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quinta-feira, 12 de março de 2009

O fazer historiografico.


O Fazer Historiográfico (Neusa Maria Oliveira Barbosa Bastos – PUC/SP - UPM).
Para refletir sobre a pluralidade de maneiras de se fazer um estudo histórico/historiográfico, parece-nos relevante apontar, através dos tempos, os modos de descrição e explicação dos fatos humanos em momentos e lugares diversos.
Assim é que, neste trabalho, pretendemos iniciar a reflexão pelo fazer histórico/historiográfico que busca metodologias em ciências sociais, filosofia e demais saberes já constituídos, que possam contribuir com os princípios norteadores do processo em questão.
Importa-nos investigar, portanto, em primeiro lugar, os sentidos da palavra história; em segundo lugar, as tendências do século XX em relação às formas de se fazer história; e, por fim, o conceito de historiografia, seus princípios e procedimentos.

Os sentidos da palavra História
Cumpre mencionar que o fazer história tem sido, ao longo dos séculos, uma preocupação dos homens nas diferentes sociedades e épocas, por uma necessidade, intrínseca ao ser humano, de questionar-se sobre o seu passado para nele se apoiar, viver o presente e fazer prospecções para um futuro assentado nas experiências vividas, conhecendo assim maneiras de organizar as próximas etapas a serem realizadas.
Olhando para o passado, encontramos, na Grécia, a origem da palavra história para nomear o “desejo desinteressado de conhecer elementos característicos da nossa civilização” (Besselaar, 1974:03). Designava, num primeiro momento, qualquer tipo de investigação científica, que buscava desvendar questões relacionadas ao universo, aos seres humanos, aos costumes, às origens e ao passado em geral. Heródoto, pai da História, empregou-a em dois sentidos diferentes: pesquisa racional e resultado de tal pesquisa. No entanto, foi ainda na Antigüidade que o termo passou a ser utilizado para designar a narração dos fatos e acontecimentos do passado numa sucessão temporal.
Assim, considerando o homem um animal histórico por excelência, pode-se asseverar que os seres humanos não vivem, em qualquer fase de suas vidas, sem contar uma boa história. Crianças ouvem histórias de fadas, duendes, monstros e heróis poderosos; jovens distanciam-se da ficção, ligam-se ao real, distinguem estórias da História, postura que se firma na vida adulta.
E a palavra história permanece em todos os idiomas, com nuances que vão desde a mistura de fatos reais e fictícios até pesquisa e crítica sistemática dos fatos, mas o que se procura, aqui, é determinar o conteúdo do termo de acordo com cada um dos momentos e lugares em que ele esteja contextualizado.
Em relação à Antigüidade greco-romana, podemos afirmar que, para os gregos, a história é moral por glorificar o homem, tornando-o um herói e pragmática, por projetar a utilidade que se poderá tirar dos conhecimentos acerca dos fatos passados. Já para os romanos, a história apresenta-se não só com intenções morais, mas também com intenções patrióticas, por fornecer bons exemplos de condução da pátria a serem seguidos e maus exemplos a serem evitados.
Em relação à Idade Média, a história toma uma dimensão filosófica baseada na nova visão de mundo imposta pelo cristianismo triunfante. E os estudos históricos assentam-se na busca dos sinais precursores da vinda do Salvador à terra. Segundo Glénisson (1986:18), “E a vinda de Cristo tinha um sentido para todos os homens. Exigia-se, portanto, uma nova concepção da história universal, na medida em que esta deveria ser dotada de uma unidade”.
Já nos séculos XVI a XVIII, nascem as técnicas modernas da história. De acordo com o mesmo autor (1986:19), “Constitui-se o que se conhece pelo nome de “ciências auxiliares da história”, surgem os requisitos necessários para erigir-se uma verdadeira doutrina da crítica erudita. É no século XVII, aliás, que “o nome crítica, até então designando apenas uma qualidade do gosto, assume também o sentido de um julgamento de veracidade. De estética que era, a crítica passou a ser, igualmente, histórica”.
Também com a história, as correntes filosóficas: empirismo e racionalismo tinham estreitas relações. Através do seu ideal indutivo, o empirismo pôde, segundo Padovani e Castagnola (1984), até certo ponto, concordar com a investigação histórica erudita; no entanto, o racionalismo, pelo seu ideal de noções claras e distintas, inteligíveis e racionais, obviamente contrapôs-se à história e à tradição, pois tais noções abstratas e universais não podem aí se realizar.
