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domingo, 21 de março de 2010

PSS 3 - 2011 - SUBTEMA DIVERSIDADE POR DEFICIÊNCIA

Diversidade por deficiência – Apostila I


Introdução

Os estudos sobre os direitos das pessoas com deficiência não estão dissociados dos fatos históricos, reveladores que são do transcurso temporal das sociedades, seus modos de produção, estruturas sociais, formas de poder, manifestações espirituais, enfim, da produção cultural humana ao longo do tempo. Assim, antes de se fazer uma abordagem sobre a problemática das pessoas portadoras de deficiência nos dias atuais, o estágio atual da relação Exclusão/Inclusão das pessoas deficientes em um contexto de cidadania plena, faremos uma incursão histórica para melhor compreender esses indivíduos no cenário histórico de diversas civilizações. Na tentativa de compreender/conhecer quem é o deficiente, estudiosos do assunto analisaram como, historicamente, os indivíduos com deficiência têm sido considerados em diversas das formações culturais humanas, encontrando-se nessas analises uma diversidade de informações que reforçam uma tendência ainda longe de ser dissipada da sociedade atual, a predominância das atitudes de exclusão do meio social em relação às pessoas deficientes. “conforme se constata, ao longo desses vinte séculos de História, a deficiência foi tratada de forma mais ou menos excludente porque em torno delas se criaram marcas – estigmas – que definiram as atitudes do estigmatizado e do estigmatizador. Parece não haver sociedade, momento ou cultura, onde a pessoa com deficiência não tenha sido marcada pela exclusão; seja em maior ou menor grau, de uma forma ou de outra”. (SANTIAGO, Sandra Alves da Silva. Exclusão e deficiência: primeiras aproximações teóricas. In: Exclusão, inclusão e diversidade / Robert Jarry Richardson (Org.) / João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2009. P. 132).

Explicando conceitos

Para melhor esclarecimento dos leitores desse texto, gostaríamos, antes de tudo, explicitar que entendimento estamos adotando para a utilização de duas expressões que serão por demais repetidas nessa abordagem histórica sobre o tratamento dispensado as pessoas com deficiência. As referidas expressões são: exclusão e pessoa com deficiência.

Nosso tratamento dado ao tema teve como base a utilização do livro “Exclusão, inclusão e diversidade”, publicado recentemente pela Editora da UFPB. No referido livro, constam 03 artigos que procuram levantar, entre outros temas, uma reflexão acerca do tratamento dispensado as pessoas com deficiência ao longo da História humana. Mais precisamente no primeiro desses artigos, “Exclusão e deficiência: primeiras aproximações teóricas” (SANTIAGO, 2009), a autora faz uma importante consideração a respeito da utilização das expressões as quais nos referimos, consideração esta com a qual concordamos.

Assim, Sobre o uso do termo exclusão a autora nos esclarece que: “Nesta direção entendemos por exclusão a condição de impossibilidade ou incapacidade da pessoa com deficiência de exercer, em maior ou menor grau, algum ou vários dos direitos sociais que lhe outorga status de cidadania.” (SANTIAGO, 2009, p. 114). Em outros termos, utilizaremos a palavra exclusão para nos referirmos ao impedimento que, historicamente, vem sendo imposto às pessoas com deficiência para que as mesmas possam ser incluídas no meio social, no pleno gozo dos direitos pertinentes aos diversos grupos sociais, em cada época histórica.

A respeito da utilização do termo pessoa com deficiência, a autora nos mostra que mais do que uma expressão, o uso das palavras grifadas revelam uma opção para a abordagem do assunto: “Assim, é importante destacar que a expressão ´pessoa com deficiência` é relativamente nova no cenário acadêmico. Por muito tempo expressões como ´anormais`, ´alienados`, ´idiotas`, ´imbecis`, ´retardados`, ´excepcionais`, etc, foram amplamente aceitas e utilizadas sempre que se fazia referencia àqueles que portavam algum tipo de marca ou diferença corporal ou mental.” (SANTIAGO, 2009, p. 114). E acrescenta que “a adoção do termo pessoa com deficiência, indica um esforço teórico em evidenciar muito mais a pessoa – o ser – do que as marcas características ou sinais que ela possua. Consequentemente, o sujeito e sua integralidade são os elementos centrais do conceito e não a deficiência, ou menos ainda, a doença”. (SANTIAGO, 2009, p. 116).

