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terça-feira, 27 de abril de 2010

UEPB - HISTÓRIA MODERNA (Geral, América e Brasil)

III - A IDADE MODERNA NA EUROPA

TEMA 01 O Antigo Regime, a sociedade aristocrática e a política mercantilista.

Origens: A crise do modo de produção feudal

No século XIV, na Europa Ocidental, a população vivia dentro de um sistema construído desde o século III, denominado de feudalismo. As relações de produção se baseavam no trabalho servil prestado fundamentalmente nas terras dos "senhores feudais": os nobres e os elementos da alta hierarquia da Igreja Católica.

O crescimento da população, verificado entre os séculos XI e XIV, foi extraordinário. Os nobres cresceram em número e tornaram-se mais exigentes com relação aos seus hábitos de consumo: isso determinava a necessidade de aumentar suas rendas e para consegui-lo, expandiu-se grandemente o grau de exploração da massa camponesa. Esta super-exploração produziu protestos dos servos, consubstanciados em numerosas revoltas e fugas para as cidades. A repressão a esses movimentos foi enorme, mas a nobreza e o alto clero tiveram razões para temer por sua sobrevivência.

Paralelamente, importantes alterações no quadro natural provocaram sérias conseqüências. Durante o século XIII ocorrera uma expansão das áreas agrícolas, devido ao aproveitamento das áreas de pastagens e à derrubada de florestas. O desmatamento provocou alterações climáticas e chuvas torrenciais e contínuas, enquanto o aproveitamento da área de pastagens levou a uma diminuição do adubo animal, o que se refletirá na baixa produtividade agrícola. Com as péssimas colheitas que se verificaram, ocorreu uma alta de preços dos produtos agrícolas. Os europeus passaram a conviver com a fome. Os índices de mortalidade aumentaram sensivelmente e, no século XIV, uma população debilitada pela fome teve que enfrentar uma epidemia de extrema gravidade: a “Peste Negra”, que chegou a dizimar cerca de 1/3 dos habitantes da Europa.

Dificuldades econômicas de toda ordem assolavam a Europa, que passou a conviver com um outro problema: o esgotamento das fontes de metais preciosos, necessários para a cunhagem de moedas, levando os reis a constantes desvalorizações da moeda. Isso só fazia agravar a crise. No plano social, ao lado dos problemas já levantados, importa verificar o crescimento de um novo grupo: a burguesia comercial, residente em cidades que tendiam para uma expansão cada vez maior, pois passaram a atrair os cam¬poneses e os elementos "marginais" da sociedade feudal.

Politicamente, a crise se traduz pelo fortalecimento da autoridade real, considerado necessário pela nobreza, enfraquecida após anos de guerras e crises econômicas, temerosa do alcance das revoltas campo¬nesas. A unificação política, ou surgimento dos Estados Nacionais, aparece desta forma, como uma solução política para a nobreza manter sua domina¬ção, para a burguesia ampliar a dimensão do seu comércio e para os reis, seus maiores beneficiários.

Finalmente, a crise se manifesta também no plano espiritual-religioso. Tantas desgraças afetaram profundamente as mentes dos homens europeus, tra¬duzindo-se em novas necessidades espirituais (uma nova concepção do homem e do mundo) e religiosas (a Igreja Católica não conseguia atingir tão facilmente os fiéis, necessitados de uma teologia mais dinâmica). Esta crise é o ponto de partida para se compreender a continuidade da tran¬sição do Feudalismo ao Capitalismo.



O Estado Nacional Absolutista (antigo regime)

Nos séculos XII a XV, diversas alterações geopolíticas puderam ser vistas na Europa Ocidental. Os particularismos feudais e o universalismo da Igreja foram superados pela centralização monárquica e o conseqüente fortale¬cimento do poder real. Esta centralização, ou, como é normalmente conhecida, a formação dos Estados Nacionais, acelera-se bastante a partir da crise do sé¬culo XIV, quando a nobreza, atemorizada pelas revoltas camponesas, falida pelas guerras, compreende que é necessária uma mudança na forma de seu poder, para que ela possa continuar a ser o grupo socialmente dominante. Paralelamente, a unificação po-lítica agrada também à nascente burguesia, visto que abre espaço para a unifi¬cação do sistema de pesos e medidas, da moeda, o que proporciona facilidades para a atividade comercial.

É importante salientar que surgimento dos Estados Nacionais não sig¬nificou, em absoluto, a liquidação do modo de produção feudal, uma vez que as relações sociais de produção permaneceram essencialmente feudais. O que caracterizava os novos Estados, no plano nacional interno, fundamentalmente, era a centrali¬zação do poder político, obtida graças à unificação dos sistemas legais; ¬ do surgimento de uma burocracia; da formação de um exército comandado pelo rei; do enfraquecimento da justiça senhorial, em detrimento da justiça real; da arre¬cadação de impostos, agora devidos ao rei; da unificação monetária; da elimina¬ção da autonomia das cidades. Segundo o famoso historiador BURNS, o antigo regime (que ele chama de moderno sistema de Estados), no tocante a política externa, apresentava uma configuração bem distinta do período medieval:

“Quaisquer que sejam as suas origens, pode-se considerar que o moderno sistema de Estados compreende os seguintes elementos: (1) igualdade legal e independência de todos os Estados; (2) o direito de cada Estado a seguir uma política externa própria de formar alianças e contra-alianças , e fazer guerras visando sua própria vantagem; (3) a utilização de diplomacia como sucedâneo para a guerra, com freqüência envolvendo intriga e espionagem na medida necessária para a vantagem política; (4) O equilíbrio de poder como expediente para evitar a guerra ou para garantir o apoio de aliados se a guerra se tornar necessária. A maioria desses elementos do sistema de Estados persiste até hoje. Mesmo a criação das nações unidas não acarretou mudanças substanciais, pois essa organização foi fundada com base no principio da igualdade soberana de estados independentes. Acreditam alguns observadores que não haverá nenhuma perspectiva genuína de paz mundial antes que o sistema de Estados soberanos seja reconhecido como obsoleto e substituído por uma comunidade mundial de nações, organizada segundo modelo federativo”. (BURNS, EDWARD McNALL. História da Civilização ocidental: do homem das cavernas as naves espaciais / EDWARD McNALL BURNS, ROBERT E. LERNER, STANDISH MEACHAM; São Paulo: Globo, 2003, p.451).

O processo de centralização política, em suas linhas gerais, não ocorreu ao mesmo tempo e do mesmo modo em todos os lugares. Algumas regiões da Europa se¬quer conseguiram, nessa época, completar o processo de unificação: é o caso da Alemanha e da Itália, que apenas o realizam no século XIX.

O poder monárquico, graças a uma série de fatores, torna-se absoluto. O absolutismo tem sido geralmente descrito como um regime em que todos os poderes se concentram nas mãos dos reis, que se colocam acima da sociedade e que a ninguém prestam contas de seus atos. Mas é discutível tal colocação, uma vez que não se pode compreender como um governo, qualquer que seja ele, possa estar "acima" da sociedade. Normalmente, os governantes possuem uma sólida base de apoio social, sem o que dificilmente poderiam governar. E, desta forma, assumem determinados compromissos e recebem pressões, as quais não podem se furtar. Evidentemente que com o Absolutismo também foi assim. A nobreza e o alto clero são os grupos sociais que asseguram o apoio ao rei; são também eles os grupos de pressão e, que contribuem para limitar o poder real em determinados aspectos. Isso caracteriza o Estado Absolutista como um esta¬do ainda feudal, apesar de vários historiadores já terem proposto interpretações diferentes. Há aqueles que o consideram um Estado tipicamente burguês e ou¬tros que consideram que ele poderia estar representando duas classes ao mesmo tempo: a burguesia e a nobreza, atuando, portanto, como árbitro, ou como fator de equilíbrio de classes. Segundo Francisco J. C. Falcon, estudioso da época mercantilista, “Seria inútil, além de errôneo, tentar definir este tipo de Estado a partir de caracterizações mais ou menos unilaterais como ‘feudal, capitalista ou neutro´. A rigor ele não é exatamente nenhuma dessas coisas. Trata-se do tipo de Estado que caracteriza a transição , impossível de ser, reduzido e mero epifenômeno da estrutura econômica, ou seja, do modo de produção dominante. Cremos que a discussão deve ser encaminhada de outra maneira, menos simplista. O Estado absolutista é, antes de mais nada, um Estado moderno, ou seja, um tipo de Estado que é resultante de vários séculos de transformações e de lutas, no final da idade média, levadas a cabo contra os universalismos representados pelo papado e pelo sacro-império e também contra as tendências localistas representadas pelos senhorios feudais e comunas urbanas. Afirmando-se como estado territorial, governado por um príncipe ou por um rei, através de uma complexa política de concentração do poder e centralização administrativa, o Estado define-se rapidamente como Estado monárquico absolutista, isto é, pelo fato de que todo poder está nas mãos de um rei ou príncipe, que é, de fato e de direito, o seu soberano. Simultaneamente, este estado pressupõe a existência de um aparelho burocrático e militar que não só execute as determinações do soberano, mas dê na realidade uma forma visível e concreta a própria idéia de poder que o monarca personifica. O estado é o rei, porém, este é na verdade o conjunto de instancias e agentes burocráticos que são os seus oficiais”. (FALCON, Francisco. Mercantilismo e transição. São Paulo, Brasiliense, 1996, pp. 28-29).

As estruturas econômicas

O fortalecimento dos Estados Nacionais levou-os progressivamente a adotarem uma política intervencionista na economia: o Mercantilismo. Este não era um sistema econômico coerente; antes, consti¬tuía-se de um conjunto de idéias e práticas utilizadas entre os séculos XV e XVIII, objetivando o fortalecimento do Estado Nacional. Pretendia-se a acumulação de metais preciosos (metalismo), pois se acreditava que estes eram o elemento es¬sencial de riqueza e buscava-se manter uma balança de comércio favorável. Para atingir estas duas finalidades, era importante a exploração colonial, uma vez que nas colônias é que se encontravam os metais preciosos e os produtos tropicais que poderiam ser úteis na exportação efetuada pela metrópole. Além disso, o in¬tervencionismo estatal muitas vezes assumia a forma de protecionismo e de regulamentação da atividade econômica importadora, tanto para inibi-la como para proteger a produção manufatureira nacional (isso ampliava a perspectiva de saldo positivo também nas relações comerciais internas).

As nações européias colocaram essas idéias gerais em prática em função de suas características. Assim, encontramos diversos "modelos" de mercanti¬lismo. A Inglaterra utilizou o "comercialismo", isto é, procurou-se desenvol¬ver o comércio externo, apoiado num amplo programa de ampliação da marinha mercante e no patrocínio a pirataria. A Espanha utilizou uma forma conhecida como "bulionista" ou metalista, procurando através da intervenção estatal, impedir a saída do ouro e da prata que ela recebia da América. A França ficou conhecida pela forma “industrialista" ou "colbertista", cuja ênfase foi a promoção da atividade manufatureira em oficinas geralmente financiadas pelo Estado. É também importante lembrar o “cameralismo”, colocado em prática pelos Estados alemães (a Alemanha não era uma nação unificada) e cujo objetivo último seria exatamente a criação do Estado alemão.

“Em seu sentido mais amplo o mercantilismo pode ser definido como um sistema de intervenção governamental com o fim de promover a prosperidade nacional e aumentar o poder do Estado. Embora seja muitas vezes considerado como um programa de ordem exclusivamente econômica, seus objetivos eram em grande parte políticos. A finalidade da intervenção nos assuntos econômicos não era tão somente expandir o volume do comercio e da indústria, mas também trazer mais dinheiro para o tesouros do rei, o que lhe permitiria construir esquadras, apetrechar exércitos e tornar seu governo temido e respeitado em todo mundo”. (BURNS, OP. CIT. P. 410).

As estruturas sociais

O tipo de sociedade que corresponde a época moderna é conhecido, em geral, como sociedade de ordens, quase sempre identificada com o conceito de sociedade estamental. Partindo desse pressuposto, a rigor, as sociedades européias da época do antigo regime não apresentavam possibilidades significativas para que ocorresse a mobilidade entre as ordens. Contudo, verifica-se uma contradição: ao mesmo tempo em que alguns historiadores enfatizam as estruturas sociais modernas como herdeiras da tradição imóvel da idade média (os positivistas do século XIX, notadamente) outros (a historiografia marxista, principalmente) enfatizam a existência, nesse quadro, de uma burguesia em ascensão o que, por sua vez, põe em xeque o imobilismo que define uma sociedade de ordens ou estados. A caracterização dessa estrutura social é, portanto, bastante complexa.

O essencial para o entendimento geral da sociedade européia moderna é buscarmos no conceito de transição a chave de sua compreensão. A estrutura social característica do antigo regime foi, assim como o próprio sistema, uma sociedade de transição onde subsistiram aspectos característicos de uma sociedade feudal em decadência e, também, de uma sociedade capitalista que começava a germinar. Assim, temos uma situação paradoxal onde a própria sociedade se define como sendo de ordens mas, nela, encontramos a burguesia desenvolvendo estratégias que lhe permite galgar maiores espaços políticos e sócio-hierárquicos.

Segundo a análise do Historiador Francisco Falcon, “(...) Não resta a menor duvida de que se trata de uma sociedade ordens ou de estados, pois é assim que ela se vê, através da ideologia dominante, essencialmente voltada para a defesa, justificação e conservação dos interesses e privilégios de toda sorte que desfrutam os setores econômica e politicamente dominantes. (...) No entanto se privilegiarmos as relações de produção, verificamos que as classes existem e, mais ainda, existem também as lutas de classe. Apenas por força das inúmeras mediações políticas, jurídicas e ideológicas, fato alias inerente a essa estrutura social, tais classes não são transparentes e a sua consciência não poderá ser buscada nos mesmos termos em que isso se dá nas sociedades capitalistas. (...) Outro aspecto a ser levado em conta é a existência de uma burguesia mercantil, muito variável em numero e poder econômico, de uma formação social a outra, e, em alguns casos, a presença de uma burguesia industrial incipiente, estando cada uma dessas burguesias dividida em segmentos ou setores por vezes bastante diferenciados. Tal burguesia, mercantil ou industrial, tende, no período em estudo, a opor-se ao predomínio dos interesses e a manutenção dos privilégios da aristocracia (nobreza e clero). Tal oposição, todavia, é extremamente variada, pois não envolve necessariamente a negação da própria sociedade aristocrática, podendo significar, apenas e com freqüência, a luta pela possibilidade e pelo direito de enobrecer-se também, ou a luta pela obtenção de privilégios que representem vantagens econômicas, políticas ou de simples status social. Finalmente, tampouco pode ser caracterizada em bases simplistas a relação dessa burguesia com o campesinato, como sendo a de uma aliança antifeudal, bastando lembrar, nesse sentido, que o desenvolvimento de relações capitalistas no campo tende a opor, cada vez mais, os interesses camponeses aos da burguesia”. (FALCON, Francisco. Mercantilismo e transição. São Paulo, Brasiliense, 1996, pp. 26-28).