Durante os séculos XVII e XVIII, os historiadores são eruditos e, geralmente, ligados ao clero e, aos laicos, cabia a tarefa de complementação da disciplina dos mosteiros por meio de uma organização espontânea, agrupando-se em cenáculos, cedendo suas excelentes bibliotecas, pesquisando e colecionando informações sobre filologia, numismática, matemática, física, história, arqueologia grega, botânica, orientalismo, filosofia, astronomia. Caracteriza-se, então, uma erudição histórica à base do espírito crítico nascido nesse momento de crítica histórica.
No século XIX, no entanto, além da passageira euforia ligada à questão do patriotismo, renasce a erudição com rigor científico: pesquisa de documentos de toda natureza como: manuscritos, inscrições, monumentos, tudo o que é útil à história. Os eruditos reúnem-se em Academias de onde surgem produções extensas e variadas. Em conseqüência, organizam-se, nas nações européias e americanas, as bibliotecas nacionais: A do Rio de Janeiro foi fundada por decreto de 29 de outubro de 1810, ficando provida dos 60.000 volumes que o Príncipe-Regente, o futuro D. João VI, trouxera da sua biblioteca do Palácio da Ajuda. (Besselaar, 1974:153)
Nesse período, os historiadores passam de investigadores à procura de documentos, a juízes à procura do julgamento da veracidade, estabelecendo valor objetivo dos documentos que passam a ser vistos como testemunhas autênticas que devem ser interrogadas criteriosamente. Nesse momento, a crítica histórica, “exame judicioso das fontes, visto que nem tudo nelas se encontra verdadeiro,.. torna-se... o método científico para separar nos documentos a verdade do erro e da mentira, a certeza do que é provável ou apenas possíve". (Besselaar, 1974:158), dividindo-se em crítica externa e crítica interna. Da primeira, crítica externa, deve-se lembrar que as perguntas a serem respondidas referem-se: 1) ao documento e seu estado original: crítica da restauração; 2) ao autor, local em que viveu, momento em que escreveu, em que circunstâncias se achava no momento de escrever o documento: crítica da autoria; 3) aos conhecimentos diretos ou indiretos que o autor tinha dos fatos e, sendo indiretos, de que fontes teria retirado os documentos: crítica da procedência. Da segunda, crítica interna, deve-se lembrar que o objetivo é o valor do depoimento dado pelo documento e, na parte chamada Hermenêutica, as perguntas a serem respondidas referem-se: 1) ao dito do autor, na busca do sentido da comunicação feita pelo documento; 2) à intenção do autor, levando-se em consideração o auditório e, ainda, enquadrando o documento na época e no lugar em que foi escrito. Na parte intitulada Crítica da Objetividade, consideram-se três partes: crítica da competência – verificar se se pode, à testemunha original a que remonta o documento, atribuir credibilidade; crítica da sinceridade – verificar por meio de depoimentos a fidedignidade da testemunha e crítica de controle – verificação de mais de uma testemunha em confronto.
A preocupação, portanto, fixava-se no rigor analítico, visando ao julgamento da veracidade e ao estabelecimento do valor objetivo dos documentos, com base em critérios científicos, no entanto, devemos afirmar como Lucien Febvre, que a história é sempre filha de seu tempo, havendo necessidade de se retomar estudos já realizados por não se admitir mais o pensamento histórico que as perpassa. Posto isso, passamos a perscrutar o século XX, observando as inclinações relativas ao fazer histórico, tanto francesas, quanto britânicas e norte-americanas.

As tendências do século XX em relação às formas de se fazer história
Após a nova história eclodir na França nos anos novecentos, passou a vigorar uma tendência historiográfica que se volta para a recuperação da historicidade sem deixar de lado a dinâmica social que impulsiona os movimentos humanos.
As inovações que se manifestaram por meio da intelectualidade do início do século XX diz respeito a três tendências na França: 1) a substituição da tradicional narrativa de acontecimentos por uma história-problema; 2) a história de todas as atividades humanas e não apenas a história política; 3) a colaboração de outras disciplinas tais como: geografia, sociologia, psicologia, economia, lingüística, antropologia social e outras.
