de Otávio Augusto, para, somente depois, estudarmos o Império e as mudanças de cidadania que ele comportou nas fases do principado (até o final do século II a.D.) e do Dominato (Até o século V a.D.).

A organização sociopolítica inicial

Mantendo a estrutura social herdada de fins do período da realeza, em seu início, a República de Roma foi essencialmente aristocrática e oligárquica, pois somente os patrícios podiam ser eleitos para cargos públicos. Assim, “(...) Os nobres patrícios detinham a iniciativa política. Suas famílias eram abastadas e tinham prestigio, além de uma forte influência em sua própria localidade. Em particular, exerciam um patronato sobre cidadãos livres que se tinham ligado a eles por laços de clientela: O patrão dava proteção geral enquanto que o cliente lhe retribuía em apoio social e político. A relação era de confiança e mutua obrigação, tendo persistido em Roma mesmo quando a administração civil se encontrava plenamente desenvolvida, ajudando a manter a influência das famílias proeminentes.”. (BALDSON, J. P. O mundo romano. Rio de Janeiro: ZAHAR, 1968, p.23.). Assim, inicialmente, o sistema político republicano estava assentado nas seguintes instituições:

A ESTRUTURA POLÍTICA NOS ANOS INICIAIS DA REPÚBLICA

SENADO - Centro do poder da república aristocrática era integrado por 300 patrícios, que exerciam a função senatorial em caráter vitalício. A presidência do Senado era exercida pelo membro mais velho, que recebia o titulo de “Princeps Senatus”. Competia ao Senado nomear os comandos militares, dirigir a política externa, recrutar tropas, supervisionar as finanças públicas e preparar as leis.

ASSEMBLÉIA CURIAL – De início elegia os cônsules, mas com o tempo tornou-se um organismo destituído de reais poderes.

ASSEMBLÉIA CENTURIAL – Formada por membros de todas as classes, exceto escravos, cumpria a função de eleger os cônsules e votar as leis. Contudo, como a votação ocorria por centúria (01 voto por fileira de cem soldados), os patrícios que ocupavam o alto oficialato do exercito acabavam manipulando e hegemonizando as votações.

ASSEMBLÉIA TRIBAL – Formada apenas por patrícios, elegia os Questores e Edis.

COLÉGIO DOS PONTÍFICES - zelavam pelas atividades religiosas, chefiados pelo “Pontífice Máximo”, também patrício.

As instituições políticas já descritas eram completadas pelas Magistraturas:

OS MAGISTRADOS DA REPÚBLICA ROMANA

CÔNSULES – Em número de 02, eram os mais importantes dentre os magistrados, com mandatos de 01 ano. O “cônsul armado” comandava o poder militar exercido fora da cidade de Roma (poder de imperium); o “cônsul togado” cuidava da administração interna da cidade (o poder de potestas). Exercendo a chefia do poder executivo, cada Cônsul poderia vetar as decisões do outro, forma de evitar o surgimento de um poder pessoal e absoluto.

PRETORES – Encarregados da aplicação da justiça e de substituir os cônsules no comando militar.

QUESTORES – Cuidavam das finanças e dos tributos.

CENSORES – Faziam a contagem da população segundo critérios censitários (por renda), Organizavam as eleições e zelavam pelos bons costumes (censura).

EDIS – Cuidavam da limpeza pública, dos jogos e festas oficiais e do abastecimento e policiamento de Roma.

DITADOR – Em casos de calamidade pública ou guerra, era nomeado um chefe supremo, que acumulava todas as magistraturas por um prazo de, no máximo, 06 meses. Esse limite temporal decorria do fato de que Roma temia qualquer eternização pessoal no poder.

INTER-REX – Indicado quando os dois cônsules morriam e ainda não tinham sido escolhidos os substitutos

 
A primeira fase da História da República romana, que se prolongou de 509 a.C. até 264 a.C., foi marcada por lutas sociais que começaram a dar uma nova configuração as estruturas políticas romanas e a abrangência dos direitos de cidadania. Em um movimento paralelo, a expansão territorial promoveria transformações nas bases sociais da republica romana, sendo importante fator que impulsionaria novas mudanças.