O pensamento absolutista

No inicio da idade moderna, as mudanças culturais impulsionadas pelo renascimento permitiram a superação do pensamento escolástico e construção de um novo pensamento político voltado para a justificação do estado absolutista.

Para Tomás de Aquino, criador da filosofia escolástica a política possuía um significado ético, estando subordinada a valores ditados pela Igreja. Segundo a concepção tomista, o imperativo da moral, do bem comum e o respeito aos direitos naturais do homem compunham os fundamentos limitadores do poder político.

Na idade moderna, ao contrario, os intelectuais criaram uma ideologia política típica do período, legitimando o absolutismo. Alguns, como Maquiavel, defendiam a teoria de que a política, encarnada no soberano, deveria atender ao interesse nacional que só este soberano representava. Outros pensadores, a exemplo de Thomas Hobbes, acreditavam em um contrato entre Estado e sociedade. Principalmente Maquiavel e Hobbes, desenvolveram teorias que romperam com os padrões do pensamento político existente na Idade média e procuraram desenvolver teorias que representavam aplicações do racionalismo a política, considerando a política como uma atividade essencialmente humana.

O mais citado dos pensadores absolutista é Nicolau Maquiavel (1469-1527), membro do governo dos Médici, de Florença. Em suas obras (Mandrágora, Discursos sobre a década de Tito Lívio, O Príncipe), expressa sua revolta contra a situação da Itália no século XV, esfacelada pela sua divisão em republicas rivais. Aponta como solução para o problema, o despertar do interesse nacional de unificação sob a liderança do soberano (que ele chama de Príncipe), a fim de restaurar a unidade e grandiosidade da República italiana.

Em seu livro o príncipe, Maquiavel aconselha o soberano florentino (Lourenço de Médici) a se colocar acima das razões morais, mantendo a autonomia política. Para ele, “os fins justificam os meios” e a razão de Estado deve sobrepor-se a tudo, ou seja, o soberano tudo pode fazer quando busca o bem estar do país. Preocupado com o estabelecimento de um Estado forte, Maquiavel defende que a autoridade do Príncipe, embora as vezes brutal e calculista, é fundamental para seu sucesso e, consequentemente, o do Estado. Numa colocação de rompimento com o pensamento escolástico, chega a questionar se seria preferível a um príncipe ser amado ou ser temido, como mostra o trecho a seguir: “O príncipe, contudo, deve ser lento no crer e no agir, não se alarmar por si mesmo e proceder por forma equilibrada, com prudência e humanidade, buscando evitar que a excessiva confiança o torne incauto e a demasiada desconfiança o faça intolerável.

Nasce daí uma questão: se é melhor ser amado que temido ou o contrário. A resposta é de que seria necessário ser uma coisa e outra; mas, como é difícil reuni-las, em tendo que faltar uma das duas é muito mais seguro ser temido do que amado. Isso porque dos homens pode-se dizer, geralmente, que são ingratos, volúveis, simuladores, tementes do perigo, ambiciosos de ganho; e, enquanto lhes fizeres bem, são todos teus, oferecem-te o próprio sangue, os bens, a vida, os filhos, desde que, como se disse acima, a necessidade esteja longe de ti; quando esta se avizinha, porém, revoltam-se. E o príncipe que confiou inteiramente em suas palavras, encontrando-se destituído de outros meios de defesa, está perdido: as amizades que se adquirem por dinheiro, e não pela grandeza e nobreza de alma, são compradas mas com elas não se pode contar e, no momento oportuno, não se torna possível utilizá-las. E os homens têm menos escrúpulo em ofender a alguém que se faça amar do que a quem se faça temer, posto que a amizade é mantida por um vínculo de obrigação que, por serem os homens maus, é quebrado em cada oportunidade que a eles convenha; mas o temor é mantido pelo receio de castigo que jamais se abandona”. (Fonte: www.culturabrasil.pro.br/oprincipe.htm#prc17).

Thomas Hobbes (1588-1619), considerado por muitos o teórico que melhor definiu uma teoria absolutista, articulou um sistema lógico e coerente para apresentar a necessidade de um Estado despótico. O próprio titulo de seu grande livro, Leviatã, nos dá a idéia do que, para ele, seria esse Estado. Uma grande entidade todo poderosa que dominaria todos os cidadãos. Hobbes considera que o Estado absolutista foi fruto da vontade da própria sociedade que, partindo da necessidade de auto-conservação, através de um contrato, criou uma sociedade civil e cedeu os seus direitos a um soberano, renunciando a toda liberdade em beneficio do Estado como meio de garantir a paz. Para ele,

"O fim último, causa final e desígnio dos homens (que amam naturalmente a liberdade e o domínio sobre os outros), ao introduzir aquela restrição sobre si mesmos sob a qual os vemos viver nos Estados, é o cuidado com sua própria conservação e com uma vida mais satisfeita. Quer dizer; o desejo de sair daquela mísera condição de guerra que é a conseqüência necessária (conforme se mostrou) das paixões naturais dos homens, quando não há um poder visível capaz de os manter em respeito, forçando-os, por medo do castigo, ao cumprimento de seus pactos e ao respeito àquelas leis de natureza que foram expostas nos capítulos décimo quarto e décimo quinto. [...]

A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defendê-los das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. O que equivale a dizer: designar um homem ou uma assembléia de homens como representante de suas pessoas, considerando-se e reconhecendo-se cada um como autor de todos os atos que aquele que representa sua pessoa praticar ou levar a praticar, em tudo o que disser respeito à paz e segurança comuns; todos submetendo assim suas vontades à vontade do representante, e suas decisões a sua decisão. Isto é mais do que consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens, de um modo que é como se cada homem dissesse a cada homem:

Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã, ou antes (para falar em termos mais reverentes) daquele Deus Mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa. Pois graças a esta autoridade que lhe é dada por cada indivíduo no Estado, é lhe conferido o uso de tamanho poder e força que o terror assim inspirado o torna capaz de conformaras vontades de todos eles no sentido da paz em seu próprio país, e da ajuda mútua contra os inimigos estrangeiros. É nele que consiste a essência do Estado, a qual pode ser assim definida: Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum”. (Leviatã. Coleção Os Pensadores v. 1. São Paulo, Nova Cultural, 1988. p. 103 – 6 200-1, 211)

Jacques Bossuet (1627-1704), de 1670 a 1679, cuidou da educação do filho do rei frances Luís XIV, escrevendo Memorias para a educação do Delfin e Política segundo as sagradas escrituras. Nessas obras estabeleceu o principio do Direito divino dos reis, isto é, do poder real emanado de Deus. Segundo Bossuet, a autoridade do rei é sagrada, pois ele age como ministro de deus na terra, e rebelar-se contra ele é rebelar-se contra deus. Segundo Bossuet, "Três razões, fazem ver que este governo (o da monarquia hereditária) é o melhor. A primeira é que é o mais natural e se perpetua por si próprio... A segunda razão... é que esse governo é o que interessa mais na conservação do Estado e dos poderes que o constituem: o príncipe, que trabalha para o seu Estado, trabalha para os seus filhos, e o amor que tem pelo seu reino, confundido com o que tem pela sua família, torna-se-lhe natural. A terceira razão tira-se da dignidade das casas reais... A inveja, que se tem naturalmente daqueles que estão acima de nós, torna-se aqui em amor e respeito; os próprios grandes obedecem sem repugnância a uma família que sempre viram como superior e à qual se não conhece outra que a possa igualar... O trono real não é o trono de um homem, mas o trono do próprio Deus... Os reis... são deuses e participam de alguma maneira da independência divina. O rei vê de mais longe e de mais alto; deve acreditar-se que ele vê melhor, e deve obedecer-se-lhe sem murmurar, pois o murmúrio é uma disposição para a sedição.". (BOSSUET, Jacques-Bénigne. Política Tirada da Sagrada Escritura. In: FREITAS, Gustavo de. 900 Textos e Documentos de História. Lisboa, Plátano Editorial, v. 11, p. 201.)

Jean Bodin (1530-1596), autor de A república, defendia a idéia de soberania não-partilhada. Para ele, a soberania real não pode sofrer restrições nem submeter-se a ameaças, pois ela emana das leis de deus, sendo a primeira característica do monarca soberano ter o poder de legislar sem prévio consentimento de quem quer que seja. Assim, "O rei sábio deve governar harmonicamente o seu reino, entremeando suavemente os nobres e os plebeus, os ricos e os pobres, com tal discrição, no entanto, que os nobres tenham alguma vantagem sobre os plebeus, pois é bem razoável que o gentil-homem, tão excelente nas armas e nas leis quanto o plebeu, seja preferido nos estados (empregos) da judicatura ou da guerra; e que o rico, em igualdade das demais condições, seja preferido ao pobre nos estados que têm mais honra que lucro; e que ao pobre, caibam os ofícios que dão mais lucro que honra; assim, todos ficarão contentes... Nada havendo de maior sobre a terra, depois de Deus, que os príncipes soberanos, e sendo por Ele estabelecidos como seus representantes para governarem os outros homens, é necessário lembrar-se de sua qualidade, a fim de respeitar-lhes e reverenciar-lhes a majestade com toda a obediência, a fim de sentir e falar deles com toda a honra, pois quem despreza seu príncipe soberano despreza a Deus, de quem ele é a imagem na terra.” (BODIN,Jean. Seis Livros da República. 1n CHEVALLIER, Jean-Jacques.As Grande.s Obras Políticas de Maquiavel a nossos Dias. 3 ed., Rio de janeiro, Agir, 1976, pp. 60-1.)



TEMA 02 O pensamento moderno: Humanismo e renascimento.

A crise do século XIV produziu uma profunda inquietação intelectual, ca¬racterizada pela idéia de necessidade de renovação cultural, fenômeno que fi¬cou conhecido por Renascimento Cultural. Este nome foi cunhado pelos humanistas italianos, “Petrarca (1304-1374) já tinha dito que começava uma nova era, com os homens rompendo a treva para retornar a claridade pura e prístina da antiguidade.”. (JAGUARIBE, Hélio. Um estudo crítico da História. São Paulo, Paz e Terra, 2001, 2 v, p.432). Os humanistas eram, primitivamente, os elementos das universidades que recusavam os currículos tradicionais (voltados para a Igreja) e pregavam a necessidade de uma renovação, com a inclusão de novas disciplinas, como a História, a Matemática e as línguas orientais. Progressivamente, o termo Hu¬manista passou a designar todos aqueles elementos que se empenhavam na re¬novação cultural, a partir de uma visão essencialmente crítica da sociedade eu¬ropéia. Assim, “O impulso cultural do renascimento revigorou valores opostos aos dos homens medievais. Em todos os campos do saber emergiu uma vitalidade cultural que rompia com os tradicionais limites. Chega-se até a rever, com dificuldades imagináveis, a teologia. A filosofia passa a ser platônica e a idéia terrena faz nascer uma ciência fundamental: a política”. (BARDI, Pietro Maria. Gênios da pintura – góticos e renascentistas. São Paulo, Abril, 1980, P.15).

O Renascimento surgiu na Itália, devido, fundamentalmente, às trans¬formações econômicas e sociais que se operavam nas principais cidades italianas. O intercâmbio comercial e o monopólio italiano no Mediterrâneo são fatores que se articulam para que possamos compreender o dinamismo cultural e inte¬lectual da Itália à época do Renascimento. “As famílias burguesas mantinham exércitos pagos mercenários), comandados pelos CONDOTTIERI, e criaram um sistema de apoio direto as artes (o mecenato). Mas também pagaram ao estado para favorecer o recrutamento de urbanistas, construtores etc. essa burguesia moldou seu mundo, alargando os estreitos limites e as modestas funções das cidades medievais.(...) Finalmente, alguns setores tinham consciência de que se vivia uma nova era. Isso pode ser constatado na própria linguagem dos renascentistas. A palavra moderno, nesse sentido histórico novo e comparativo, já era freqüente no século XVI. A distinção entre coisas antigas e modernas ocorre, por exemplo, em Maquiavel, escritor político que aconselha o seu príncipe, Lourenço de Médici (1492 – 1519), em Florença, a abandonar o rude estilo medieval de fazer guerras. Segundo Maquiavel, mais fácil era transformar seus inimigos em amigos: seria mais moderno, mais político e mais eficiente. (...)”. (MOTA, Carlos Guilherme. História moderna e contemporânea. São Paulo, moderna, 1996, P.08).

Outro ponto que merece ser destacado é a tradição clássica mais vigoro¬sa na península italiana, berço do Império Romano. Por último, o mecenato desenvolvido pelas ricas famílias que, em várias cidades, detinham o monopólio do poder político. Estes mecenas deram uma extraordinária contribuição às ar¬tes, protegendo e financiando artistas.

Da Itália, o Renascimento expandiu-se para outros locais da Europa, no¬tadamente a Espanha, França, Portugal, Alemanha, Países Baixos. Em cada um destes locais apresentou características específicas, mas, numa abordagem mais generalizante, podemos apontar os seguintes elementos como definidores do Renascimento:

Humanismo: valorização do ser humano, por oposição à Idade Média, onde ele era considerado um simples "grão de areia num deserto". “Uma visão protagônica do homem como medida de todas as coisas e centro das preocupações”. .”. (JAGUARIBE, Hélio. Um estudo crítico da História. São Paulo, Paz e Terra, 2001, 2 v, p.433).

Classicismo: O Renascimento voltou-se para a Antigüidade, mas não pa¬ra tentar revivê-la. Não é uma simples "volta" ao passado; na realidade, é muito mais uma reinterpretação dos valores greco-latinos adaptados às condições e interesses da época.