Aspectos históricos envolvendo pessoas com deficiência

01. A pré-história

Não se têm indícios de como os primeiros grupos humanos na terra se comportavam em relação às pessoas com deficiência. Tudo indica que essas pessoas não sobreviviam ao ambiente hostil da época. Basta lembrar que não havia abrigo satisfatório para dias e noites de frio intenso e calor insuportável; não havia comida em abundância; não se plantava suficientemente para o sustento. A caça para a obtenção de alimentos e pele de animais para se aquecer e a coleta de frutos, folhas e raízes garantia o sustento das pessoas no paleolítico.

Há mais ou menos dez mil anos quando as condições físicas e de clima na Terra ficaram mais amenas, os grupos começaram a se organizar mais complexamente. Após um longo período de nomadismo, o homem paulatinamente, foi aprendendo a cultivar o solo, a domesticar e criar animais, não mais havendo a necessidade de se locomover para poder alimentar-se. Com a sedentarização e posterior crescimento demográfico, houve a necessidade do emprego de mão-de-obra para a agricultura e a pecuária. Para satisfazer suas necessidades, que em termos de acumular patrimônio aumentou com o advento de uma maior complexidade social, o homem passou a explorar o homem.

As tribos se formaram e com elas a preocupação em manter a segurança e a saúde dos integrantes do grupo para a sobrevivência. Os estudiosos concluem que a sobrevivência de uma pessoa com deficiência nos grupos primitivos de humanos era impossível porque o ambiente era muito desfavorável e porque essas pessoas representavam um fardo para o grupo. Só os mais fortes sobreviviam e era inclusive muito comum que certas tribos se desfizessem das crianças com deficiência.

02. A pessoa com deficiência no Egito Antigo

Por volta de 4000 anos a.C. é possível encontrar as chamadas grandes civilizações: sedentarizadas, com escrita desenvolvida e apresentando complexas características de organização produtiva, estrutura de poder político, hierarquização social e manifestações intelectuais.

Localizado no Nordeste da África, as margens do Nilo, o Egito possui registros que datam de períodos anteriores ao quarto milênio que antecede a era cristã. Os autores consensualmente afirmam que a presença humana em uma região desértica, situada entre os mares Mediterrâneo e Vermelho, só foi possível graças a um complexo processo de adaptação ao meio ambiente, mediante o aproveitamento dos recursos oferecidos pela presença do rio Nilo, suas vazantes e suas cheias.

Evidentemente, a cultura egípcia foi o resultado desse processo de adaptação ao meio. Contudo, o aprendizado que essa adaptação exigiu foi realizado num ambiente marcado por fenômenos naturais um tanto violentos, para os quais o homem praticamente não estava preparado, sendo a força física um notável aliado contra as intempéries naturais. Embora em ambiente hostil, esses homens que construíram o Egito souberam transformar, com seu trabalho, dificuldades em soluções e o aproveitamento das condições geográficas daquela região desértica nos revela isto. Todavia, “ao mesmo tempo, as mesmas condições geográficas podem ter sido responsáveis pela eliminação das pessoas com deficiência, pois as constantes enchentes provocadas pelo Nilo exigiam atitudes que envolviam rapidez e força para fugir da morte eminente. Certamente, a população que se situava as suas margens necessitava agir rapidamente e àquelas vitimas de alguma deficiência, especialmente de ordem física ou mental ficavam impossibilitadas de tomas tais providencias”. (SANTIAGO, 2009, p. 117).

Na analise da organização econômica da sociedade egípcia pode-se indicar que suas principais atividades, agricultura e pecuária, ao longo de sua história, além do comércio especificamente durante o novo Império, podem ter criado mecanismos para a exclusão da pessoa com deficiência. Para cultivar a terra, o povo egípcio se valia, além de seus conhecimentos sobre a região, da força física empregada mediante a submissão pelo Estado daqueles que eram despossuídos. A realização de grandes construções (pirâmides, diques, canais) também se constituíam em atividades destinadas as castas menos favorecidas. Desta forma, o individuo que possuísse qualquer tipo de deficiência/doença estava afastado do processo produtivo em razão de suas próprias limitações.