As lutas cidadãs dos primeiros séculos republicanos

Os séculos iniciais da republica romana foram marcados por acirradas lutas sociopolíticas. A princípio, os plebeus possuíam alguns direitos civis, como, por exemplo, possuir bens móveis. Contudo, o casamento entre plebeus não era reconhecido por lei, os plebeus não podiam contrair matrimônio com patrícios, não podiam realizar culto doméstico e não eram protegidos pelas leis consuetudinárias. A opressão era exercida indistintamente entre plebeus ricos (grandes comerciantes) e pobres (pequenos comerciantes, camponeses e artesãos), sendo que o maior peso dela recaia, obviamente, sobre estes últimos. Por essa época, como parte dos mecanismos de opressão do patriciado sobre a plebe, já se esboçava também a questão agrária romana: “A terra comum, ou terra pública, (Ager Publicus), que pertencia ao Estado romano, era arrendada, em lotes, aos pequenos agricultores. Entretanto, à medida que Roma ampliava o seu território na Itália, os patrícios foram se apropriando, a título privado, da maior e melhor parte das terras públicas, o que contribuiu para aumentar o numero de camponeses sem terras. Além disso, muitos pequenos proprietários viram-se ameaçados pela escravidão por dividas (nexum), que reduzia os devedores insolventes e suas famílias, à condição de escravos para quitação do debito.”. (AQUINO, Rubim Santos Leão. História das sociedades: das comunidades primitivas às sociedades medievais / Rubim Santos Leão de Aquino, Denize de Azevedo Franco, Oscar Guilherme Pahl Campos Lopes. – Rio de Janeiro: Ao livro técnico, 2000, p.231.).

Mais e mais, essa pauperização da plebe romana levou a uma série de revoltas visando à obtenção de alguns direitos de cidadania, reformas sociais e jurídicas. Podemos assim afirmar que a história inicial da República romana é a história das conquistas cidadãs da plebe.

“Os conflitos internos na sociedade romana tornaram-se mais evidentes a partir da República, quando os romanos passaram a guerrear em outras cidades sem a retaguarda etrusca da época monárquica. O poder de barganha da plebe aumentava, uma vez que o exército passou a depender cada vez mais dos soldados plebeus, tanto cavaleiros não patrícios quanto infantes. Isso resultou nas chamadas secessões da plebe, que ameaçava abandonar a defesa da cidade se os patrícios não concedessem direitos civis. Os dois grandes episódios do gênero foram em 494 e 449 a.C., abrindo caminho para as conquistas de cidadania”. (FUNARI, Pedro Paulo. Op. Cit. p. 52).

Em 494 a.C., os plebeus realizaram a Greve do Monte Sagrado, ou seja, retiraram-se, em massa para o Monte Aventino, situado nas proximidades de Roma, deixando Roma desguarnecida e carente de mão-de-obra. Essa ação dos plebeus forçou os patrícios a concessões. A primeira delas foi o Tribunado da Plebe, magistratura que tinha direito de veto sobre qualquer decisão que considerassem prejudicial aos interesses do povo. Além disso, sua integridade física era preservada, pois eram tidos como invioláveis. De início, os tribunos da plebe eram escolhidos pelos patrícios, que os manipulavam. Em 471 a.C., uma nova greve no Monte Sagrado levou a constituição da Assembléia da Plebe (Concílios da plebe), pela qual as camadas populares escolheriam seus tribunos e poderiam tomar resoluções, os plebiscitos.

Em 450 a.C., a continuação dos movimentos sociais em Roma levou a formulação da Lei das Doze Tábuas. Embora fosse ainda uma legislação repressiva, consistia em leis escritas, o que punha fim às decisões jurídicas arbitrárias do patriciado. As Doze Tábuas foram colocadas no centro de Roma, o Fórum, e todas e quaisquer pendências jurídicas eram agora resolvidas por um ordenamento exposto publicamente. Surgia, nesse momento, uma importante característica do Direito até hoje: o princípio da publicidade da lei (uma lei para ser cumprida tem de ser publicada). Pouco a pouco, novas conquistas se somaram às primeiras:

OUTRAS CONQUISTAS DA PLEBE ROMANA

LEI CANULÉIA (445 A.C.) – Permitia casamento entre patrícios e plebeus. Com o casamento misto, a plebe conquistou a igualdade civil. Vale ressaltar que na época da promulgação desta lei, a expansão territorial enriquecia muitos plebeus (comerciantes) ao mesmo tempo em que arruinava algumas famílias patrícias devido à desvalorização da terra. O patriciado decadente tinha interesse em se unir a plebe rica o que acabou criando uma nova aristocracia, a nobreza patrício-plebéia (nobilitas).

LEIS LICÍNIAS SEXTIA (367 A.C.) – Determinaram a regulamentação da exploração das terras publicas e o acesso da plebe ao consulado.

LEI POETÉLIA PAPÍRIA (326 A.C.) – Aboliu a escravidão por dívidas, o nexum.

LEI OGÚLNIA (300 A.C.) – Determinou a igualdade religiosa entre patrícios e plebeus, com estes últimos podendo ter acesso ao cargo de Pontífice máximo.

LEI HORTÊNSIA (287 A.C.) – As leis votadas pela Assembléia da Plebe – os plebiscitos – teriam força de lei para todos os cidadãos de Roma.