Individualismo: Procurava-se abandonar o espírito corporativo que pre¬dominara até então. Os nobres e burgueses não tinham mais nenhum pudor em mandar fazer um retrato ou uma estátua de si mesmos; os artistas passaram a as¬sinar suas obras. O homem passou a ser visto como ser capaz de construir o seu próprio destino fazendo uso de suas qualidades individuais para alcançar os seus objetivos. “Até a religião passou a ser vista como um assunto subjetivo, a ser considerado particularmente por cada pessoa, e o comportamento neste mundo é orientado agora por outras regras: os princípios éticos, as leis da cidade e os interesses individuais.”. .”. (JAGUARIBE, Hélio. Um estudo crítico da História. São Paulo, Paz e Terra, 2001, 2 v, p.433).

Hedonismo: Buscava-se a plena realização espiritual, a auto-satisfação. A busca do prazer passa a ser uma constante, também em oposição ao ascetis¬mo medieval.

Naturalismo: A integração do homem à natureza, a redescoberta da ín¬tima ligação com o Universo marcam o movimento renascentista. Procura-se colocar de lado o fantástico e o sobrenatural.

Antropocentrismo: Em oposição ao teocentrismo medieval, o Renas¬cimento apresenta o homem como o centro do Universo; “o homem é a medida de todas as coisas”.

Espírito Crítico: Os pensadores e cientistas do Renascimento são pro¬fundamente críticos, valorizando a experimentação, o que abre o espaço para um grande desenvolvimento da matemática, da astronomia, da física e da medi¬cina.

Racionalismo: O crescimento científico dessa época, marcado pelo mé¬todo experimental, leva à rejeição das interpretações dogmáticas e à valorização da Razão. Só se pode aceitar como verdade em ciência aquilo que o homem pode compreender através de seu intelecto. Abandona-se, pois, superstições e lendas típicas do período medieval.

É importante frisar que essa nova maneira de entender o mundo, consubstanciada nos valores (ideais) do renascimento apresenta-se com um caráter de ruptura em relação aos ideais medievais anunciando a mentalidade nova de uma formação socioeconômica transformada:

Os valores do renascimento: diferenças com o mundo medieval.

Idade média                                        Renascimento

Teocentrismo                                      Antropocentrismo

Coletivismo                                         Individualismo

Antinaturalismo                                    Naturalismo

Misticismo                                          Racionalismo

Geocentrismo                                     Heliocentrismo

Absenteísmo                                       Hedonismo


Etapas do renascimento italiano

• Trecento (século XIV): Movimento restrito a Itália.

- Pintura: GIOTTO (temática naturalista, humanista e individualista), idéia de movimento e perspectiva.

• Quatrocento (Século XV): Início da expansão.

- Ideal universalista do conhecimento: Leonardo da Vinci (pintor, escultor, engenheiro e inventor) – GIOCONDA.

• Cinquecento (Século XVI): Expansão consolidada / maior participação da Igreja.

- Literatura: Maquiavel – substituição da ética cristã pela ética individualista (o Príncipe).

- Artes: MICHELÂNGELO BUONARONTI – Temática sacra – afrescos da capela sistina.

A Expansão do renascimento:

• Países Baixos – Erasmo de Rotterdam (elogio da loucura) – críticas as práticas da Igreja católica e a atuação de Martinho Lutero (precursor do ideal ecumênico).

• Inglaterra – William Shakespeare (Romeu e Julieta) – Preocupação com os problemas existenciais humanos.

• França – Rabelais (Gargântua e Pantagruel) – Satirização da Igreja e defesa da liberdade criadora.

• Espanha – Miguel de Cervantes (D. Quixote) – Satiriza os ideais da cavalaria.

• Portugal – Luis de Camões (Lusíadas) – Épico – glorificação da dinastia de Avis.

Finalmente, é importante lembrar que o Renascimento é, essencialmente, um movimento elitista. O povo não participou deste movimento, abrindo-se, a partir daí, uma nítida divisão entre arte erudita e arte popular.



TEMA 03 Reformas religiosas e formação da ética capitalista.

Convencionou-se denominar Reforma Religiosa o conjunto de fatos que abalaram a Igreja Católica no início da Modernidade. Na realidade, trata-se do apareci¬mento de novas religiões (a Reforma Protestante) e do movimento de reação da Igreja Católica (a Reforma Católica ou contra-reforma).

Já desde o século XIV que a crise religiosa se fazia sentir com mais in¬tensidade, gerando alguns movimentos de reforma que, no entanto, foram con¬siderados heréticos pela Igreja, sendo os responsáveis por eles eliminados do seio católico. Tal foi o caso, por exemplo, de Wycliff, na Inglaterra e Huss, na Boêmia (Tcheca).

No início do século XVI, aquilo que parecia uma heresia a mais termi¬nou por produzir uma profunda brecha na Igreja. O monge Martinho Lutero, ale¬mão, questionou a validade das indulgências que estavam sendo vendidas pela Igreja Católica, e, na seqüência do seu protesto, passou a discutir outros dog¬mas e doutrinas católicas, através do documento conhecido como as 95 teses. Foi excomungado pelo Papa Leão X, mas conseguiu o apoio de alguns príncipes alemães. Daí surgiu a primeira de uma série de no¬vas religiões: o luteranismo.

No entanto, não se deve pensar que a Reforma Protestante era fruto ex¬clusivo das iniciativas ou do pensamento de Lutero. A necessidade de uma mu¬dança nas doutrinas católicas era já sentida. A ausência dos bispos em suas dio¬ceses era muito notada. O despreparo do clero saltava à vista. Numa época em que as pessoas se sentiam inseguras frente à vida, o clero não estava conseguin¬do atingir a população com suas pregações. Nunca o povo europeu manifestou sua religiosidade como nessa época, e, provavelmente por isso mesmo, passou-¬se a questionar seriamente a necessidade de sacerdotes. A idéia de que cada um poderia ser sacerdote de si mesmo ganhava corpo.

A par desta questão religiosa, é necessário verificar que determinados elementos da economia e da política da época também contribuíam poderosa¬mente para a ruptura com a Igreja. Pode-se destacar: a questão da insatisfação dos reis com o poder temporal do papa, um verdadeiro obstáculo à centraliza¬ção do poder que então ocorria; as terras da Igreja despertavam a cobiça de no¬bres e reis; os impostos cobrados pelo Papa constituíam uma autêntica evasão de divisas; o choque entre o pensamento burguês e as concepções econômicas da Igreja.

A questão das indulgências foi o estopim. A partir daí começaram a ser criadas novas religiões. O Luteranismo, na Alemanha; o Calvinismo, na Suíça, o Anglicanismo, na Inglaterra, são alguns exemplos. Luteranos e calvinistas em breve podiam ser encontrados em quase toda a Europa. A rigor, apenas Espa¬nha, Portugal, Itália e Polônia permaneceram integralmente católicos.

Além da reforma luterana, dois outros movimentos reformistas merecem destaque: O calvinismo (Suíça) e o anglicanismo (Inglaterra). Vivendo em uma cidade de comerciantes, Calvino criou uma doutrina que alicerçava espiritualmente o capitalismo, estimulando o lucro e o trabalho, o que favorecia a burguesia. São palavras de Calvino: “Deus chama cada um para uma vocação particular cujo objetivo é a glorificação dele mesmo. O comerciante que busca o lucro, pelas qualidades que o sucesso econômico exige: o trabalho, a sobriedade, a ordem, responde também ao chamado de Deus, santificando de seu lado o mundo pelo esforço, e sua ação é santa”. Calvino pode ser considerado como o teólogo do capitalismo, pois acreditava que a miséria era a fonte de todos os pecados, apoiando em contrapartida os negócios comerciais.

Quanto a reforma anglicana, esta veio atender aos anseios de centralização do poder da monarquia inglesa sob a liderança de Henrique VIII (1509 – 1547). Em 1534, Henrique VIII rompeu oficialmente com a igreja de Roma, fazendo publicar, através do parlamento, o ato de supremacia. Através deste documento, tornava-se o chefe da igreja inglesa, mais tarde denominada de anglicana. Excomungado pelo papa, Henrique VIII confiscou os bens católicos e transferiu a maior parte deles para o patrimônio da nova igreja. Teologicamente, a nova igreja protestante definiu-se pelo caminho da conciliação, o que resultou em concepções religiosas ambíguas. De um lado, garantiu a independência religiosa em relação a Roma, mantendo o monarca como chefe religioso. Por outro, contudo, construiu uma teologia que mesclava fundamentos do calvinismo com preceitos católicos , como a hierarquia eclesiástica, buscando agradar as diversas facções cristãs do país.

A reação da Igreja Católica demorou um pouco, mas foi feita, dando ori¬gem à Reforma Católica ou Contra-Reforma. Através do Concílio de Trento (1545-1563), a Igreja procurou reclamar seus dogmas, condenando as novas religiões. Foram criados os seminários e o catecismo e instituído o Índice dos Livros Proibidos (Index). O trabalho de algumas ordens religiosas também foi significativo na Contra-Reforma, destacando-se a Companhia de Jesus, ou Ordem Jesuíta, cria¬da por Inácio de Loyola e que se voltou especialmente para a educação e ca¬tequese. Também o Tribunal da Inquisição foi utilizado pela Igreja na tentativa de recuperar áreas perdidas para as religiões reformadas, ao mesmo tempo em que procurava evitar a expansão das novas idéias.

Com a Reforma, a unidade religiosa da Europa desapareceu. Um clima de intolerância passou a se manifestar, gerando perseguições, guerras. O poder político do papa fragmentou-se e o poder dos reis fortaleceu-se. De certa forma a Reforma liberou ou contribuiu para retirar determinados obstáculos que existiam à expansão do capitalismo, na medida em que muitas das novas re¬ligiões passavam a pregar a necessidade da poupança, de uma vida mais rígida, sem gastos nem ostentações. No plano cultural, pôde-se ver uma expansão da educação popular, ao mesmo tempo em que a extrema valorização da Bíblia contribuía para um retrocesso do desenvolvimento científico. As artes foram profundamente afetadas pela Reforma.


IV - A IDADE MODERNA NAS AMÉRICAS

TEMA 01 A Expansão comercial e marítima Européia

O expansionismo marítimo-comercial europeu dos séculos XV e XVI pode ser considerado como um fato de extrema importância no processo de transição do feudalismo para o capitalismo. Além de ter possibilitado para a Europa a superação das crises que atingiram o continente durante o século XIV, determinou a consolidação da atividade comercial como esteio da acumulação capitalista praticada, agora, em escala mundial.

Enquanto movimento predominantemente comercial, o expansionismo europeu dos séculos XV e XVI pode ser considerado como uma retomada do crescimento comercial que a Europa vivera até a altura do século XIV. Foi a abertura de rotas marítimas de comércio nos meados do “século crítico” que, inicialmente, impulsionou a navegação e os avanços técnicos que ela exigiu, além de ter fortalecido Portugal no quadro geral das economias européias. As razões do expansionismo encontram-se ligadas ao próprio contexto histórico que caracterizou as principais nações européias no momento final da idade média: falta de metais preciosos para a cunhagem de moedas, diminuição da população devido à fome e a peste negra, falta de terras para cultivo na Europa e o encarecimento dos produtos orientais, as especiarias. Assim, tornava-se necessário a conquista de novos domínios territoriais e a abertura de novas rotas comerciais.

A formação dos Estados nacionais foi outro fator fundamental que impulsionou a expansão comercial européia. Um Estado centralizado foi o pré-requisito básico para a geração de recursos financeiros e humanos usados na empresa. A expansão européia foi estimulada, também, pelo apoio financeiro burguês e o avanço dos estudos náuticos, a exemplo da invenção da caravela, aperfeiçoamento da bússola, do astrolábio, do quadrante e das cartas náuticas.

A expansão marítima portuguesa

Portugal foi o país pioneiro no expansionismo comercial e marítimo. Os fatores mais significativos para explicar esse pioneirismo são:

a) A formação do Estado absolutista português, no século XII (Independência do condado portucalense), consolidado com a vitória da aliança Rei-burguesia na Revolução de Avis entre 1383 e 1385. “A monarquia portuguesa consolidou-se através de uma História que teve um de seus pontos mais significativos na revolução de 1383-1385. A partir de uma disputa na sucessão do trono português, a burguesia comercial de Lisboa se revoltou. Seguiu-se uma grande sublevação popular. (...) A revolta era semelhante a outros acontecimentos que agitaram o ocidente europeu na mesma época,mas teve um desfecho diferente - ... ela reforçou e centralizou o poder monárquico, a partir da ascensão do mestre de Avis e sua política de governo. Em torno dele, foram se organizando os setores sociais influentes de Portugal: A nobreza, os comerciantes, a burocracia castrense. Esse é um ponto fundamental nas discussões das razoes do expansionismo português: Nas condições da época era o Estado, ou mais propriamente a coroa, quem podia se transformar em um grande empreendedor, se alcançasse as condições de força e estabilidade para tanto.”. (FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo, Edusp,1995. p. 22-23).

b) O interesse de uma poderosa classe burguesa (fortalecida com sua participação no comércio de especiarias e manufaturas na Europa).

c) O progresso náutico mais intenso, devido à presença da “escola de sagres”.

d) A localização geográfica – banhado pelo Oceano Atlântico, Portugal tinha acesso direto, por meio da costa africana, ao Índico e ao mercado produtor e fornecedor das especiarias, alem de posição privilegiada para as viagens com destino ao ocidente.

Mais, segundo o renomado historiador Boris Fausto: “Por último, lembremos que no inicio do século XV, a expansão correspondia aos interesses das classes , grupos sociais e instituições que compunham a sociedade portuguesa. Para os comerciantes, era a perspectiva de um bom negócio; para o rei , era a oportunidade de criar novas fontes de receita numa época em que os rendimentos da coroa tinham decido muito, além de ser uma boa forma de ocupar os nobres e motivo de prestigio; para os nobres e os membros da igreja, servir ao rei ou servir a deus, cristianizando `povos bárbaros´, resultavam em recompensas e em cargos cada vez mais difíceis de conseguir nos estreitos quadros da metrópole; para o povo, lançar-se ao mar significava sobretudo emigrar, a tentativa de uma vida melhor, a fuga de um sistema social opressivo. Dessa convergência de interesses ficavam de fora apenas os empresários agrícolas, para quem a saída de braços do país provocava o encarecimento de mão de obra”. (FAUSTO, BORIS. HISTÓRIA CONCISA DO BRASIL. SÃO PAULO: EDUSP, 2006, P. 10-11).