A estrutura social egípcia, como é de amplo conhecimento, tinha como base uma rígida hierarquia. O Faraó, situado no seu topo, tinha necessidade de um grupo próximo a ele para realizar as suas determinações entendidas e divulgadas como vontade dos deuses. Assim foi formada uma camada sacerdotal que se apresentava como guardiã dos templos e era monopolizadora de praticamente toda a produção do saber. “Além disso, estavam à frente dos cuidados com os doentes/deficientes e pela formação dos médicos. Diante disto, se a pessoa com deficiência pertencia a classes próximas dos faraós, tanto mais fácil serem viabilizados meios para sua sobrevivência.” (SANTIAGO, 2009, p. 118). Essa mesma estrutura social contava ainda com um pequeno grupo de pessoas formado pelos parentes do faraó, nobreza administradora das terras do Estado, elite militar e escribas. Esses grupos auxiliavam o faraó na administração do território e suas atividades: cobrar impostos, fiscalizar obras e acompanhar os trabalhos agrícolas. Neste caso, portar deficiências poderia representar um obstáculo à realização de certas atividades. Diversas evidências apontam ainda a existência de trabalhadores especializados – marceneiros, pintores, tecelões, ferreiros, escultores e ourives – que faziam uso de excelentes habilidades manuais onde “a falta de membros ou de visão constituía um problema grave”. (SANTIAGO, 2009, p. 119).

A cultura construída pelos egípcios e suas relações com as pessoas com deficiência também pode ser entendida a partir da religiosidade manifesta por esta civilização. “A crença egípcia que guiava todas as atividades da sociedade entendia que a deficiência ocorria como resultado de castigos divinos. Dessa forma, a pessoa deficiente era, em geral, vista como alguém marcado pelos deuses por algo errado que tenham realizado em vidas anteriores. (...) a doença seria causada por fatores naturais ou sobrenaturais; em geral a manifestação da vontade dos deuses.”. (SANTIAGO, 2009, p. 119). Haviam, portanto, duas certezas egípcias sobre a pessoa com deficiência: primeiro, ela era um doente, e segundo um individuo marcado pelos deuses por ter desobedecido as suas regras, seja no presente ou no passado.

Mesmo fortemente marcada pelo misticismo, a cultura egípcia procurou construir conhecimentos sobre o mundo, o homem e seus problemas. Nesse contexto é conhecido o destaque egípcio no que diz respeito às praticas da medicina. “Mesmo, sendo a doença/deficiência uma obra dos deuses, os homens egípcios entendiam que poderiam encontrar – por revelação daqueles – formas de curar ou intervir. Assim, a medicina dos tempos dos faraós é considerada hoje, bastante avançada para a época, pois combinava um grande conhecimento sobre os benefícios de recursos naturais como plantas e alimentos com crenças e religião.” (SANTIAGO, 2009, p. 120)

Foi mediante essas crenças que a cultura humana do Egito antigo também acumulou conhecimento no que diz respeito ao tratamento de certa doença/deficiência. “Uma das áreas de maior desenvolvimento foi a oftalmologia. Isso se deveu ao fato das doenças oculares serem muito freqüentes. Em especial a chamada ´cegueira do deserto`, hoje conhecida como tracoma, mal causado pela bactéria Chlamydia trachomatis. Uma das áreas de maior interesse dos egípcios foi a cegueira. Pesquisadores acreditam que esta preocupação egípcia se deve ao fato da grande incidência de casos na região, ao ponto daquele ser considerado mais tarde por Hesíodo como o ´país dos cegos`. Certamente, por isso, a mais antiga menção de doença de olhos que a humanidade tem registro está no ebers papyrus, um documento escrito por volta de 1553 – 1550 a.C. e descoberto em 1872 na necrópole de Tebas. O papiro trata de várias doenças dos olhos e serviu de referencia para outros povos, sendo fonte de investigação até hoje”. (SANTIAGO, 2009, p. 121)

A arte egípcia também possui seus registros sobre pessoas com deficiência. Algumas obras mostram a presença constante de pessoas portadoras de alguma deficiência entre os egípcios, revelando que certo grupo, provavelmente ligado aos faraós, não foi sacrificado ou abandonado a própria sorte. Dentre esses, menção especial se faz aos portadores de nanismo.