Os resultados da lutas sociopolíticas ocorridas na primeira etapa da história republicana foram benéficos, sobretudo, para os plebeus ricos. Quando, através do casamento, estes se uniram aos patrícios, formando o que se convenciona chamar de nova aristocracia (nobilitas), passaram a ocupar, por varias gerações, os altos cargos da República: tornaram-se cônsules, pretores, censores, etc. Quanto à parte pobre da plebe, em geral camponeses e artesãos, embora tivesse conquistado direitos políticos e civis, permaneceu espoliada. A miséria dos plebeus pobres foi agravada na medida em que se intensificou a importação de escravos, conseqüência da expansão territorial. A escravidão, explorada em larga escala na grande propriedade territorial e nas oficinas artesanais, expulsava o pequeno agricultor da terra e desvalorizava o trabalho manual. A luta dos camponeses por uma melhor distribuição das terras públicas encontrou forte oposição na aristocracia romana, que cada vez mais ampliava seus domínios territoriais. Essa grave situação social desembocou na crise do século II a.C. Assim, “No interior da elite dominante, um grupo restrito consolidou-se como uma aristocracia de patrícios e plebeus, com privilégios, propriedades fundiárias e fortunas, chamada de nobreza (nobilitas). Esse restrito círculo era composto por pouco mais de vinte famílias. Aqueles que tentavam ascender aos mais altos cargos passaram a ser chamados de ‘homens novos’. Com origens sociais modestas, às vezes sem sobrenome de família, destacavam-se pela dedicação e perseverança – em raras ocasiões, obtinham sucesso. A nobreza controlava as magistraturas e assembléias plebéias, de forma que os avanços sociais beneficiavam mais diretamente as elites plebéias do que o conjunto de cidadãos romanos. As antigas clientelas foram revigoradas, com a incorporação de comunidades itálicas inteiras à esfera de influencia dos ‘nobres’, uma vez que tanto patrícios como plebeus passaram a contar com grande contingente de clientes.”. (FUNARI, Pedro Paulo. Op. Cit. p. 55-56).



As lutas cidadãs no ocaso da República romana

As vitórias romanas nas Guerras Púnicas alteraram profundamente a sua estrutura social. A antiga cidade de base agrária transformara-se numa próspera realidade mercantil de proporções mundiais. A acumulação de riquezas, em função da expansão imperialista, provocou, simultaneamente, a concentração das riquezas nas mãos da elite (plebeus enriquecidos e patrícios de sempre) e o empobrecimento das camadas médias e populares. De fato, esse segmento social, recrutado para o exército, quando retornava à vida cotidiana, encontrava suas propriedades menos produtivas ou devastadas pelos conflitos militares e esse problema, aparentemente de uma classe, acabava afetando toda a sociedade. Sobre esse problema, ROSTOVTZEFF afirma: “É certo que existia uma crise institucional em Roma, mas todos os grupos sabiam que o problema de alterar a constituição não poderia ser resolvido sem reformas na vida social, especialmente na economia. Nesse setor, o mal mais importante era o crescimento das grandes propriedades e a queda simultânea do número dos que possuíam pequenas áreas. O resultado foi o aumento da população escrava na Itália, que trabalhava nas grandes propriedades dos nobres, e a queda simultânea do número dos que formavam o núcleo do exército, diminuindo com isso o poder militar do Estado.” (ROSTOVTZEFF, M. História de Roma. Rio de Janeiro, Zahar, 1961, p.98).

Desmobilizados, e de volta para suas casas, os pequenos e médios proprietários encontravam-se arruinados, carecendo de empréstimos para retomar sua vida produtiva. Além disso, a entrada de trigo importado, bem mais barato do que o produzido na península itálica fazia com que os pequenos proprietários fossem obrigados a produzir gêneros mais apropriados ao solo e clima italianos, tais como uvas e azeitonas, que exigiam, em contrapartida, grandes capitais, dos quais não dispunham. Na impossibilidade de se adequar às novas circunstâncias, os pequenos médios proprietários viam-se forçados a vender seus bens. Obviamente os compradores dessas propriedades era a elite patrício-plebéia, pouco afetada e muito beneficiada pelos conflitos militares. As reformas eram urgentes.

As Guerras Púnicas e a expansão imperial romana provocaram também um grande afluxo de escravos. Com efeito, Roma passou a conhecer todas as conseqüências de uma economia totalmente baseada no trabalho compulsório: a desvalorização das atividades produtivas, vistas como atividades humilhantes, baixa produtividade e estagnação tecnológica. Isso implicava também o desaparecimento das camadas médias, cuja produção era agora substituída pelo trabalho escravo. Após venderem suas terras, os pequenos e médios proprietários não mais permaneciam no campo, onde não tinham mais bens e o trabalho era realizado pelos escravos. Forçados ao êxodo rural, superpovoavam as cidades que, por sua vez, não ofereciam melhores oportunidades. Formavam uma camada social instável e sempre disposta à contestação social. O reflexo político dessa instabilidade foi o surgimento de lideranças políticas e militares que passaram a buscar o apoio dessas populações marginalizadas.