As principais etapas da expansão comercial e marítima portuguesa podem ser assim resumidas:

• 1415: Conquista de Ceuta.

• 1418/1432: Conquista das ilhas atlânticas de Açores e madeira.

• 1460: conquista da ilha de Cabo verde.

• 1488: travessia do Cabo das tormentas.

• 1498: chegada a Calicute, nas índias.

• 1500: oficialização da posse sobre o Brasil.

“A primeira nau de regresso da viagem de Vasco da Gama chegou a Portugal, produzindo grande entusiasmo, em julho de 1499. Meses depois, a nove de março de 1500, partia do rio Tejo em Lisboa uma frota de treze navios, a mais aparatosa que até então havia deixado o reino, aparentemente com destino as índias, sob o comando de um fidalgo de pouco mais de trinta anos, Pedro Álvares Cabral. A frota, após passar a ilha de Cabo Verde, tomou rumo oeste, afastando-se da costa africana até avistar o que seria terra brasileira a 21 de abril. (...) desde o século XIX, vem-se discutido se a chegada dos portugueses ao Brasil foi obra do acaso, sendo produzida pelas correntes marítimas, ou se já havia conhecimento anterior do novo mundo e uma espécie de missão secreta para que Cabral tomasse o rumo do ocidente. Tudo indica que a missão de Cabral se destinava efetivamente as Índias. Isso, no entanto, não elimina a possibilidade de navegantes europeus, sobretudo portugueses, terem freqüentado a costa do Brasil antes de 1500”. (FAUSTO, BORIS, OP. CIT. P.14).

A expansão marítima espanhola

Ao contrário da expansão marítima portuguesa, a expansão espanhola foi retardada devido à luta contra os muçulmanos, que se prolongou até 1492. Somente nesse ano, consolidou-se o Estado nacional espanhol e se deu início ao expansionismo, através da viagem de Cristóvão Colombo, cuja idéia era atingir as índias navegando em direção ao ocidente, convencido que estava da esfericidade da terra.

A notícia da viagem de Colombo e sua chegada ao território batizado erroneamente de índias trouxe preocupações ao estado português quanto ao futuro controle sobre o comércio oriental de especiarias já que a presença espanhola significaria uma concorrência direta na disputa pelo abastecimento do mercado europeu. A preocupação tornou-se maior quando o Papa Alexandre VI estabeleceu o meridiano de 100 léguas a oeste a partir da ilha de Cabo Verde para delimitar as terras que pertenceriam à Espanha.

Portugal pressionou a Espanha e em 1494, na cidade espanhola de Tordesilhas, foi assinado o tratado onde o meridiano foi ampliado para 370 léguas a oeste de Cabo Verde, inserindo Portugal no contexto da exploração e colonização do continente que, depois, se chamaria América.



A expansão marítima de outras nações européias

Foi apenas na segunda década do século XVI que outros Estados europeus ingressaram na corrida expansionista. A partir do reinado de Francisco I, a França passou a contraditar veementemente o tratado de Tordesilhas, praticando a pirataria, especialmente, contra a América portuguesa.

Na Inglaterra, durante o reinado de Elizabeth I, foram realizadas viagens de reconhecimento para o litoral da América do norte, bem como expedições piratas contra navios de outros países europeus, principalmente da Espanha.

Também os holandeses participaram da expansão marítima ocupando a Guiana e as Antilhas e fundando na América do Norte a cidade de nova Amsterdã (atual Nova York, nos EUA). Foram ainda os financiadores da produção açucareira que os portugueses implantaram no Brasil, controlando o comércio do produto no mercado europeu.



Principais conseqüências da expansão marítimo-comercial européia

A expansão marítimo-comercial européia produziu um conjunto de alterações que aceleraram a transição feudal-capitalista, podendo as mesmas ser assim resumidas:

a) A Revolução comercial: deslocamento do eixo comercial europeu do Mar Mediterrâneo para o Oceano Atlântico, Mundialização da atividade comercial, integração de mercados e processo de acumulação capitalista proporcionado, sobretudo, pela exploração do mundo colonial moderno, que então se forma.

b) Fortalecimento dos Estados absolutistas europeus – mais receitas para o Rei, advindas da cobrança de impostos.

c) Fortalecimento Burguês – ampliação das rotas comerciais controladas pela burguesia mercantil.

d) Formação de novas estruturas administrativas no mundo colonial, controladas geralmente pela nobre e pequena nobreza européia.

c) Extermínio / escravização / de grupos e nações indígenas em continente americano, no quadro da montagem do antigo sistema colonial.

d) Imposição dos valores culturais europeus nas áreas conquistadas e processo de aculturação de diversos grupos indígenas.



TEMA 02 A Colonização européia nas Américas



Colonização do Continente Americano



A conquista territorial

Como se viu no capítulo sobre o Expansionismo, os espanhóis foram os primeiros a chegar ao continente americano. Logo após vieram os portugueses e um pouco mais tarde os franceses, ingleses e holandeses também marcaram sua presença. À fase da "descoberta", seguiu-se a conquista. Os povos americanos ¬foram, de um modo geral, violentamente exterminados pelos europeus. Como assinala o historiador Ronaldo Vainfas: "a conquista espanhola, em todas as regiões onde se viu coroada de êxito, conduziu a um processo de crise geral das culturas submetidas. Em certas situações, como no caso Arawak das Antilhas, levou ao completo desaparecimento físico da população conquistada. Noutros casos, como no México ou no Peru, ainda que não tenha eliminado totalmente a população indígena, provocou alterações e deformações profundas na cultura e no modo de vida dos povos conquistados (...). À guisa de ilustração, relembre-mos o caso do México central, que possuía pouco mais de 25 milhões de índios em 1519, e se viu reduzido a cerca de 1 milhão, em 1605 (...)." (VAINFAS, R. Economia e Sociedade na América Espanhola. Rio de Janeiro, Graal, 1984, p. 40.)

A grande questão que sempre se levanta é: como puderam alguns poucos homens dominar e vencer a populações tão numerosas? Há uma grande varie¬dade de respostas, mas, sem sombra de dúvida, quem melhor sintetizou esse tema foi o poeta Pablo Neruda. Disse ele: "La espada, la cruz y el hambre iban diezmando la familla salvage.": “A espada, a cruz e a fome dizimaram a família selvagem”.

Assim temos:

A espada - O enorme poder de fogo das armas européias, as quais os indígenas só podiam contrapor com arcos, flechas, lanças e tacapes. Os cavalos dei¬xaram os indígenas perplexos. Preocupados em atingir os animais, descuida¬vam-se dos soldados.

A cruz - O trabalho de catequese efetuado pela Igreja Católica. Apesar de alguns religiosos terem se destacado como ardorosos defensores dos indígenas (o caso mais famoso é o do jesuíta Bartolomé de Las Casas), de modo geral a catequese esteve intimamente associada aos mecanismos de conquista e dominação política e econômica.

A fome - Conseqüência inevitável das mudanças operadas ao nível das relações de trabalho, com deslocamentos constantes, escravização, além das doenças adquiridas no contato com os brancos, principalmente a varíola, doen¬ças venéreas, cárie, lepra, tifo, catapora, gripe.

Assim se processou a conquista espanhola. No que se refere à América do Norte, a região que os ingleses ocuparam (13 colônias no litoral Atlântico) também era habitada por várias tribos e sua sorte não foi melhor. Também ali se observou à eliminação pura e simples, a ponto de um historiador norte-america¬no, Herbert Aphteker, classificar a conquista como uma “empresa de genocídio”.



A Colonização da América Espanhola

a) economia e política

À fase da conquista, seguiu-se colonização do vasto império que os es¬panhóis adquiriram. Fundamentalmente, o que interessava era a exploração econômica, uma vez que, de acordo com os princípios do Mercantilismo, que então vigorava, as colônias eram complementos das economias Nacionais euro¬péias, tendo a função principal de fornecer metais preciosos e artigos tropicais para o comércio. Em suma, o que interessava era a acumulação de capital nos estados Nacionais euro¬peus.

De imediato os espanhóis encontraram metais preciosos em abundância, e organizaram a sua retirada e posterior envio para os portos metropolitanos. Mas, evidentemente, nem só de ouro viveram os colonos. Já num momento ini¬cial, as atividades agrícolas foram cuidadas, uma vez que era necessário abaste¬cer as áreas mineradoras. No entanto, quando a mineração se esgotava, estas áreas agrícolas passavam a ter vida própria. Quando do esgotamento das jazidas e minas, formam-se grandes unida¬des produtoras de artigos para o mercado externo, especialmente na região do Rio da Prata e do Caribe.

No que se refere à organização da mão-de-obra, verifica-se que os espa¬nhóis optaram pela utilização do trabalho compulsório, prioritariamente de indígenas, em diversos níveis, atingindo também o caso limite: a escravidão pura e simples (AS CONDIÇÕES DE TRABALHO SÃO SEMELHANTES A DO TRABALHO ESCRAVO). Em muitos casos, essa escravização (ENTENDIDA AQUI COMO UM GRAU BRUTAL DE EXPLORAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA) era "dis¬farçada" por sistemas de trabalho conhecidos como "encomienda" e "mi¬ta”.

As "encomiendas", no dizer do historiador Ciro Flamarion S. Cardoso, consistiam "em que, como prêmio do esforço de conquista, a alguns dos con¬quistadores fossem confiados (entregues 'em encomenda') comunidades indíge¬nas que ficariam sob sua responsabilidade em matéria de catequese e defesa; em troca, o encomendero poderia exigir-lhes tributos em gêneros e prestações de trabalho." (CARDOSO, C. F. S. O Trabalho na América Latina Colonial. São Paulo, Ática, 198,5, p. 40.)

A "mita" era uma forma de escravidão ligeiramente dissimulada, em¬pregada principalmente nas áreas mineratórias. As tribos eram obrigadas a for¬necer um determinado número de pessoas para trabalhar nas minas: os "mi¬taios". Em troca do trabalho extenuante, os "mi¬taios" recebiam uma remuneração que não lhes garantia as condições básicas de subsistência.

No tocante à atividade comercial, evidencia-se o papel do monopólio. O comércio das colônias com a metrópole realizava-se em épocas pré-determina¬das, ligando dois ou três portos americanos ao porto de Sevilha, na Espanha (sistema de porto único). Os comboios deveriam ser fortemente escoltados, para fugir aos ataques corsá¬rios de ingleses e holandeses.

Os colonos eram obrigados a pagar um sem-número de impostos e "contribuições" forçadas, destacando-se o imposto do Quinto, isto é, a quinta parte dos metais extraídos.

Do ponto de vista político-administrativo, tão logo terminou a fase da conquista, a Coroa espanhola preocupou-se com a efetiva posse e domínio de seu vasto império, criando complexa máquina burocrática, que, muitas vezes emperrava, devido às enormes distâncias e à cobiça dos funcionários, que quase nunca cumpriam fielmente as ordens recebidas. Em meados do século XVI foram criados os vice-reinados e as capita¬nias gerais.

“...À medida que se expandiram os domínios espanhóis e as riquezas americanas foram sendo reveladas, a coroa foi criando órgãos estatais e anulando as concessões feitas a particulares. Desse modo, na segunda metade do século XVI, só funcionavam órgãos estatais na Espanha e na América. (...) Na América, os órgãos mais importantes da estrutura político administrativa foram:

• Os vice-Reinos: que se situavam nos territórios de grande valor econômico; existiam quatro; o do México ou nova Espanha (México e regiões da América central e atual EUA); o do Peru ou Nova Castela (Peru, partes da Bolívia e Equador); o de nova Granada (Colômbia, Panamá e partes do Equador) e o do rio da Prata (Argentina, Uruguai, Paraguai e partes da atual Bolívia). Seus dirigentes supremos, os Vice-Reis, possuíam poderes amplos, mas estavam sujeitos as fiscalizações das audiências).

• As audiências: integradas pelos ouvidores, exerciam funções judiciárias e administrativas.

• As capitanias gerais: situadas em territórios não-pacificados ou estrategicamente importantes. As principais foram: cuba, Gatemala, Venezuela, chile e Flórida.

• Os Cabildos ou Ayuntamientos: As câmaras municipais. Integradas pelos regedores e praticantes do sistema cooptativo (os que terminavam os seus mandatos elegiam os seus sucessores), possuíam atribuições legislativas e judiciárias, cuidando também de todos os assuntos relevantes a administração local.”.

(AQUINO, Rubim Santos Leão de. História das sociedades americanas / Rubim Santos Leão de Aquino, Nivaldo Jesus Freitas de Lemos, Oscar Guilherme Pahl Campos Lopes. Rio de Janeiro: ao Livro Técnico, 1990, p. 80).

Além dos vice-reis e dos capitães-generais, havia ainda as audiências, fornadas pelo Vice-Rei (quando sua sede era a mesma sede do Vice-Reinado) e vários ouvidores, isto é, juizes. Suas funções eram essencialmente fiscalizadoras. Era importante vigiar todos os funcionários e para isso, procedia-se, perio¬dicamente, à visitação das várias regiões sob sua jurisdição, a fim de inspecio¬nar tudo e todos. As cidades eram administradas pelos “cabildos”, ou câmaras municipais, formados pelos elementos da classe dominante. Seu presidente era o alcaide e seus membros eram chamados de regidores.

Estes eram os órgãos sediados na colônia. Acima deles ficavam os ór¬gãos metropolitanos, encarregados das decisões finais: a "Casa de Contrata¬ción" e o "Real y Supremo Consejo de Indias". A Casa de Contratação foi criada em 1503, para ter todo o controle da exploração colonial. Tinha sua sede em Sevilha, um dos portos privilegiados pela Coroa para receber, com exclusividade, os navios que chegassem da Amé¬rica. Outro porto também beneficiado com esse privilégio, em 1680, foi o de Cádiz para onde se transferiu a Casa de Contratação.

Criado em 1511, o Real Supremo Conselho das Índias tinha sede em Se¬vilha e sua função consistia em administrar as colônias, cabendo-lhe a nomea¬ção dos funcionários coloniais, a tutela sobre os índios, entre outras.



b) Sociedade, Cultura e Religião

As condições econômicas das colônias, examinadas acima, possibilitaram o surgimento de uma sociedade de caráter fechado e aristocrati¬zante, onde os critérios raciais eram importantes elementos diferenciadores.