É na década de 20 que surge o movimento dos Annales com a apresentação de uma forma de se fazer história por meio da junção harmônica de uma organização cronológica e de uma temática, o que levaria a descrições de lutas entre grupos conflitantes em relação a idéias ou a quaisquer outras manifestações: econômicas, sociais, geográficas etc
A periodização não era uma preocupação dos historiadores, pois não se limitavam a um período histórico convencional. Escolhia-se um período para localizar um problema o que significava que se deveria escrever uma história de longa duração e, por meio da busca de solução do problema, enfocava-se o fenômeno histórico e explicava-se-o em termos de seu tempo e não em função de tempos anteriores.
Representantes iniciadores desse movimento, considerados como a primeira geração da Escola dos Annales, são Lucien Febvre e Marc Bloch, ambos da Escola Normal Superior de Paris. O primeiro introduz a geografia que traçava perfil nítido dos contornos da região, traçando assim o percurso de uma geografia histórica; o segundo revela interesse menor pela geografia e maior pela sociologia. Pertencente à segunda geração, consideremos Braudel, professor na USP, entre 1935 e 1938, que enfatiza a insignificância dos eventos e as limitações impostas à liberdade de ação dos indivíduos situados num contexto. Conforme Burke (1997: 49), “A verdadeira matéria do estudo é essa história ‘do homem em relação ao seu meio’, uma espécie de geografia histórica, ou como Braudel preferia denominar, uma ‘geo-história’”.
Historiador inquieto, Braudel debate entre os limites da liberdade individual e o determinismo e tem como meta articular o social, o político, o econômico e o cultural na maneira de ver os fenômenos e escrever a história. Aproximando-se do cultural, distanciou-se, entretanto, da história cultural, um dos movimentos da época, que trazia no bojo a história das mentalidades, distanciando-se, também, da história quantitativa.
A terceira geração, depois de 1968, apresenta três correntes, a saber: 1) a redescoberta da história das mentalidades; 2) a tentativa de empregar métodos quantitativos na história cultural; 3) a reação contrária a tais métodos que tende para um ressurgimento da narrativa, um retorno à política e uma antropologia histórica.
Dessa forma, podemos asseverar que os movimentos influentes na história levaram a inovações associadas aos mencionados franceses que utilizaram métodos comparativos e quantitativos, voltaram-se para a interdisciplinaridade e assumiram uma história de longa duração. Mostraram-se voluntaristas, deterministas históricos ou geográficos, contribuindo com diversas possibilidades de se fazer história: história problema, história comparativa, história psicológica, geo-história de longa duração, história serial e antropologia histórica.
No entanto, não podemos deixar de mencionar a diferença entre a tradição francesa com sua abrangência interdisciplinar, voltada para a conjuntura e para as mentalidades coletivas e a tradição inglesa empirista voltada para o seu individualismo metodológico.
É na tradição historiográfica norte-americana que nos apoiaremos a seguir para a continuidade do panorama atual da historiografia. Segundo Moura (1995:14), a historiografia norte-americana no século XX deve ser pensada
...como parte da história intelectual... como a história de esquemas conceituais que os autores utilizam, consciente ou inconscientemente, assumida ou implícita, para explicar a experiência passada. Neste sentido, isto é, da historiografia como parte da história intelectual, procura utilizar uma abordagem ao mesmo tempo “internalista” e “externalista”; em outras palavras, procura ver o movimento da idéias como desenvolvimento e transformação de correntes de pensamento pretéritas e, ao mesmo tempo, procura verificar de que modo os contextos (social, nacional, internacional) condicionam (ou se relacionam) aquelas idéias e sua transformação.
Convém mencionar que a historiografia americana estabeleceu a história social, a história política, a história intelectual, a história diplomática e outras, fragmentando o conhecimento histórico como seguidora de tendências vigentes de um modo geral em todo o mundo.
Em seguida, devemos citar, na historiografia norte-americana, a abertura da história ao diálogo com outras ciências humanas e sociais, num processo de mútuo enriquecimento o que também ocorreu para os seguidores da Escola dos Annales. E, paralelamente, uma abertura maior para as correntes historiográficas estrangeiras: a social britânica, voltada para o renovado interesse pelo marxismo, e a Nouvelle Histoire francesa, com uma grande preocupação com tendências de longa duração e uma relativa despreocupação com pensadores individualizados. (Burke, 1997:118).
Tendo acompanhado o percurso da história/historiografia, em diversos momentos, atendo-nos às ocorrências de mudanças nos posicionamentos, passaremos a contemplar a historiografia lingüística com vistas ao fazer historiográfico em Língua Portuguesa.
O conceito de historiografia, seus princípios e procedimentos.