O surgimento de lideranças ao mesmo tempo políticas e militares, fenômeno típico do século I a.C. devia-se ao problema institucional criado pela expansão territorial – a estrutura administrativa romana estava bem dotada de mecanismos que viabilizavam o controle de uma cidade-estado ou até de um império em fase inicial de crescimento sendo, contudo, impossível adaptá-las as exigências administrativas de um vasto Império territorial. Os grandes comandantes militares dessa época, cientes do problema e de sua importância, passaram a usar sua influencia como forma de galgar mais poder político para eles e os setores que os apoiavam. Segundo JAGUARIBE: “Depois das guerras púnicas e da conquista da Macedônia e da Grécia, Roma precisou enfrenta três tipos principais de problemas:

(1) A inadequação das instituições e práticas de uma cidade-estado para a administração de um sistema imperial que incluía toda a Itália, a Gália meridional, a Espanha, a Macedônia, a Grécia e parte da África do norte.

(2) As pressões crescentes exercidas por uma grande parte da população italiana desprovida de cidadania romana, mas que participava do exercito e contribuía de outras formas para o império; essas queriam obter a cidadania plena e partilhar dos benefícios colhidos pelo império.

(3) A situação de uma parte muito grande e crescente da população formada originalmente por pequenos agricultores que, recrutados para longos anos de serviço militar, tinham perdido as suas propriedades durante essa ausência, que os transformava assim em um proletariado desempregado principalmente nas cidades e em especial em Roma.”. (JAGUARIBE, H. Um estudo crítico da História. São Paulo: Paz e Terra, 2001. Tomo I, p.373).

O quadro de crise social começou a se transformar em crise política quando os setores populares encontraram lideranças interessadas em suas reivindicações. Entre os reformadores romanos, influenciados por algumas das idéias democráticas dos gregos, sobressaíam os irmãos Tibério e Caio Graco. Embora de origem plebéia, há muito sua família se destacava na vida pública, sendo considerada uma das famílias que faziam parte da aristocracia romana.

“Tibério, nascido em 163 a.C., teve educação filosófica esmerada e seguiu carreira pública digna de seus predecessores familiares. Tibério, ao atravessar a Etrúria romana, no norte da península itálica, para dirigir-se a península ibérica, em 137 a.C., ficou chocado com a pobreza daquela terra, outrora tão fértil. Notou que nos campos já não haviam camponeses, mas hordas de escravos provenientes de outras partes do mundo mediterrâneo. Decidiu então, combater a condição miserável dos agricultores e defender seus direitos – não somente por valorizar os soldados cidadãos, mas por perceber que o poderio romano estava ameaçado pela fraqueza estrutural do compesinato, base do exército. Sem camponeses soldados, não haveria exército romano. Como continuar a defender o Império romano se predominavam latifúndios trabalhados por escravos? A terra pública, antes dividida entre cidadãos comuns, estava agora concentrada nas mãos dos latifundiários.”. (FUNARI, Pedro Paulo. Op. Cit. p. 58).

Eleito tribuno da plebe, em 133 a.C., Tibério Graco propôs a assembléia da plebe um projeto de reforma agrária onde limitava em 500 Jeiras (125 hectares) a extensão da propriedade de um cidadão sobre terras públicas. As terras liberadas deveriam ser repartidas em lotes e distribuídas aos cidadãos pobres, mediante arrendamento e proibição de venda (podiam ser legadas em testamento, mas, nunca vendidas). Tibério avaliara corretamente a crise social: “(...) tentou corrigir os males sociais causados pela formação de um grande proletariado sem emprego, principalmente urbano e romano, composto de antigos pequenos camponeses que (...) tinham perdido suas terras, encontrando-as destruídas ou tomadas pelos grandes proprietários. Ao mesmo tempo, grandes propriedades estavam sendo implantadas, principalmente para a criação de gado, funcionando com trabalho escravo.”. (JAGUARIBE, H. Op. Cit. p.374). O objetivo de Tibério era recuperar o pequeno proprietário rural, base do recrutamento militar, e, assim, fortalecer o Estado Romano.

A assembléia popular aprovou as leis agrárias. Entretanto, a maioria do Senado, representando a aristocracia patrício-plebéia, fez forte oposição à reforma tentando obstaculizar a demarcação das terras. A camada senatorial acusou Tibério de ter pretensões ao poder absoluto quando este se candidatou, pela segunda vez, a representação da plebe. Como conseqüência, eclodiu um conflito de rua entre seus partidários e a aristocracia senatorial que culminou com o assassinato de Tibério e centenas de seus seguidores.