Como se sabe, os escravos constituíam a camada mais desfavorecida da sociedade, mas eram o sustentáculo da empresa colonizadora. Acima deles estava uma enorme massa de índios e mestiços, desprovidos de maiores direitos. Os brancos nascidos na América eram chamados de "criollos" e podiam ascender economicamente, uma vez que eram grandes pro-prietários de terras e de minas, profissionais liberais, intelectuais. Mas, pelo fato de terem nascido na América, eram proibidos de ocupar cargos na admi¬nistração (com exceção dos cabildos). Acima, os "chapetones": espanhóis que vinham para as colônias, nor¬malmente como altos funcionários ou comerciantes privilegiados. Apesar de numericamente inferiores, constituíam a classe dominante, enfrentando diversas vezes as revoltas e rebeliões dos grupos dominados. Com efeito, o inconfor¬mismo sempre foi uma marca registrada dos escravos, índios e mestiços. Uma dessas revoltas, possivelmente a mais famosa, foi a de Tupac Amaru, no Peru, em 1780, dirigida contra a brutal exploração do trabalho indígena e contra os impostos abusivos. Após muitas batalhas, Tupac Amaru foi preso e esquarteja¬do.

A Igreja Católica esteve presente desde o primeiro momento da con¬quista e não se pode ignorar que ela desempenhou papel relevante, principal¬mente no que se refere à dominação ideológica. Ao converter os índios à fé católica, europeizando-os, a Igreja colaborava com as formas de dominação. Não se pode, no entanto, esquecer que algumas ordens religiosas, principal¬mente os jesuítas, franciscanos e dominicanos tiveram papel de realce na defesa dos indígenas. Um nome se impõe: o do jesuíta Bartolomé de Las Casas, um dos mais ferrenhos adversários dos colonos quando estes se entregavam à escravi¬dão e destruição dos índios.

A Inquisição esteve presente na América espanhola, apesar de serem poucos os estudos sobre sua atuação. Somente agora tem surgido certo inte¬resse dos historiadores pelo manuseio dos processos inquisitoriais.

No plano cultural, observa-se o surgimento de uma elite intelectual a partir da instalação de universidades. Na realidade, eram pouco mais que colé¬gios mal-aparelhados, onde o ensino era todo controlado pela Igreja. Mas, mesmo assim, houve certa abertura científica. A grande diversidade das regiões do império espanhol contribuiu para que o desenvolvimento cultural não fosse uniforme, havendo regiões que pouco ou nada experimentaram e outras extremamente privilegiadas, como é o caso do México e do Peru.

O estilo artístico predominante foi o barroco, transplantado da Europa, mas mesclado com contribuições indígenas. Conforme o historiador Donald Marquand Dozer, "os hispano-americanos criaram uma notável cultura colo¬nial, superior à das colônias inglesas da América do Norte, sem temer mesmo o confronto com a cultura européia. As capitais dos Vice-Reinos exibiam refina-mentos comparáveis aos das cortes do Velho Mundo."

(DOZER, D. M. Améri¬ca Latina: uma perspectiva histórica. Porto Alegre, Globo, 1966, p. 150.)



A Colonização da América Inglesa

a) economia e política

No litoral Atlântico da América do Norte os ingleses fundaram treze co¬lônias, a partir do início do século XVII. Tais regiões foram povoadas funda¬mentalmente por elementos que fugiam de perseguições religiosas e políticas na Inglaterra.

Normalmente os autores entendem que essas colônias não podem ser classificadas como as colônias espanholas e portuguesas, uma vez que suas es¬pecificidades são determinantes das chamadas "colônias de povoamento", en¬quanto as outras, integrantes do conjunto conhecido como Antigo Sistema Co¬lonial, seriam "colônias de exploração". Através do exame da situação das tre¬ze colônias, essa questão poderá ficar mais clara.

As treze colônias podem ser agrupadas em três conjuntos. No Norte fi¬cavam as colônias conhecidas como Nova Inglaterra. Povoadas pelos refugia¬dos religiosos e políticos, apresentaram uma situação peculiar, uma vez que, devido às condições geoclimáticas serem extremamente semelhantes às da In¬glaterra, não teriam elas produtos que pudessem interessar à metrópole. Ali se desenvolveu, portanto, uma agricultura de subsistência, com propriedades fundiárias que utilizavam mão-de-obra assalariada ou então se empregavam os "servos por contrato”, isto é, pessoas que não tinham dinheiro para a viagem, a qual era paga por um fazendeiro, ficando a pessoa obrigada a trabalhar certo número de anos para ele.

Politicamente, essas colônias mostravam um grau bastante razoável de autonomia. Cada colônia tinha vida própria, escolhendo seus governantes. O Pacto Colonial existia, mas não era considerado. Tanto que surgiram pequenas manufaturas e o comércio se expandiu, gerando os chamados triân¬gulos comerciais.

As colônias centrais foram as últimas a serem criadas, pois o território era originalmente propriedade da Coroa, que o utilizava tipicamente para sepa¬rar as duas regiões, Norte e Sul. Constituíam uma região de "transição", pois tanto se assemelhavam a algumas do Norte como a outras do Sul.

As colônias do Sul caracterizaram-se pela utilização do sistema de "plantation”, isto é, propriedades latifundiárias, com utilização de mão-de-obra escrava e produção monocultora voltada para o mercado externo.

Os grandes fazendeiros dominavam a vida política dessas regiões, de¬terminando a marginalização completa de índios e negros.



b) sociedade, cultura e religião

Quando se examina o relacionamento dos colonos ingleses com as po¬pulações nativas, observa-se o mesmo que ocorreu em outras áreas americanas: a destruição sistemática dás tribos. O historiador norte-americano Herbert Aphteker chega mesmo a levantar a hipótese de que teria ocorrido um autêntico genocídio, isto é, o extermínio deliberado das populações indígenas. É claro que essa é uma hipótese generalizante. É necessário ressaltar que houve exce¬ções a esse tipo de comportamento, mas foram realmente exceções.

A organização social das colônias apresentava uma certa distinção, devido às diferentes organizações econômicas encontradas. Assim, no Norte e em algumas colônias do Centro, observamos a exis¬tência de uma população essencialmente livre, enquanto no Sul ocorre a exis¬tência da escravidão africana. De um modo geral, as Treze Colônias receberam um número alto e extremamente diversificado de habitantes vindos da Europa (holandeses, irlandeses, alemães) que não tiveram maiores problemas de adap¬tação social, visto que as origens eram desprezadas como fator de qualificação. Importava o "fazer dinheiro" na América. Isto era o suficiente para garantir uma boa posição social ao indivíduo.

Muitos vieram como "servos por contrato". Como já foi referido, eram pessoas que não dispunham de recursos para pagar sua passagem para a Améri¬ca. Esta era paga por um fazendeiro que iria utilizar o trabalho dessa pessoa por um determinado período de tempo: em torno de 5 a 7 anos. Ao final desse pe¬ríodo, ele recebia ferramentas, roupas, às vezes até mesmo um pedaço de terra e era um homem livre.

A classe dominante era constituída, no Sul, pelos latifundiários e pro¬prietários de escravos. No Centro e no Norte, os comerciantes e grandes pro¬prietários rurais constituíam essa classe. A maior parte da população colonial era formada pelos pequenos fazendei¬ros e os lavradores independentes. A população era essencialmente rural, pois as cidades eram poucas e relativamente pouco habitadas.

A religião desempenhou um papel significativo na história dos Estados Unidos, a começar pelo fato de que muitos de seus habitantes iniciais eram per¬seguidos na Inglaterra por suas crenças. Assim, a liberdade religiosa passou a ser uma atitude constante nas colônias. Ninguém era perseguido por suas cren¬ças, nem obrigado a adotar aquelas dos governantes.

A cultura européia e, particularmente a inglesa, impôs-se, uma vez que os índios e negros foram constantemente marginalizados. Dentro desse tema, parece-nos oportuno analisar em maior profundidade a questão do negro e do cotidiano das populações livres.



TEMA 03 A Colonização da América portuguesa



O período pré-colonial (1500/1530)

Os primeiros trinta anos do domínio português sobre o Brasil são chamados de período pré-colonial porque, nesta, época, o governo de Portugal não esboçou e não pôs em prática uma política de colonização efetiva do seu território situado na América. O período foi caracterizado pela exploração periódica e pela realização de operações de defesa na costa brasileira visando coibir principalmente a pirataria francesa.

Durante esses primeiros trinta anos, a extração de pau-brasil foi profundamente predatória e realizada sob um sistema que envolveu a decretação do estanco (monopólio real) sobre a atividade exploratória, a concessão do direito de exploração a empresários particulares, a utilização do escambo como forma de exploração da mão de obra indígena e a construção de feitorias para o armazenamento e posterior transporte da madeira.

O principal problema enfrentado pelos portugueses nesta época foi à presença francesa em nosso litoral, fato facilmente explicável, pois o interesse francês prendia-se a exploração do Pau-brasil, importante por suas qualidades tintoriais e conseqüente aceitação no mercado europeu.

Em 1530, preocupado com a possibilidade perder a terra para os franceses e vendo declinar o comércio oriental de especiarias, Portugal decidiu iniciar efetivamente o processo colonizador.



O período Colonial (1530/1822) – Administração.

Considerações de natureza política, principalmente, convenceram o Estado português a iniciar a colonização efetiva de suas terras na América. A expedição de Martin Afonso de Sousa (1530/33) representou um momento de transição entre o velho e o novo período. Tinha por objetivo patrulhar a costa, estabelecer uma colônia através de uma concessão não-hereditária de terras aos povoadores que trazia (São Vicente, 1532) e explorar a terra tendo em vista a necessidade de sua efetiva ocupação.



As Capitanias Hereditárias

A organização administrativa, de início, foi montada de forma descentralizada. O território foi dividido em 15 faixas de terra entregues aos cuidados de 12 capitães-donatários interessados em administrá-las e desenvolve-las com recursos próprios. Essa forma de organização administrativa define o sistema de capitanias hereditárias, o primeiro estruturado pelos portugueses no Brasil.


CAPITANIAS HEREDITÁRIAS.

Dois documentos regiam juridicamente o sistema: as cartas de doação e os forais. Enquanto as cartas de doação concediam a posse sobre os lotes de terras aos donatários, os forais estabeleciam os direitos e os deveres dos mesmos, as normas jurídicas da administração.

“Os donatários receberam uma doação da coroa pela qual se tornaram possuidores mas não proprietários de terra... Não podiam vender ou dividir a capitania, cabendo ao rei o direito de modificá-la ou mesmo extingui-la. A posse dava aos donatários extensos poderes tanto na esfera econômica e na área da arrecadação de tributos como na esfera administrativa. A instalação de engenhos de açúcar, de moinhos de água, assim como o uso dos depósitos de sal, dependiam do pagamento de direitos; parte dos tributos devidos à coroa pela exploração do pau-brasil, de metais preciosos e dos derivados da pesca, cabia também aos capitães-donatários. Do pinto de vista administrativo, tinham o monopólio da justiça e autorização para fundar vilas, doar sesmarias, alistar colonos para fins militares e formar milícias sob o seu comando. A atribuição de doar sesmarias deu origem a formação de vastos latifúndios”. (FAUSTO, BORIS, OP. CIT. P.19).

A experiência não surtiu os efeitos esperados. Apenas as capitanias de Pernambuco e São Vicente apresentaram resultados positivos imediatos ao passo em que as demais fracassaram em seus objetivos iniciais. A historiografia aponta diversas razões que explicam este fracasso: Dispersão territorial, falta de recursos, ausência de fiscalização por parte da coroa, resistência indígena e a irresponsabilidade administrativa de alguns donatários.

Além dos fracassos, amplamente destacados pela historiografia, a experiência das capitanias hereditárias nos deixou alguns legados que ainda se fazem bem presentes na sociedade brasileira atual. A concessão de grandes sesmarias pelos donatários aos colonos povoadores – pratica depois ainda mais incrementada pelo governo-geral – deu inicio a tradição latifundiária brasileira, de concentração da propriedade agrária, de muita terra para poucos donos. A atribuição de direitos e privilégios a donatários e sesmeiros deu inicio também a tradição do mandonismo local. Na estrutura de poder da colônia, e o governo-geral não mudará isto, a força e a autoridade privada dos grandes proprietários muitas vezes substituiu o poder publico do Estado, sobretudo na imensidão e dispersão do mundo rural. Esse entrelaçamento entre as esferas publica e privada era, já antes, uma das características do sistema de poder em Portugal. Na colônia, ele manifestou-se inicialmente na concepção com a qual foram criadas as capitanias hereditárias. Estas constituíam grandes unidades administrativas do império lusitano. Eram doadas em caráter hereditário a seus governadores, os capitães-donatários. Nesse mecanismo começava a confusão entre o que era do Estado (esfera pública) e o que era do individuo capitão donatário (esfera privada).



O Governo-Geral

O projeto descentralizado inicialmente implantado pelos portugueses foi modificado a partir da criação do Governo-Geral em 1548 e sua implantação em 1549.

“A experiência das donatarias malograra, se medido o êxito pelos padrões dos orientadores administrativos da empresa. As donatarias fracassaram como plano político, orientado a defesa do inimigo externo, guloso das riquezas do Brasil, e ao controle do gentio, em revolta perpétua. Sem estas duas garantias, o risco atingia o negócio do rei – o pau-brasil e os incipientes e já promissores engenhos de açúcar. Imaginou a corte um sistema de delegação de autoridade, a custa dos agentes locais, conferindo-lhes vantagens reais em troca de encargos, com a vista aplicada aos monopólios, rendas e tributos. O malogro, sob este ângulo, era uma realidade. Mas só houve malogro administrativo porque, sob o aspecto econômico e financeiro, a conquista prometia muito. Os dois núcleos que prosperaram – Pernambuco e São Vicente – inspiraram a reforma do sistema. O governo-geral não nasce da ruína da colônia, mas da esperança de seus lucros. Martin Afonso, donatário de São Vicente, pouco se interessou pelo seu domínio, empolgado pelas glorias da Ásia. Piratininga e Santos, fundado o último núcleo pelo seu procurador Brás Cubas, se expandiram, com o auxilio e estimulo de financiadores estrangeiros, Venistes, Erasmos e Adornos, com o incremento de engenhos, lotados de colonos portugueses e de escravos, não ainda os escravos africanos. Pernambuco conseguiu fixar outro pólo de desenvolvimento com o cultivo de algodão, cana e mantimentos. Os colonos, dispersos e sem fortuna em outras partes da costa, se abrigam na capitania de Duarte coelho, que, animado com o progresso, contratou com mercadores ricos da Europa a construção de engenhos de açúcar. (...) Num mundo em que, ao lado do pau-brasil, desponta o açúcar, quase o imediato sucedâneo do ouro e da prata, com o comercio de escravo, outro monopólio real, assanhou-se o estamento que cercava o monarca. Havia muito a perder, com postos que o rei não proveria, se continuasse o plano das donatarias.”. (FAORO, RAIMUNDO. OS DONOS DO PODER. SÃO PAULO: GLOBO, 2001. P. 163-164).