A Historiografia tem sido entendida como uma disciplina que tem como principais objetivos: descrever e explicar como se produziu e desenvolveu o conhecimento de qualquer natureza em um determinado contexto social e cultural, através do tempo. (Altman, 1998:25).
Em suas pesquisas, segundo Koerner (1996:47), o historiógrafo explica, tanto quanto possível, as razões da mudança de orientação e de ênfase e a possível descontinuidade que delas se pode observar. Sua prática requer, ainda, capacidade de síntese para poder retirar dos fatos empíricos coligidos a partir de fontes primárias o que for essencial, trazendo essas descobertas empíricas para a perspectiva correta para interpretá-las e oferecer uma explicação adequada dos fatos.
Todo esse procedimento deve seguir princípios como estabelecer o clima de opinião do período e avaliar o objeto de estudo, para em seguida, por meio do conhecimento amplo sobre o campo de investigação específico e sobre a história geral, estabelecer o quadro de definição do período em que se apoiarão as análises das fontes primárias escolhidas como corpus.
Há opções metodológicas que devem ser observadas: periodização, materiais e parâmetros de análise e os três princípios traçados por Koerner (1996):
1º princípio de contextualização: - traçado do clima de opinião (espírito da época), observando-se as correntes intelectuais do período e a situação sócio-econômica, política e cultural;
2º princípio de imanência: - entendimento completo tanto histórico quanto crítico, possivelmente filológico, do texto lingüístico em questão, mantendo-se fiel ao que foi lido, para o estabelecimento de um quadro geral da teoria e da terminologia usada (quadro de definição acima referido), que devem ser definidos internamente e não em referência à doutrina lingüística moderna;
3º princípio de adequação: - seguidos os dois primeiros princípios, o historiógrafo aventura-se a introduzir, colocando de forma explícita, aproximações modernas do vocabulário técnico e um quadro conceptual de trabalho que permita a apreciação de um determinado trabalho, conceito ou teoria, incluindo-se as constatações das afinidades de significado que subjazem a ambas as definições.
Considerando os princípios acima arrolados como fios condutores do trabalho historiográfico, resta-nos afirmar que o historiógrafo deve detectar, analisar e explicar as mudanças que houve, durante o percurso a ser investigado, sem que se deixe envolver pela novidade, pela originalidade e pela criatividade, usualmente feitas pelas gerações posteriores que lhe são imediatamente subseqüentes.
Assim, a historiografia não pode ser vista como uma simples "crônica", ou seja, listas de datas, nomes, títulos e eventos ligados às línguas e à linguagem. A atividade historiográfica requer seleção, ordenação, reconstrução e interpretação dos fatos relevantes para o quadro de reflexão que o historiógrafo constrói. Não se deve, portanto, fazer a inclusão quaisquer fatos passados, só por serem passados, ou, ainda, fixar-se nos acontecimentos relevantes de um passado coalhado das grandes personalidades, mas deve-se deslocar a observação para os acontecimentos do cotidiano, dos seres humanos sem qualquer proeminência, das mentalidades, dos grandes movimentos sem sujeito – movimentos de massa, classes sociais, clima de opinião em que se insere o documento a ser analisado.
Finalizando, podemos afirmar que nosso objetivo de refletir sobre a pluralidade de maneiras de se fazer um estudo histórico/historiográfico foi atingido por meio da abordagem dos sentidos da palavra história, da verificação das tendências do século XX em relação às formas de se fazer história e da busca do conceito de historiografia, seus princípios e procedimentos.
E deixemos consignado que qualquer forma de história/historiografia, no nosso caso relacionada à Língua Portuguesa, vale a pena, pois ao descrevermos e explicarmos como se produziu e desenvolveu o conhecimento lingüístico em um determinado contexto social e cultural, através do tempo, estamos implicados com questões relacionadas à nossa identidade, políticas lingüísticas e educação do povo. Lembremos, então, as palavras de Hull (2003:5) “o povo não deve voltar as costas ao passado para não se tornar uma nação de amnésicos.”

BIBLIOGRAFIA
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BASTOS, Neusa Barbosa et alli. (2002) Língua Portuguesa através dos séculos (XVI ao XX): em busca do método historiográfico. In Anais do XVI Encontro Nacional da ANPOLL (Niterói, 2000), Porto Alegre, documento eletrônico: CD - 5 páginas.
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KOERNER, Konrad. (1996) Questões que persistem em historiografia lingüística. In Revista da ANPOLL, nº 2, p. 45.
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