Especialistas revelam que os anões eram empregados em casas de altos funcionários, situação que lhes permitia honrarias e funerais dignos. A múmia de Talchos, da época Saíta (1.150 a 336 a.C.), em exposição no Museu do Cairo, traz indicações de que era uma pessoa importante. Já um papiro contendo ensinamentos morais no Antigo Egito, ressalta a necessidade de se respeitar as pessoas com nanismo e com outras deficiências - “Há ainda a existência de uma determinação do faraó Amenemope (ao redor do final do segundo milênio antes de Cristo) que diz: Não ironize o cego, nem ria do anão, nem bloqueie o caminho do aleijado; não aborreça um homem que ficou doente por causa de um Deus, nem faça escândalo quando ele erra.” (SANTIAGO, 2009, p. 122).

Existem menções artísticas a outras doenças. No museu de arte de Copenhague, na Dinamarca há uma estela da XIX dinastia, onde se vê um guardião de templo deficiente. O achado data de mais de 1000 anos a.C. Ela retrata um homem conhecido como Roma, ocupante de um cargo de grande responsabilidade em seus dias: porteiro de um dos templos de um dos deuses egípcios, que apresenta uma deficiência física muito evidente, certamente causada por poliomielite.

03. Civilizações clássicas: Grécia e Roma

Como vimos no caso egípcio, a estrutura das sociedades, desde os primórdios, incapacitou os deficientes, marginalizando-os e privando-os de liberdade. Estas pessoas, sem respeito, sem atendimento, sem direitos, sempre foram alvo de atitudes preconceituosas e ações impiedosas, exatamente porque se lhes nega a cidadania.

A idéia de cidadania surgiu na Grécia antiga como parte fundamental nos processos decisórios atinentes as cidades-estados. Nesse sentido, o ser cidadão compreendia a participação nas decisões a serem tomadas no tocante a vida das polis, o dedicar-se integralmente aos negócios públicos entendidos como meios construtores da felicidade para os cidadão. Embora haja certa semelhança entre o ser cidadão nas polis gregas e os direitos políticos da cidadania atual, a concepção de cidadania na antiguidade era bastante excludente. Basta lembrar que mulheres, crianças, pessoas com deficiência, estrangeiros e escravos não eram considerados cidadãos.

Entre 400 e 300 a.C., temos os grandes filósofos, ora reforçando ou criando estigmas, ora contribuindo para o entendimento das deficiências. Sócrates foi um dos primeiros a discutir as grandes questões éticas a respeito da vida humana, mas praticamente não faz referencia as deficiências. Hipocrates foi o primeiro a advogar causas físicas para as deficiências, rejeitando, assim, a idéia de intervenção divina como explicação para a ocorrência de deficiências, mas esteve longe de discutir os direitos das pessoas atingidas por elas.

Por outro lado, Platão, no livro A República, e Aristóteles, no livro A Política, trataram do planejamento das cidades gregas indicando as pessoas nascidas “disformes” para a eliminação. A eliminação era por exposição, ou abandono ou, ainda, atiradas do aprisco de uma cadeia de montanhas chamada Tahgetos, na Grécia.

A cultura grega foi uma das que mais contribuiu para o panorama da discriminação das pessoas com deficiência. Segundo Blackburn (2006), Platão, um dos mais notáveis filósofos gregos, idealizava uma sociedade perfeita pregando a união dos melhores indivíduos, ou seja, os indivíduos considerados perfeitos. Defendia ainda que as crianças que possuíssem alguma enfermidade deveriam ser levadas a um lugar desconhecido e secreto e os corpos que possuíssem alguma anormalidade não deveriam continuar com sofrimento, sendo então, largados a própria sorte até o encontro com a morte.