Caio Graco continuou a obra do irmão elegendo-se tribuno da plebe em 124 a.C., apoiado pelos reformadores radicais. Contando com o apoio da plebe urbana e rural e parte da classe eqüestre, Caio Graco apresentou várias leis, visando instalar em Roma uma democracia de tipo ateniense:

• Propunha a transferência de decisões importantes do âmbito do senado para a assembléia popular, que não seria somente da plebe e sim de todos os cidadãos;

• No interesse dos camponeses, conseguiu aprovar a instalação de varias colônias agrícolas na Itália e em outras províncias;

• Conseguiu aprovar a Lei Frumentária, que obrigava o Estado romano a vender trigo abaixo do preço de mercado para os pobres.

A oposição senatorial foi, mais uma vez, violenta. Os choques entre os partidários de Caio e os defensores da aristocracia senatorial culminaram no suicídio de Caio e na perseguição e condenação a morte de milhares de seus seguidores. É importante salientar que “A luta entre esses dois grupos não girou tanto sobre os itens do programa de Graco (...); o objeto da luta era o controle do Estado. Os democratas empenharam-se em tomá-lo das mãos do senado, ao passo em que os aristocratas lutavam para conservar seu antigo e indiscutido controle dos assuntos públicos. Os choques se arrastaram por longo tempo, provocando guerras civis verdadeiramente excepcionais pela sua duração e ferocidade.”. (ROSTOVTZEFF, M. Op. Cit. P. 105).

No período imediatamente posterior a morte de Caio Graco, o senado romano reiniciou a política de guerras externas com os objetivos de ampliar territórios (na Gália e na África) e desviar a atenção da plebe dos problemas internos da República. Roma conquistou a Gália narbonense e derrotou os exércitos de Jugurta, rei da Numídia, no norte da África; levou ainda a guerra ao oriente. Contudo, “As lutas pela cidadania continuaram, nos anos seguintes, com a crescente polarização da sociedade romana em dois grandes grupos, os populares e os oligarcas, com as lutas entre Mário (representante popular) e o General aristocrata Sila no final do segundo século e início do primeiro século a.C., quando os cidadãos pobres conseguiram algumas conquistas – como a possibilidade, a partir de 111 a.C., de participar do exército mesmo sem ter renda mínima. Os proletários puderam chegar ao exército e conseguiram, nas décadas sucessivas, a concessão de terras, na forma de colônias, aos veteranos do exército. Os cidadãos soldados passaram, no entanto, a estar mais ligados a determinados Generais que à República. Em menos de um século, as antigas instituições republicanas cederiam o passo ao principado, regime baseado no poder do exército”. (FUNARI, Pedro Paulo. Op. Cit. P. 60-61).

Mário, pertencente à classe eqüestre e chefe dos populares, destacou-se como conquistador da Numídia e, devido ao prestigio angariado, foi eleito Cônsul, sucessivamente, de 107 a 100 a.C. Como chefe do poder executivo romano levou a efeito uma reforma do exército:

• Formação de tropas profissionais (recebimento de soldo) com direito à aposentadoria após 16 anos de serviço.

• Cessão de terras situadas fora da Itália aos soldados aposentados.

• Ampliação do recrutamento militar para todos os cidadãos, mesmo os que não possuíam terras ou renda mínima.

Com as reformas, Mário capitalizou o apoio das camadas populares da sociedade romana, inclusive dos desempregados. Na prática tornou-se o grande candidato a uma ditadura que poderia por fim a republica.

Em meio a essas disputas, Roma ainda enfrentava outros problemas: ocorreu uma rebelião dos povos itálicos aliados (reivindicando e conquistando a cidadania romana) e esta ainda não havia terminado quando uma nova força inimiga se levantou: Mitrídates, rei do ponto, preparava-se para atacar os exércitos romanos da Ásia menor.

Nesse contexto, em meio a significativo aumento do número de cidadãos romanos (agora todos os homens livre da península itálica), as lutas pelo poder se acentuaram: a aristocracia patrícia escolheu Sila (ou Sula) para comandante em chefe dos exércitos romanos que lutariam contra Mitrídates, fato aproveitado pelos partidários de Mario para assumir o poder. Roma viveria o conflito entre Mário e Sila, fruto da contradição entre a Classe eqüestre, apoiada pelos proletários, e a velha aristocracia patrícia. Em 83 a.C., após derrotar Mitrídates e obter sucessivas vitórias militares contra os partidários de Mário, Sila retorna a Roma, esmaga os opositores e implanta uma ditadura aristocrática.