Encarregado de apoiar o desenvolvimento das capitanias e realizar a fiscalização no tocante a administração das mesmas, o governador geral obedecia ao regimento do governador que estabelecia as diretrizes quanto as suas funções. Precisamente, a implantação deste sistema atendia as necessidades de centralização da administração sobre as terras portuguesas e para viabilizá-la foram utilizados, pela primeira vez na História das relações entre Brasil e Portugal, capitais oriundos do Estado português. O governador-geral era auxiliado pelo Provedor-Mor (finanças), o Ouvidor-Mor (justiça) e o Capitão-Mor (defesa da costa).
Contudo, nem tudo que abrangeu a implantação do novo sistema administrativo em 1549 pode ser considerado como de êxito incontestável. Se a implantação do governo-geral era uma medida coerente com o próprio processo de centralização que, poucos anos antes vivera o Estado português, o mesmo não se pode dizer dos interesses concretizados pelos agentes centralizadores que aqui representavam o acima citado Estado como, aliás, já se podia observar no sistema de capitanias: “Para cobrar e controlar, vigiar e punir seus súditos, submetendo-os ao cumprimento de uma série de obrigações civis, os Estados modernos emergentes se viram na contingência de criar vastos aparelhos burocráticos – um conjunto de órgãos e servidores responsáveis pela manutenção e funcionamento do sistema judiciário, do fisco e das forças armadas -, ou seja, o corpo administrativo como um todo. Um paradoxo instalou-se então no seio desses Estados progressivamente centralizados e autônomos – o rei e seus colaboradores mais próximos (no caso de Portugal os homens que constituíam o conselho régio) tornaram-se virtualmente, reféns de uma burocracia estatal tentacular que florescia a sombra do crescente poderio do Estado. Com o tempo, desembargadores, juizes, ouvidores, escrivães, meirinhos, cobradores de impostos, vedores, almoxarifes, administradores e burocratas em geral – os chamados ´letrados´ - encontraram-se em posição sólida o bastante para instituir uma espécie de poder paralelo, um ´quase Estado´ que, de certo modo, conseguia arrebatar das mãos do rei as funções administrativas. Esse funcionalismo tratou de articular também formulas legais e informais de perpetuação da sua posição, na medida em que os cargos eram passados de pai para filho, ou então para parentes e amigos próximos. Embora recebessem altos salários, muitos burocratas engodavam seus rendimentos com propinas e desvios de verbas públicas. Inúmeras evidencias permitem afirmar que, na península ibérica, a maquina administrativa não era apenas ineficiente, mas corrupta. Outra de suas características mais notórias é que o numero de funcionários destacados para o cumprimento de qualquer função revelava-se, na maioria dos casos, bem superior ao necessário para a realização do trabalho”. (BUENO, EDUARDO. A COROA, A CRUZ E A ESPADA. RIO DE JANEIRO: OBJETIVA, 2006, P.34).

A Administração municipal

Formar núcleos que possibilitassem uma incipiente vida urbana na colônia foi, desde a expedição de Martim Afonso de Sousa, uma preocupação do Governo português – por razões econômicas, políticas e estratégicas. As povoações forneciam rendas, auxiliavam na defesa e impulsionavam o povoamento.

As vilas brasileiras, inicialmente, foram apêndices do mundo rural: dependiam diretamente das atividades agrárias e dos interesses da camada senhorial formada pelos grandes proprietários de terra. Para a administração das vilas e cidades foi estruturado o mesmo modelo vigente na metrópole, caracterizado pelas câmaras municipais. Formadas por conselhos de representantes dos grandes proprietários de terras e escravos, elite mercantil e elite religiosa local – os homens-bons – as câmaras cumpriam diversas funções administrativas locais: criavam e cobravam impostos locais, arrecadavam impostos reais, definiam a composição dos cargos da administração local e aplicavam a legislação vigente. Com tanto poder local, as câmaras municipais logo se tornaram o grande instrumento de aglutinação dos interesses das elites coloniais e centro de poder local e regional.



Economia Colonial

A organização econômica colonial se enquadra dentro das características e objetivos do sistema colonial mercantilista. Neste sentido, foi montada uma estrutura produtiva que se reproduzia a partir dos anseios metropolitanos: Uma economia marcada pela complementaridade em relação à metrópole e direcionada para atender as necessidades de consumo do mercado europeu.



No período colonial algumas atividades econômicas chamam a atenção: o açúcar, a mineração de ouro e diamantes e as atividades complementares ou de apoio.



A Economia Açucareira

Os fatores tradicionalmente apontados como impulsionadores do êxito dessa empresa foram: a existência de demanda no mercado europeu, a experiência dos portugueses, as condições ecológicas favoráveis e a participação do capital holandês nas operações de financiamento, transporte, refino e comercialização do açúcar na Europa.

A produção se estruturou no famoso tripé da plantation: latifúndio, monocultura e escravidão. A historiografia mais atual tem defendido que o sistema produtivo em que se estruturou a agromanufatura do açúcar apresentava outras características peculiares: necessidade de altos investimentos, importação de tecnologia e, no tocante a organização da produção, a adoção da divisão do trabalho com a especialização de grupos de trabalhadores em determinadas funções, destituídos de liberdade, propriedade e saber técnico abrangente. “Essa ´machina e fabrica incrivel´ nas palavras de padre Vieira impressionava a todos aqueles que o conheciam e era capaz de concentrar sob um ritmo de trabalho rigoroso uma grande quantidade de trabalhadores. Inúmeros autores já descreveram as etapas do processo de trabalho no engenho de açúcar, e mais recentemente, Antônio de Barros Castro em Escravos e senhores de engenho no Brasil (tese de doutorado,mimeo.) procurou enumerar a suas principais características :

´- a jornada de trabalho é tão extensa quanto fisicamente possível;

- a elaboração do açúcar é um processo complexo, mas a divisão do trabalho já existe a ponto da tarefa de cada um ser simples e repetitiva. Contrastando com o trabalho artesanal, o serviço do escravo não tem lacunas – momentos de folga em que o trabalho é interrompido para mudanças de local ou de ferramentas;

- a matéria-prima percorre diferentes estágios e os escravos em equipes;

- revezadamente ocupam os seus postos de trabalho. Os escravos num certo sentido não produzem, sendo o açúcar produto do engenho, uma colossal estrutura técnica que incessantemente traga cana, lenha... e escravos´. (Antônio de Barros Castro, escravos e senhores de engenho no Brasil, p.7).”. (DE DECCA, EDGAR SALVADORI. O NASCIMENTO DAS FÁBRICAS. SÃO PAULO, BRASILIENSE, P. 49-50).

Toda a atividade produtiva estava direcionada para atender as necessidades de consumo do mercado externo.

Duas questões ainda são ressaltadas a mais:

1 – Se no desenvolvimento geral do ciclo açucareiro a base foi a exploração do trabalho escravo de negros africanos, no momento inicial do ciclo, porém, predominou a escravidão indígena. As razões apontadas para o posterior predomínio de escravos africanos são diversas: a tradicional aversão dos homens indígenas ao trabalho agrícola, a crescente mortandade que se verificou entre os índios no século XVI, a oposição da Igreja católica ao escravismo indígena e a lucratividade do tráfico internacional de escravos.

2 - Se o mercado interno brasileiro só foi consolidado a época da mineração, foi no período açucareiro que este começou a se formar, já que se constatou historicamente, em torno da agromanufatura açucareira, a existência de um complexo já bastante diverso de atividades econômicas articuladas.

As razões da decadência do açúcar no século XVII prendem-se à união ibérica (1580/1640) que levou Portugal a ser dominado pela Espanha. Os espanhóis em guerra com a Holanda, embargaram a participação desta última no comércio internacional de açúcar, motivando a invasão do Nordeste brasileiro pelos flamengos. Após a sua expulsão, os holandeses deram inicio a sua produção de açúcar nas Antilhas, estabelecendo uma concorrência internacional bastante danosa à produção brasileira.

A Mineração

Entre 1693 e 1770, nos territórios pertencentes aos atuais estados de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, teve lugar o ciclo econômico caracterizado pela extração de ouro e diamantes. De imediato esta região, até então inexplorada, recebeu um extraordinário afluxo de pessoas, vindas da metrópole e de outras áreas do território colonial, sendo rapidamente povoada e ocasionado o famoso conflito entre bandeirantes paulistas (desbravadores dos caminhos do ouro) e estrangeiros, convencionalmente lembrado como guerra dos emboabas.


A regulamentação da atividade mineradora foi extremamente minuciosa e converteu-se no principal instrumento para a concretização dos anseios de lucro da coroa portuguesa.

Em 1702 foi aprovado o “regimento dos superintendentes, guarda-mores e oficiais-deputados para as minas do ouro”.

Os mineradores estavam obrigados ao pagamento do quinto (quinta parte do ouro extraído) adotando-se diversos mecanismos para evitar o contrabando e o roubo de metais. Em 1710 a intendência das Minas passou a coordenar a atividade mineradora seja realizando a delimitação e distribuição das áreas a serem exploradas, seja fiscalizado a arrecadação dos impostos devidos a coroa. A partir de 1719, criaram-se as casas de fundição, onde se deveria levar todo o ouro extraído para ser pesado, fundido, quintado e transformado em barras.

O sistema de tributação sobre o ouro caracterizou-se pela prática de uma política fiscal extorsiva onde a grande preocupação sempre foi a apropriação da maior quantidade possível de riquezas. Nesse sentido a cobrança do quinto foi realizada de diversas maneiras: Capitação (por número de escravos), sistema de cotas (cota de 30 arrobas anuais posteriormente ampliada para 100 arrobas) e, no caso do não pagamento dos impostos, aplicação da derrama. Também eram tributadas as outras atividades econômicas que possuíam algum tipo de articulação ou existentes na região das Minas Gerais. Em oportunidades diversas a cobrança do quinto e a pesada tributação portuguesa, estiveram na base de diversos conflitos que ocorreram na região mineradora: Revolta de Vila Rica (1720) e Inconfidência mineira (1789) foram os mais significativos.

Algumas considerações a mais devem ser feitas quando se avalia a atividade de extração de diamantes na região das minas gerais. Os diamantes foram encontrados na região de Serro Frio, Minas Gerais, no início do século XVIII, tendo a notícia chegado a coroa em 1729. Buscando evitar o contrabando a coroa demarcou como área a ser explorada o distrito diamantino, isolando-o do restante da capitania e submetendo-a a severas condições de fiscalização. Até 1740 a extração das pedras aconteceu de maneira semelhante a que se desenvolveu no caso da mineração aurífera com a concessão de datas e cobrança do quinto. A partir de 1740, porém, o antigo sistema foi substituído pelos contratos de monopólio, ou seja, com a exclusividade de exploração para um único contratador que pagava uma taxa anual ao tesouro português. Esse sistema vigorou até 1771, quando a coroa criou a real extração e passou a controlar diretamente a mineração de diamantes. A repressão, mais severa, foi o instrumento assegurador dos lucros metropolitanos.


Quanto às condições técnicas, a mineração de ouro e diamantes foi caracterizada pelo seu baixo índice, residindo ai, inclusive, uma das razões principais que concorreram para o rápido esgotamento do ciclo. A base da grande atividade mineradora foi a exploração da mão de obra escrava de negros africanos realizada nas grandes datas (lotes de mineração). A mineração colonial foi uma atividade itinerante: primeiro realizava-se a lavra, grande extração, deixando-se o arremate final extrativista para a faiscação, mineração de pequeno porte.

Para o cotidiano de trabalho dos escravos, a mineração foi um retrocesso, pois apesar de alguns terem conseguido a liberdade, a grande maioria passou a viver em condições bem piores do que no período anterior, escavando em verdadeiros buracos onde até a respiração era dificultada. Trabalhavam também na água ou atolados no barro no interior das minas. Essas condições desumanas resultam na organização de novos quilombos, como o do rio das Mortes, em Minas Gerais, e o de Carlota, no Mato Grosso.



PROCESSO DE EXTRAÇÃO AURIFERA

Vários são os desdobramentos atribuídos ao desenvolvimento da extração de metais preciosos nas Minas Gerais: Deslocamento do eixo econômico colonial do Nordeste para o centro-sul, transferência da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro em 1763, surgimento de vilas e cidades em torno da atividade mineratória e a consolidação do processo de desenvolvimento de um mercado interno colonial a partir das necessidades de importação e exportação que se apresentaram em Minas Gerais.

Texto complementar : A Atividade dos Tropeiros no Brasil. (Autor – Prof. Cláudio Recco Barbosa, Site: http://www.historianet.com.br/home/).

Na maioria das obras didáticas, tropeirismo é associado com a procriação e venda de gado, porém essa atividade se iniciou com o desenvolvimento da mineração, entre os séculos XVII e XVIII, durante o periodo colonial de nossa história.

A descoberta do ouro e posteriormente de diamantes, foram responsáveis por um grande afluxo populacional para a região das minas gerais, tanto de paulistas, como de portugueses e ainda de escravos. Essa grande corrida em busca do eldorado foi acompanhada por graves problemas de desabastecimento, responsável por sucessivas crises na primeira década do século XVIII, inclusive com aumento da mortalidade.

As crises de fome afligiram a zona mineradora por longos períodos. Tais crises foram muito fortes nos anos de 1697-1698, 1700-1701 e em 1713.