A República, Livro IV, 460 a.C – “Pegarão então os filhos dos homens superiores, e levá-los-ão para o aprisco, para junto de amas que moram à parte num bairro da cidade; os dos homens inferiores, e qualquer dos outros que seja disforme, escondê-los-ão num lugar interdito e oculto, como convém”. (GUGEL: 2007, p. 63).

Podemos ainda, encontrar relatos semelhantes às idéias de Platão nas histórias das cidades de Atenas e Esparta. De acordo com Pastore (2000) para o povo guerreiro, as crianças eram propriedade do Estado. Em Esparta, os meninos a partir dos 7 aos 37 anos, deveriam estar a serviço do exército. Devido a isso havia uma exigência de pessoas saudáveis, capazes de defender o Estado nas constantes batalhas. Aqueles que tivessem algum tipo de deficiência não estariam aptos para o exercício da guerra. Ao nascer, os bebês eram levados a uma espécie de comissão oficial formada por anciãos de reconhecida autoridade. Conforme as leis: Se lhes parecia feia, disforme e franzina, como refere Plutarco, esses mesmos anciãos, em nome do Estado e da linhagem das famílias que representavam, ficavam com a criança. Tomavam-na logo a seguir e a levavam a um local chamado Ápothetai, que significa depósito. Tratava-se de um abismo situado na cadeia de montanhas Tahgetos, perto de Esparta, onde a criança era lançada e encontraria a morte, pois, tinham a opinião de que não era bom nem para a criança nem para a república que ela vivesse, visto como desde o nascimento não se mostrava bem constituída para ser forte, sã e rija durante toda a vida (Silva, 1986, p. 122).

Em Atenas, considerada por muitos como o berço da civilização ocidental, o trato para com as pessoas com deficiência não era diferente daquele tratamento dado em Esparta. No caso do nascimento de um bebê com alguma deficiência, era o próprio pai quem deveria matá-lo. O extermínio de crianças com deficiências era tão comum que, mesmo Aristóteles, famoso por sua defesa das instituições democráticas atenienses, na obra A POLÍTICA afirmava: “Quanto a rejeitar ou criar os recém-nascidos, terá de haver uma lei segundo a qual nenhuma criança disforme será criada. Com vistas a evitar o excesso de crianças, se os costumes das cidades impedem o abandono de recém-nascidos deve haver um dispositivo legal limitando a procriação. Se alguém tiver um filho contrariamente a tal dispositivo, deverá ser provocado o aborto antes que comecem as sensações e a vida”. (a legalidade ou ilegalidade do aborto será definida pelo critério de haver ou não sensação e vida). (GUGEL: 2007, p. 63).

Contudo, a história da civilização grega também nos mostra exemplo de pessoa com necessidades especiais que conseguiu vencer a ideia de mera exclusão. O caso mais famoso é o do poeta Homero que, pelos relatos, era cego e teria vivido em época anterior ao século VII a.C.. Escreveu os belos poemas Ilíada e Odisséia. Em Ilíada Homero criou o personagem Hefesto, o ferreiro divino. Seguindo os parâmetros da mitologia, Hefesto ao nascer é rejeitado pela mãe Hera por ter uma das pernas atrofiada. Zeus em sua ira o atira fora do Olimpo. Em Lemnos, na terra entre os homens, Hefesto compensou sua deficiência física e mostrou suas altas habilidades em metalurgia e artes manuais. Casou-se com Afrodite e Atena.

O caso romano

Em Roma houve dois momentos distintos. O primeiro refere-se ao período que antecede o segundo século antes de Cristo. Até então o exército romano era formado por pequenos agricultores, que iam à guerra para defenderem suas propriedades e adquirir novas terras. Durante este período, o tratamento dado às pessoas com deficiências era praticamente o mesmo que aquele dado na Grécia. “A antiga lei das Doze Tábuas, do início da república até a metade do século V a.C., permite entre outras coisas, que o pai mate os filhos anormais” (Manacorda 1997, p.74).