Durante o governo ditatorial de Sila o poder dos tribunos da plebe foi anulado, o alcance das decisões da assembléia popular foi limitado, a justiça foi entregue aos aristocratas e mais de 03 mil “eqüestres” foram mortos. O Partido Popular, baseado nos setores sociais “eqüestres” e plebeus, foi praticamente dizimado (tanto que suas lideranças passaram a ser recrutadas dentro da própria aristocracia). A oligarquia senatorial consolidou-se no poder.

Em 79 a.C., Sila, percebendo que seu poder carecia de apoio social, renunciou. Com o fim da ditadura, ocorreram novos conflitos entre grupos políticos aristocráticos que pretendiam controlar o governo. A conspiração liderada por Lucius Catilina, que pretendia um golpe de Estado, foi denunciada e detida pelos setores que apoiavam o Cônsul Cícero.

Ao mesmo tempo novas guerras aumentaram o prestigio dos generais vitoriosos. Entre eles, destacaram-se Pompeu, que combatera na Itália, Sicília, África e Espanha (revolta liderada pelo escravo Euno), e o eqüestre Crasso, que comandara a repressão a revolta de escravos liderada por Spartacus (73 a 71 a.C.) e aumentara enormemente sua fortuna. Apoiados pela classe eqüestre (descontente com as reformas de Sila) e contando com a influência do então pretor Caio Júlio César, aristocrata líder do que havia restado do partido popular, Pompeu e Crasso celebraram, com César, um acordo político conhecido como primeiro triunvirato (60 a.C.).

O primeiro triunvirato foi um acordo particular entre políticos para conquistar o poder. César conseguiu eleger-se cônsul e tomou para si, por cinco anos, o governo das Gálias Cisalpina e Transalpina. Seus objetivos eram angariar prestigio popular, comandar um exército devotado e conquistar novas províncias no ocidente para contrapor os feitos militares de Pompeu e Crasso.



A DIVISÃO DO PODER NO PRIMEIRO TRIUNVIRATO (60 A.C.)



As vitórias de César ameaçaram o equilíbrio de poder no triunvirato. A classe senatorial, buscando o apoio de Pompeu, deu-lhe o governo de Roma e da Espanha. Com a morte de Crasso no oriente e a evidente disposição da classe senatorial em se apoiar em Pompeu e afastar César, por suas ligações com o partido popular, a guerra civil recomeçou. O resultado foi o poder pessoal de César, garantido com a vitória militar sobre Pompeu e o Senado lhe conferiu o titulo de Ditador vitalício (46 a.C.).

Caio Julio César, assumindo a ditadura e os poderes de tribuno, supremo sacerdote e comandante geral dos exércitos, promoveu uma série de reformas, alterando o sistema tributário, distribuindo terras entre os soldados, impulsionando a colonização das províncias, construindo obras públicas e reformulando o calendário. O Estado romano deste momento já diferia completamente do anterior: o poder do senado foi anulado, embora a assembléia popular não tenha sido beneficiada por nenhuma reforma estrutural (o que César fez foi manter, formalmente, as velhas instituições apoderando-se de seus poderes), e substituído pelo poder pessoal do ditador. O governo autocrático de César teve o apoio do exército, da classe eqüestre e da plebe. Grande soma de poderes se concentraram em suas mãos: controlava os assuntos públicos, com autoridade sobre o senado, assembléia popular e o Tribunado da plebe. Tinha o direito de nomear magistrados, declarar a guerra, celebrar acordo de paz, comandar o exército, dispor do dinheiro público, promulgar editos e acumular títulos e honrarias. “Embora parecesse que os golpes de César haviam posto fim ao poder senatorial, ele foi longe demais, e depressa demais, em sua atitude para com o sistema existente. Recusou-se a levar em conta a forma que o curso dos séculos tinham imposto ao Estado romano e, acima de tudo, ignorou ao mesmo tempo o desejo que o corpo de cidadãos tinha de manter sua posição privilegiada no Império e a alta posição social atingida pelas duas classes dominantes na comunidade - aristocracia senatorial e os eqüestres.”. (ROSTOVTZEFF, M. Op. Cit. P.161). Em 44 a.C., César foi assassinado por uma conspiração de elementos da aristocracia senatorial liderados por Bruto e Cássio. Estes, no entanto, não contavam com o apoio da maior parte do exército, nem da população de Roma e da Itália. A morte de César intensificou novamente a disputa de poder em Roma.

O enorme crescimento do Estado romano, com a anexação de novas províncias, aumentou cada vez mais a importância das legiões, interessadas em terras e dinheiro. Todos os setores políticos em Roma buscavam o indispensável apoio militar.