De fato, aqueles que migraram para a região mineradora sonhavam com a riqueza mineral e poucos se dispunham a trabalhar a terra, sendo que tal situação fez com que florescesse um comércio interligando o porto do Rio de Janeiro ao interior. Tanto os produtos manufaturados que chegavam de Portugal, quanto os gêneros agrícolas, eram transportados no lombo de animais para a população das minas gerais, pois mais de 90% do consumo de necessidades dos mineiros a Capitania opulenta não produzia. Não achavam razoável deslocar um escravo para a agricultura, quando esse mesmo escravo, empunhando a bateia, dava lucro cem vezes maior ao seu senhor. Dai a importância das tropas na movimentação da produção desde os primeiros dias da conquista.

O crescimento das cidades e a formação de uma elite na região mineradora aumentaram a necessidade de animais, tanto para as atividades locais, como para o transporte de carga, cada vez maior, em direção ao Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo a riqueza gerada pela mineração foi responsável por estimular uma série se atividades paralelas, urbanas, reforçando ainda mais a atividade dos tropeiros, que transportavam os mais variados produtos e ainda cumpriam o papel de mensageiros.

A Região Sul, a criação de Gado e o abastecimento das Minas Gerais

É difícil falar em sul do Brasil, pois na verdade, quando do início do período da mineração, a América era ainda dividida peloTratado de Tordesilhas e, teoricamente, a região onde encontramos o atual estado do Rio Grande do Sul pertencia à Espanha. Não é à toa que nesta região as atividades econômicas se assemelham às da Argentina, Paraguai e Uruguai (o Vice Reinado do Prata). Se por um lado as condições geográficas e climáticas estimularam essa atividade, por outro é necessário lembrar que a criação de gado na região platina se iniciou para abastecer as minas de prata do interior do Peru, tanto no sentido de transportar para o interior os produtos provenientes da Espanha, como no sentido inverso, trazer das minas a prata, que era embarcada em navios nos rios da Bacia do Prata e no porto de Buenos Aires.

Foi essa atividade dinâmica na Bacia do Prata que estimulou o governo português a intervir na região. Mesmo antes da assinatura do Tratado de Madri, em 1750, Portugal atuava no sentido de incorporar a região a seus domínios, interessado em participar do comércio local. Isso explica a fundação da Colônia do Sacramento em 1680 e o estímulo dado à ocupação das terras gaúchas. No entanto, podemos dizer que ao longo do século XVI e início do XVII, o Rio Grande do Sul era "terra de ninguém", habitada principalmente por índios guaranis e por onde passavam eventualmente alguns bandeirantes em busca de índios para apresar e escravizar. Esse quadro foi modificado com a chegada de padres jesuítas que, no início do século XVII, na região formada pelos atuais estados do Rio Grande do Sul e Paraná, e pela Argentina e Paraguai, fundaram as Missões jesuíticas. Nelas se reuniam, em torno de pequenos grupos de religiosos, grandes levas de índios guaranis convertidos.

O crescimento das missões determinou a introdução da atividade pecuarista, de forma extensiva, geralmente com o gado solto nas pradarias, com o objetivo de alimentar os índios. Dessa maneira a região passou a oferecer dois atrativos para os forasteiros: o índio que seria escravizado e o gado. Várias expedições de bandeirantes paulistas atacaram a região destacando-se a expedição comandada por Antonio Raposo Tavares. Até 1640

A ação dos bandeirantes e os conflitos fronteiriços entre Portugal e Espanha fizeram com que os jesuítas transferissem as reduções para a região noroeste do Rio Grande, onde fundaram os Sete Povos das Missões, que funcionavam de forma independente dos governos europeus metropolitanos e não se preocuparam em respeitar as decisões adotadas a partir de 1750. Essa situação motivou a repressão às Missões. Apesar da resistência por parte de padres e índios, as Missões foram desmanteladas, mas deixaram um legado que, por muito tempo, seria a base da economia gaúcha: os grandes rebanhos de bovinos e cavalos, criados soltos pelas pradarias.

Nos Séculos XVII e XVIII, os tropeiros eram partes da vida da zona rural e cidades pequenas dentro do sul do Brasil. Vestidos como gaúchos com chapéus, ponchos, e botas, os tropeiros dirigiram rebanhos de gado e levaram bens por esta região para São Paulo, comercializados na feira de Sorocaba. De São Paulo, os animais e mercadorias foram para os estados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.

Em direção às minas, o transporte feito no lombo de animais foi fundamental devido aos acidentes geográficos da região, que dificultavam o transporte. Já para as regiões de Goiás e Mato Grosso, a maioria dos produtos eram transportados através dos rios, nas chamadas monções.

É complexo tentar definir os homens que se dedicavam a esta atividade. Muitos homens de origem paulista, vicentina, ou seus descendentes, se tornaram tropeiros, assim como muitos homens de origem portuguesa também o fizeram.

O fato de a Capitania de São Vicente ter estagnado economicamente, obrigou muitos de seus habitantes a subirem a serra e a se fixarem no planalto. Assim surgiu a vila de São Paulo, formada por uma camada pobre, que abandonara o litoral. A economia precária baseada numa agricultura de subsistência determinou a necessidade de atividades complementares, originando o bandeirismo. Muitos dos que inicialmente se dedicaram ao apresamento indígena, se fixaram em terras no sul e, com o passar do tempo, foram se integrando ao pequeno comércio, praticado no lombo de mulas.

Contando com uma população composta por homens de origem vicentina e portuguesa, a vila de Laguna era o ponto extremo do litoral brasileiro e dela partiram muitas famílias para outras áreas do interior do sul, também praticando o apresamento indígena num primeiro momento e que tomaram contato com a criação de gado, desenvolvida nas missões jesuíticas.

A História do Rio grande do Sul deu origem a elementos que se dedicariam ao tropeirismo. A necessidade de povoar a região, segundo interesses dos portugueses, fez com que o governo real facilitasse o acesso à terra e garantisse um elevado grau de liberdade e autonomia para a capitania, fato que deixou como uma de suas conseqüências o predomínio da grande propriedade no século XVII, que beneficiava poucas famílias e marginalizava grande parte do sociedade.

O tropeiro iniciava-se na profissão por volta dos 10 anos, acompanhando o pai, que era o negociante (compra e venda de animais), o condutor da tropa. Usava chapelão de feltro cinza ou marrom, de abas viradas, camisa de cor similar ao chapéu de pano forte, manta ou beata com uma abertura no centro, jogada sobre o ombro, botas de couro flexível que chegavam até o meio da coxa para proteger-se nos terrenos alagados e matas.

No Rio Grande do sul, a cidade de Viamão tornou-se um dos principais centros de comércio e formação de tropas que tinham como destino os mercados de São Paulo. Porém de outas regiões do sul partiam as tropas, quase sempre com o mesmo destino. Nesses trajetos, os tropeiros procuravam seguir o curso dos rios ou atravessar as áreas mais abertas, os "campos gerais" e mesmo conhecendo os caminhos mais seguros, o trajeto envolvia várias semanas. Ao final de cada dia era acesso o fogo, para depois construir uma tenda com os couros que serviam para cobrir a carga dos animais, reservando alguns para colocar no chão, onde dormiam envoltos em seu manto. Chamava-se "encosto" o pouso em pasto aberto e "rancho" quando já havia um abrigo construído. Ao longo do tempo os principais pousos se transformaram em povoações e vilas. É interessante notar que dezenas de cidades do interior na região sul do Brasil e mesmo em São Paulo, atribuem sua origem a atividade dos tropeiros.

A alimentação dos tropeiros era constituída por toucinho, feijão preto, farinha, pimenta-do-reino, café, fubá e coité (um molho de vinagre com fruto cáustico espremido). Nos pousos comiam feijão quase sem molho com pedaços de carne de sol e toucinho (feijão tropeiro) que era servido com farofa e couve picada. Bebidas alcoólicas só eram permitidas em ocasiões especiais: quando nos dias muitos frios tomavam um pouco de cachaça para evitar constipação e como remédio para picada de insetos.

O tropeiro montava um cavalo que possuía sacola para guardar a capa, a sela apetrechada, suspendia-se em pesados estribos e enfeitava a crina com fitas.

Percebemos a importância da atividade dos tropeiros de diferentes maneiras: o abastecimento da região mineradora e outras, sem os quais a exploração das jazidas seria impossível; a ocupação do interior do Brasil, contribuindo para consolidar o domínio português, ao mesmo tempo em que fundaram diversas vilas e cidades. O comércio de animais foi fator determinante para integrar efetivamente o sul ao restante do Brasil, apesar das diferenças culturais entre as regiões da colônia, os interesses mercantis foram responsáveis por essa fusão e indiretamente, pela prosperidade tanto da grande propriedade estancieira gaúcha, como de pequenas propriedades familiares, em regiões onde predominaram populações de origem européia e que abasteciam de alimentos as fazendas pecuaristas.

As atividades econômicas complementares

Pecuária

Inicialmente auxiliar da economia açucareira, fornecia àquelas regiões alimento e meio de transporte, atuando também como força motriz em alguns engenhos. Como a criação dentro do próprio engenho ficou problemática com a expansão das operações de produção de açúcar em fins do século XVI, a criação de gado ganhou o interior, sendo responsável pela ocupação do sertão nordestino. Também a região sul da colônia foi ocupada graças a pecuária. No sul as condições geográficas mais propicias ao gado, permitiram a organização das charqueadas que abasteceram principalmente a região mineradora no século XVIII.

A pecuária nordestina irradiou-se através do rio São Francisco (O rio dos currais), sendo uma atividade econômica extensiva, itinerante, de baixo índice técnico, baixo investimento e baixa lucratividade imediata. Quanto à mão de obra, predominou o trabalho livre de mestiços sob o sistema de quarteação, surgindo daí a figura do vaqueiro tão importante na construção do Nordeste atual. Foi a principal atividade econômica colonial direcionada para o atendimento das necessidades do mercado interno.

Texto complementar

A PECUÁRIA NO PERÍODO COLONIAL.

A colonização da América, e consequentemente do Brasil, foi uma das marcas da expansão capitalista do início da Idade Moderna, caracterizada pela política mercantilista como mecanismo de acumulação capitalista das potencias do nascente capitalismo europeu.

A burguesia ascendente, utilizou-se de um Estado centralizado para executar seus interesses mercantis, ao mesmo tempo em que buscava diminuir as influências da nobreza e do clero sobre as definições econômicas e as decisões de natureza política.

A colonização do Brasil iniciou-se na década de 30 do século XVI, através da instalação na colônia, da agromanufatura do açúcar. Desde o início da colonização, a produção colonial voltou-se para os interesses metropolitanos e desta forma, outras atividades econômicas foram marginalizadas. O latifúndio monocultor, apoiado no trabalho do escravo africano formou a base do Antigo Sistema Colonial. Na verdade, o primeiro nível de acumulação de capitais fazia-se com o tráfico de escravos, responsável por gerar grandes lucros para Portugal, já praticado no período anterior ao inicio da nossa colonização.

No entanto, apesar de definidas as atividades economicamente rentáveis, o desenvolvimento do engenho exigiu atividades complementares, consideradas secundárias, porém fundamentais, sem as quais seria impossível a produção açucareira. Nesse sentido destacaram-se duas atividades: a pecuária, o tabaco e a agricultura de subsistência.

As primeiras cabeças a chegarem no Brasil vieram das Ilhas de Cabo Verde, em 1534, para a capitania de São Vicente. Em 1550, Tomé de Sousa mandou uma caravela a Cabo Verde para trazer um novo carregamento, desta vez para Salvador. Da capital da colônia o gado dispersou-se em direção a Pernambuco e daí para o nordeste, principalmente Maranhão e Piauí.

Como a atividade canavieira se desenvolveu predominantemente no litoral do nordeste, a atividade pecuarista, no momento da expansão da produção de açúcar, se deslocou para as terras do interior, reservando a zona litorânea á cana-de-açúcar. Dessa maneira a atividade criatória cumpriu um duplo papel: complementar a economia do açúcar e iniciar a penetração, conquista e povoamento do interior do Brasil, principalmente do sertão nordestino.

Quando se deu a interiorização das atividades de criação do gado,

a partir do início do século XVII, os pecuaristas ocupam as terras então chamadas genericamente de sertões, cada vez mais para o interior, pois o desenvolvimento dos rebanhos exige grandes extensões de terras para as pastagens. Os rebanhos se destinam ao mercado interno, principalmente aos engenhos, porém estas se tornam atividades separadas e as feiras de gado consolidam-se como o elo de ligação entre ambas atividades. A primeira feira realizou-se na Bahia em 1614.

Desde o século XVII, até meados do século XVIII a pecuária ocupou diversas regiões do interior do nordeste, tendo como centros de irradiação as capitanias da Bahia, onde o gado ocupou terras do "sertão de dentro" e de Pernambuco, ocupando as terras do "sertão de fora", sempre através dos rios, ao longo dos quais desenvolveram-se os currais. Diversos rios serviram como canais de integração entre o litoral, onde se concentrava a maioria da população da colônia e as novas terras ocupadas, merecendo destaque especial o Rio São Francisco, então denominado “rio dos currais”.

Desde o inicio do século XVII, ocorreu um vultuoso movimento de interiorização impulsionado pela pecuária. Nesse contexto, o principal obstáculo enfrentado pelos pecuaristas foi a resistência indígena. Com a invasão de suas terras, os cariris reagem contra os colonos e a resistência é feroz. Organizados na Confederação dos Cariris, os indígenas atacam os currais, roubam o gado e matam os colonos. A repressão contra a “guerra dos bárbaros” foi violenta. Essa foi a época em que se destacam, pelos sertões afora, os bandeirantes, como responsáveis pela “pacificação dos indígenas”. Estando geralmente a serviço da Casa da Torre , devassaram parte considerável do sertão nordestino, empreendendo feroz perseguição e matança de indígenas, quando não os capturavam para suprir de mão de obra escrava territórios coloniais que enfrentavam problemas de desabastecimento de braços. Com a “pacificação” (massacre) dos nativos, a conquista se consolida no início do século XVIII.