No segundo momento a partir do século I d.C. o exército romano foi profissionalizado, assim, os reis e os proprietários não necessitavam mais ir à guerra. Passou-se então a existir certa tolerância com as pessoas que nasciam com alguma deficiência. Entre os ricos e nobres alguns chegaram a ser imperadores, tais como: Tiberius Claudius César Augustus Germanicus, conhecido como Imperador Cláudio I; Servius Sulpicius Galba; Aulus Vitelius. Já entre os pobres, a realidade era bem diferente, “existia em Roma um mercado especial para compra e venda de homens sem pernas ou braços, de três olhos, gigantes, anões, hermafroditas” (Durant in Silva, 1986, p. 130).

As condições de existência das pessoas no período escravista estavam ligadas à forma de produzir seus meios de vida, à qual exigia um biotipo que lhes permitissem executar as tarefas que eram colocadas. Desta forma, àqueles que tinham a desventura de nascer com alguma deficiência, não restava outra sorte do que ser eliminado ou abandonado. O modo de produção escravista, com o passar do tempo, foi entrando em colapso. Para o proprietário dos meios de produção manter em sua propriedade um grupo de escravos passou a não ser lucrativo, pois o custo da manutenção deste contingente fazia-se muito elevado. Uma nova forma de produção precisava ser implantada. Assim os escravos foram sendo substituídos pelos servos. A esses era dada uma gleba onde ele e sua família iria trabalhar para o seu sustento e para pagar a parte que era devida ao senhor feudal, em geral, quatro quintos de toda a produção.

O cristianismo e a deficiência

Foi no contexto do Império Romano que surgiu o cristianismo. A nova doutrina voltava-se para a caridade e o amor entre as pessoas. As classes menos favorecidas sentiram-se acolhidas com essa nova visão. O cristianismo combateu, dentre outras práticas, a eliminação dos filhos nascidos com deficiência. Os cristãos foram perseguidos, porém alteraram as concepções romanas a partir do Século IV, quando tornaram-se a única religião permitida no Império. Nesse período é que surgiram os primeiros hospitais de caridade que abrigavam indigentes e pessoas com deficiências.

Há passagens no Pentateuco, livro oriundo do judaísmo, do qual derivaria o cristianismo, segundo as Leis relativas aos Sacerdotes, em que a deficiência tinha significado religioso:

“O Senhor disse a Moisés: Nenhum dos teus descendentes, de geração em geração, se sofrer de alguma deformidade poderá oferecer pão do seu Deus. Porque quem tiver alguma deformidade não poderá ser admitido: um cego, um coxo, um aleijado de pé ou de mão. Homem algum de raça do sacerdote de Aarão, que tiver alguma deformidade, se apresentará para oferecer sacrifícios ao Senhor. Poderá comer o pão do seu Deus proveniente das ofertas santíssimas ou das ofertas santas, mas não se aproximará do véu ou do altar, pois sofre de alguma deformidade e não deve profanar os meus santuários”. (Levítico, 2: 21-23).

O povo pecador era comparado com o povo deficiente, e a deficiência entre os hebreus era vista como castigo dos pecados, o que demandava a exclusão destes dos seus entes queridos e de sua moradia. A sobrevivência só poderia ocorrer longe dos sadios, dos justos, dos retos e dos bons. O retorno à sua comunidade só ocorria através de milagres.

Foi no cristianismo primitivo que se rompeu com a concepção judaica da deformidade por punição divina, permanecendo o milagre como meio de reintegração social: “Naquele tempo, Jesus encontrou no seu caminho um cego de nascença. Os discípulos perguntaram-Lhe: Mestre, quem é que pecou para ele nascer cego? Ele ou os seus pais?” Jesus respondeu-lhes: “Isso não tem nada que ver com os pecados dele ou dos pais; mas aconteceu assim para se manifestarem nele as obras de Deus”. [...] Dito isto, cuspiu em terra, fez com a saliva um pouco de lodo e ungiu os olhos do cego. Depois disse-lhe: ´Vai lavar-te à piscina de Siloé`; Ele foi, lavou-se e voltou a enxergar ...”.

PARA APROFUNDAR TEMÁTICAS SOBRE DIVERSIDADE CULTURAL:

RICHARDSON, Roberto Jarry (Org.). Exclusão, inclusão e diversidade. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2009.

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