Com o assassinato de César, seus partidários, liderados pelo Cônsul Marco Antônio e pelo chefe da cavalaria Lépido, impediram que o poder passasse as mãos do senado, como pretendiam os conspiradores patrícios. Aqueles dois líderes fizeram um acordo (43 a.C.) com Otávio, filho adotivo de César – pelo qual receberam poderes ilimitados da assembléia popular, dividiram entre si as províncias ocidentais e o governo da Itália, sendo que o oriente não estava incluído no acordo. Formava-se, assim, o Segundo triunvirato. Mais tarde, selado novo acordo, Marco Antônio ficou com o oriente, Otávio com o ocidente e Lépido com a África; a Itália continuaria a ser governada pelos triúnviros conjuntamente.

Logo afloraram as rivalidades entre os triúnviros pela conquista da supremacia política. Lépido foi destituído de seu poder e do comando de suas legiões pelo senado, sob pressão de Otávio, que se tornou assim, senhor absoluto do ocidente. Marco Antônio, por sua vez, rompeu publicamente com Otávio ao decidir repudiar sua esposa (Octávia, irmã de Otávio) e casar-se com Cleópatra, soberana do Egito, o que lhe garantiu base econômica e militar.

Em 32 a.C., começou a guerra aberta entre Otávio e Marco Antônio. No ano seguinte, na batalha naval de Actium, as forças de Otávio derrotaram as de Marco Antônio que, após não conseguir reverter a situação desfavorável por terra, suicidou-se juntamente com Cleópatra. O Egito foi ocupado e transformado em província romana.

O resultado definitivo da extensa guerra civil do século I a.C. foi o poder autocrático de Otávio, baseado no exército, e a preservação formal das instituições romanas.

“Tendo concentrado em suas mãos o poder supremo da Republica, depois da derrota e do suicídio de Antônio, Octaviano teve que enfrentar o problema que César não chegara a resolver: Como conciliar a necessidade de uma estrutura de poder com as características monárquicas exigidas para administrar o Império, nas condições sociais e culturais da época, com a necessidade (aristocrática) de um sistema republicano, ditada pelas mesmas condições?

A solução dada por Octaviano foi criar gradualmente um principado, configurando um sistema em que um Imperator (supremo comandante dos exércitos), com o comando sobre as províncias e a autoridade superior em Roma, na Itália e no Estado em geral, governaria por delegação do Senado e da assembléia popular, preservando todas as formalidades republicanas e agindo estritamente de acordo com as leis. (...) Desde o principio ele sabia que precisava conciliar o controle efetivo e vitalício do poder supremo, em particular o comando do exército e o governo da maioria das províncias, com a preservação das formalidades e aparências do sistema republicano, especialmente com relação ao senado.”. (JAGUARIBE, H. Op. Cit. P.390).

Estava consolidada a transição da Republica ao Império. Segundo Rostovtzeff, “O século I foi uma época de transição em que a antiga cidade-estado se desmantelou e degenerou num governo de duas classes privilegiadas, os senadores e os eqüestres, e em que surgiu um novo sistema de monarquia. A concepção de uma família de Estados livres e independentes (pela qual lutaram os gregos e que era à base da constituição romana dos séculos IV e III a.C.) dava lugar a antiga noção oriental de um único Estado mundial, com cultura uniforme e governado por um único homem.”. (ROSTOVTZEFF, M. História de Roma. Rio de Janeiro, ZAHAR, 1961, p. 152).

Nessa transição do sistema republicano para o principado, esteio inicial do Império, embora o número de cidadãos aumentasse as bases da cidadania romana já não eram as mesmas. Tanto Sila, durante seu governo ditatorial, como nas administrações subsequentes, inclusive as de César e Otávio (o início do principado), verificaram-se significativas restrições aos direitos civis do cidadão romano. A base de liberdade que alicerçava o significado da cidadania foi perdendo pouco a pouco o seu sentido original para se transformar em uma dádiva do príncipe. De pouco adiantou essa liberdade quando Generais como Sila, Marco Antonio e Otávio decidiram elaborar suas listas de milhares de proscritos determinando suas mortes. “As ultimas décadas da república testemunharam grande violência política. Um dos resultados foi a promulgação de diversas leis destinadas a limitar o uso da força [...]. Nesse contexto está inserida toda a legislação de Estado de exceção ou emergência, em vigor no final da Republica e que tanto restringiu as liberdades civis nessa época. A primeira vez que se fizera uso dessa limitação severa dos direitos foi em 121 a.C., na esteira da crise dos irmãos Graco, na forma do Senatus consultum ultimum (estado de sítio). [...]”. (FUNARI, Pedro Paulo. Op. Cit. p. 62-63)

Por outro lado, a crise da República testemunhou um significativo avanço das possibilidades de iniciativa jurídica dos cidadãos. A implantação de cortes com jurados e do voto secreto na Assembléia garantiram voz aos cidadãos em geral, explicando a importância que a oratória adquire nesse momento. Era do êxito dos discursos que dependiam as decisões nas reuniões populares.

A diminuição dos direitos civis não foi suficiente para evitar o surgimento de outras formas menos institucionais de manifestação:

• Manifestações depredatórias reivindicaram, sobretudo nos períodos de guerra civil, barateamento do preço e normalização do abastecimento de trigo.

• Versos obscenos recitados em praça pública maculavam a imagem de personagens políticos pouco populares. Mais tarde, inscrições nas paredes tornaram essa uma manifestação menos arriscada.

• O linchamento era considerado uma explicitação da justiça popular quando um crime muito violento deveria ser punido, a exemplo de autoridades que foram linchadas por se envolverem em assassinatos políticos. Nesse caso, a execução da pena era peculiaridade dos romanos, que esquartejavam o acusado com as próprias mãos, manibus discerpem.

• Reconhecimento dos grêmios corporativos, chamados de collegia, espécies de sindicatos. Os membros dos grêmios eram pequenos comerciantes e artesãos, mas também libertos e até mesmo escravos (com a aprovação de seus senhores). Essas associações não tinham a simpatia das elites, mas eram regularmente utilizadas por elas para a concretização de intenções violentas.

• Por último, a realização de eleições talvez tenha sido um dos maiores legados da cidadania republicana romana para a cidadania atual. As assembléias eram importantes para a eleição de magistrados e para a definição das questões legislativas. Em Roma, pobres votavam desde o inicio da República, mas o principio do voto no direito romano era o voto por grupo e não o voto individual. O voto secreto foi introduzido no final da Republica e, para isso, adotou-se o voto por escrito.

A cidadania na época do Império

O assassinato de Júlio César em 44 a.C., como vimos, determinou o início de um novo período de violentas disputas políticas que culminaram na ascensão de Otávio Augusto, seu sobrinho e filho adotivo, ao poder em 31 a.C.. O período que se estende do início do governo de Augusto até o final do século II d.C. é historicamente conhecido como a época do principado (ou alto império na periodização tradicional da História romana). Nesta fase, sobretudo na administração de Otávio Augusto, a cidadania romana foi reorganizada.

Retornando a uma afirmação anterior, Otávio Manteve as aparências das instituições republicanas e do próprio Estado romano que continuou, formalmente, a ser chamado de República (res publica). Todavia, doravante o Estado passou a ser controlado pelo Príncipe do Senado (princeps senatus, titulo ostentado pelo próprio Augusto durante quarenta anos), supremo comandante do exército (que os romanos chamavam Imperador), o que define o principado como uma época em que o exercício do poder político se baseou no apoio dado pelo exército ao governante. Data desta época a adoção pelo Direito romano do principio jurídico pelo qual “a vontade do Príncipe tem força de lei”, o que revela o exercício do poder político de forma autocrática. Foi exatamente nesse período que a cidadania romana passou a ser um privilégio de natureza jurídica, perdendo parte significativa de seu sentido político (Nesse sentido, somente os senadores gozavam de cidadania plena nessa época porque ainda eram, politicamente, ouvidos pelo príncipe quanto este tomava decisões importantes).

Por outro lado, foi a partir de Augusto que o privilégio da cidadania (os direitos jurídicos do cidadão) romana passou a ser expandido para um número cada vez maior de pessoas que habitavam o Império e que, politicamente, só participavam do poder político no âmbito local (às elites locais só exerciam cidadania plena em nível de seus territórios de origem). A propósito, a concessão de privilégios jurídicos a parte significativa das elites dos povos dominados por Roma passou a ser também uma estratégia usada pelo Estado para manter a dominação sobre os mesmos, em outros termos, “dividir para governar”.

Mesmo sendo limitada, a cidadania da época do principado era um privilégio: “[...] significava uma mobilidade social importante. [...] a cidadania romana trazia consigo privilégios legais e fiscais [...], permitia a seu portador o direito e a obrigação de seguir as práticas legais do direito romano em contratos, testamentos, casamentos, direitos de propriedade e de guarda de indivíduos sob sua tutela (como as mulheres da família e parentes homens com menos de 25 anos).”. (FUNARI, Pedro Paulo. Op. Cit. p. 66).

O período que se estende de fins do século II da era cristã até o final do século V, é conhecido como a época do Dominato (ou baixo império na periodização tradicional da História romana). Nesta fase, a cidadania romana foi tornou-se extensiva a todos os homens livres do Império: “No ano de 212, o Imperador Caracalla estendeu a cidadania romana a todos os homens livres do mundo romano, prenunciando a generalização dos direitos de cidadania entre milhões de pessoas. Contudo, os poderes imperiais aumentavam e, como vimos, todos se transformavam em súditos do Dominus (senhor), do Imperador patrão que tudo podia”. (FUNARI, Pedro Paulo. Op. Cit. p. 75).

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