" É preciso reconhecer, entretanto, que a penetração do gado e dos vaqueiros nos sertões do Nordeste nem sempre se verificou de maneira pacífica. Na Bahia, por exemplo, houve um enorme levante dos índios janduís e paiacus durante as últimas décadas do século XVII, obrigando o Governo-geral a solicitar a ajuda de bandeirantes vicentinos (os "sertanistas de contrato") afeitos desde há muito à guerra e à caça ao índio. Em socorro aos vaqueiros baianos vieram experimentados apresadores de indígenas, como Estêvão Parente, Domingos Barbosa, Brás Arzão, Domingos Jorge Velho, Cardoso de Almeida e outros, que foram empregados na repressão à chamada "Guerra dos Bárbaros" ou "Confederação dos Cariris". Muitos dos paulistas empregados nas guerras do norte não tornaram mais a São Paulo e preferiram a vida de grandes proprietários nas terras adquiridas por suas armas: de bandeirantes, isto é, despovoadores, passaram a conquistadores, formando estabelecimentos fixos”. (http://www.historianet.com.br/home/).

A pecuária do nordeste, que em princípio destinava-se a desempenhar o papel de atividade complementar à economia açucareira, de setor fornecedor de alimento e força de tração aos engenhos, ganhou considerável impulso com a descoberta do ouro das Gerais, nos fins do século XVII.

Tabaco e Aguardente

Eram produtos considerados auxiliares da atividade açucareira já que foram utilizados no escambo para a obtenção de mão de obra escrava na África. Enquanto o tabaco foi cultivado na região do recôncavo baiano, a aguardente era um subproduto do engenho açucareiro.

Drogas do sertão

A atividade extrativista das drogas do sertão (denominação genérica dada a produtos extraídos da floresta amazônica e especiarias então adaptadas a região) foi um importante fator que concorreu para o início da ocupação do extremo norte brasileiro.

Algodão

Inicialmente produzido nos engenhos açucareiros e utilizado na fabricação de vestuário rústico para os escravos, experimentou um momento de relativo crescimento ao final do século XVIII, devido a desorganização do mercado mundial impulsionada pela guerra que resultou na separação entre Inglaterra e Estados Unidos. Foi cultivado principalmente no Maranhão, seguido de regiões nordestinas como Pernambuco e Paraíba.

A sociedade colonial

A sociedade experimentou grandes mudanças, em virtude dos diferentes momentos históricos vividos pela economia colonial. Na região açucareira, polarizou-se em dois grupos bem definidos (senhores e escravos), marcando-se pelo caráter aristocrático, rural, imóvel, patriarcal e escravista.

Na região da pecuária foi possível uma razoável mobilidade, uma vez que os vaqueiros podiam, a médio e longo prazo, estabelecerem-se como proprietários (esse fato tem origem no sistema de remuneração dos vaqueiros).

Na região mineira, encontramos uma sociedade predominantemente urbana, heterogênea, aberta e escravista. Apesar de persistir, o patriarcalismo foi menos rigoroso.

Texto complementar

Uma Sociedade Patriarcal

A família era tudo, nada menos. Seguindo a tradição da época em que os portugueses se instalaram no Brasil, a família não se compunha apenas de marido, mulher e filhos. Era um verdadeiro clã, incluindo a esposa, eventuais (e disfarçadas) concubinas, filhos, parentes, padrinhos, afilhados, amigos, dependentes e ex-escravos. Uma imensa legião de agregados submetidos à autoridade indiscutível que emanava da temida e venerada figura do patriarca. Temida, porque possuía o direito de controlar a vida e as propriedades de sua mulher e filhos; venerada, porque o patriarca encarnava, no coração e na mente de seus comandados, todas as virtudes e qualidades possíveis a um ser humano.

"Era o patriarca de um grupo de famílias. (...) Era o Pai, o Sogro, o Avô; mas, antes de tudo, o Amigo e o Conselheiro. Jamais alguém ousou desrespeitá-lo, no lar ou fora dele. (...) Encarnava a sabedoria e ninguém dele se aproximava sem que, de imediato, se sentisse envolvido pela confiança que irradiava de sua marcante personalidade". (Aroldo de Azevedo, referindo-se ao fazendeiro Ignácio Cochrane).

E quem era esse patriarca orgulhoso, a quem se submetiam tudo e todos? Era o grande senhor rural, proprietário de terras incomensuráveis, onde se plantavam as bases da economia brasileira: café, cacau, cana-de-açúcar e outras grandes lavouras. Era ele que desde os tempos coloniais e imperiais presidia a única ordem perfeita e íntegra da sociedade brasileira: a organização familiar. Não havia comunidades sólidas, sindicatos, clubes ou outros órgãos que congregassem pessoas de interesses similares. A família, a grande família patriarcal, ocupava todos esses espaços. E o que não fosse provido por ela representava um corpo estranho e indesejável. O próprio Estado, que enquanto ordem pública deveria estar acima das questões familiares, esbarrava nestas quando necessitava intervir. Mas os governantes sabiam que essa família exclusivista, dobrada sobre si mesma e solidamente organizada, era, por sua vez, o sustentáculo do Estado, pois impedia que a população, tão escassa, quase nômade, se pulverizasse neste imenso país.

A família patriarcal era, portanto, a espinha dorsal da sociedade e desempenhava os papéis de procriação, administração econômica e direção política. Na casa-grande, coração e cérebro das poderosas fazendas, nasciam os numerosos filhos e netos do patriarca, traçavam-se os destinos da fazenda e educavam-se os futuros dirigentes do país. Cada um com seu papel, todos se moviam segundo intensa cooperação. A unidade da família devia ser preservada a todo custo, e, por isso, eram comuns os casamentos entre parentes (endogamia). A fortuna do clã e suas propriedades se mantinham assim indivisíveis sob a chefia do patriarca.

A família patriarcal era o mundo do homem por excelência. Crianças e mulheres não passavam de seres insignificantes e amedrontados, cuja maior aspiração eram as boas graças do patriarca. A situação de mando masculino era de tal natureza que os varões não reconheciam sequer a autoridade religiosa dos padres. Assistiam à missa, sem a menor manifestação daquela humildade cristã do crente (própria, aliás, das mulheres), assumindo sempre ares de proprietário da capela, protetor da religião, bom contribuinte da Igreja. Jamais um orgulhoso varão se dignaria de beijar as mãos de um clérigo, como o faziam sua esposa e filhas. Nesse universo masculino, os filhos mais velhos também desfrutavam imensos privilégios, especialmente em relação a seus irmãos. E os homens em geral dispunham de infinitas regalias, a começar pela dupla moral vigente, que lhes permitia aventuras com criadas e ex-escravas, com certa discrição, enquanto que às mulheres tudo era proibido, exceto a procriação e submissão oficializadas pelo casamento.

Por mais enaltecido que fosse o papel de mãe, um obscuro destino esperava as mulheres. Uma senhora de elite, envolta numa aura de castidade e resignação, devia procriar e obedecer. Com os filhos mantinha poucos contatos, uma vez que os confiava aos cuidados de amas-de-leite, preceptoras e governantas. Sobravam-lhe as amenidades, as parcas leituras e a supervisão dos trabalhos domésticos. Até mesmo as linhas de parentesco, tão caras à sociedade patriarcal, só se tomavam "efetivas" quando provinham do homem. Desse modo, a mulher perdia a consangüinidade de sua própria família de origem, para adotar a do esposo.

Até meados do século XIX, a casa-grande era o modelo perfeito do fechado mundo patriarcal. A reduzida elite das grandes cidades - comerciantes, profissionais liberais e altos funcionários públicos - transportava esse modelo para os austeros sobrados urbanos: a mulher restringia-se às quatro paredes de sua casa, supervisionando o trabalho doméstico dos escravos (que se alojavam no andar térreo), como a confecção de roupas e a destilação de vinho. (http://www.historianet.com.br/home/).

A união ibérica, invasões estrangeiras e avanço da colonização

A União Ibérica e as principais mudanças administrativas

De 1580 a 1640, os reinos de Portugal e Espanha estiveram unidos sob uma única soberania, a da coroa espanhola. As raízes dessa união estão relacionadas a morte prematura do Rei de Portugal D. Sebastião na batalha de alcáçer-quibir, em 1578, durante uma campanha cruzadista na África. Sem herdeiros diretos, D. Sebastião foi substituído pelo seu tio-avô, o cardeal D. Henrique, que morreu dois anos depois, em 1580.

Em meio a uma tensa disputa sucessória, O rei Felipe II da Espanha, neto do falecido Rei de Portugal D.Manuel, apresentou-se como pretendente ao trono português, ocupou Lisboa e impôs os seus direitos com o apoio de parte da nobreza portuguesa, derrotando D. Antônio, outro neto do rei D. Manuel, candidato defendido pelos setores anti-espanhóis. Todo esse processo foi sacramentado em 1581, com a assinatura do tratado de Tomar que crava a União ibérica.

Para o Brasil, a União ibérica teve importantes conseqüências administrativas: além de passarmos a fazer parte da esfera administrativa do império colonial espanhol, em 1621, a colônia foi dividida em duas partes – o estado do Brasil (com sede em Salvador) e o Estado do Maranhão (com sede em S. Luís).

A União Ibérica e o domínio holandês

A relação do processo de união ibérica com as invasões holandesas no Brasil deve ser vista no contexto das relações internacionais da Espanha então transferidas para Portugal a partir do tratado de Tomar de 1581.

Na segunda metade do século XVI os países baixos (hoje Holanda, Bélgica e pequena parte da França) estavam sob o domínio espanhol, iniciando em 1572 a luta por sua autonomia. A repressão espanhola foi violentíssima pois a Holanda contribuía significativamente para abastecer os cofres espanhóis. Em 1581, sete Províncias do norte dos países baixos incluindo a Holanda, criaram a República das províncias unidas que passou a sustentar a guerra contra a Espanha. Esses fatos estão relacionados as invasões holandesas no Brasil. De um lado, os holandeses controlavam o financiamento, transporte, refino e comercialização do açúcar brasileiro no mercado europeu. De outro, a Espanha, agora de posse do Brasil, para tentar sufocar economicamente a Holanda, determinou o embargo da participação holandesa no comércio açucareiro. Os comerciantes holandeses resolveram então buscar na origem o principal produto por eles comercializado na Europa.

Para concentrar esforços na obtenção de produtos primários foi fundada, em 1602, a CIA da índias orientais que realizou a conquista das colônias portuguesas no oriente. Em 1621, os Holandeses deram um passo decisivo para a realização da conquista de territórios no Brasil, fundando para isto a WIC (CIA das índias ocidentais) encarregada de realizar a conquista das áreas produtoras de açúcar situadas no Brasil.

As Invasões holandesas

Acreditando que controlar o centro administrativo da colônia representava passo decisivo para dominar facilmente o restante do território, os holandeses atacaram e conquistaram a cidade Salvador em 1624. Após a consolidação da conquista distribuiu-se um manifesto garantindo a vida e a propriedade dos habitantes locais. Os holandeses, protestantes calvinistas, não contavam com a propaganda religiosa católica. Sob liderança católica, senhores de engenho, escravos e índios lutaram contra o “invasor infiel” apresentado como inimigo comum a dominantes e dominados. Em 1625, os holandeses foram expulsos.

Entre 1630 e 1634, os holandeses realizaram as conquistas territoriais que resultaram na construção da Nova Holanda. Partindo de Pernambuco, onde consolidaram a conquista graças à adesão de Domingos Fernandes Calabar (elemento que desequilibrou a guerra contra os senhores de engenho e favoravelmente aos batavos), os holandeses conquistaram parcela significativa do litoral nordestino do Maranhão até Sergipe.

Para que fosse consolidada a dominação e se obtivessem melhores resultados comerciais, foi enviado para administrar as novas possessões coloniais o conde João Maurício de Nassau conhecido como habilidoso administrador. Em seu governo (1637-1644), os grandes proprietários receberam empréstimos para comprar mais escravos e reequipar os engenhos, estabeleceu-se um clima de tolerância religiosa e de certa participação política (Câmara dos Escabinos), Recife foi urbanizada (pavimentação, pontes, palácios e jardins) e foi estimulada a vinda para o Brasil de astrônomos, estudiosos da flora e da fauna, médicos e artistas.

A partir de 1640, a Holanda decidiu reforçar os laços da exploração colonial imposta ao Brasil já que necessitava de recursos para financiar as disputas econômico-militares no cenário internacional. Foram aumentados os fretes marítimos, os impostos sobre o açúcar e, fato mais grave, os empréstimos que haviam sido concedidos aos senhores de engenho passaram a ser cobrados com rigor. Que não pagasse teria a sua propriedade confiscada. Nassau, que reagiu contra essas medidas, foi substituído.

Os senhores de engenho passaram então a revolta. Durante dez anos os colonos brasileiros do nordeste, fazendo uso da guerra de guerrilhas, lutaram para expulsar os holandeses. Destacaram-se como lideranças o paraibano André Vidal de Negreiros, o senhor de engenho João Fernandes Vieira, o negro Felipe Camarão e índio potiguar Henrique Dias. As batalhas mais importantes foram a de Guararapes e da Campina da Taborda. Nesta última, os brasileiros obtiveram a rendição holandesa. A expulsão definitiva dos holandeses ficou conhecida como insurreição pernambucana (1645-1654).

Conseqüências da expulsão holandesa

Ao serem expulsos do Brasil, os holandeses dirigiram-se as Antilhas (ilhas da América central), onde iniciaram uma produção açucareira própria. Com grande capital, tecnologia avançada e facilidade para a distribuição do produto no mercado europeu, o açúcar antilhano foi se impondo ao brasileiro. Assim, a segunda metade do século XVII foi marcada pelo declínio da lavoura canavieira e pelo agravamento da crise econômica portuguesa. Foi nesse contexto que iniciou-se a consolidação da dependência econômica de Portugal em relação à Inglaterra seja devido as dívidas contraídas durante a restauração da independência (empréstimos obtidos junto aos ingleses para financiar a guerra contra a Espanha), seja após a assinatura de tratados comerciais que consolidaram esta dependência (Tratado de Methuem, 1703).

Avanços territoriais na colonização (expansão territorial) – fatores determinantes.

a) Atuação das entradas (expedições oficiais), bandeiras (expedições particulares de caça ao índio, procura por metais preciosos e captura de negros fugidos) e monções (expedições que acompanhavam o curso dos rios).

b) Avanço para o sul: Os portugueses, buscando uma saída comercial para o rio da prata, fundaram em 1688 a colônia de sacramento.

c) Desenvolvimento de diversas atividades econômicas resultando na formação de regiões geo-econômicas:

• Litoral = açúcar.

• Sertão = pecuária.

• Centro-sul= mineração.

• Norte= extrativismo de drogas do sertão.

• Sul= pecuária.

d) Formalização da expansão territorial:

• Tratado de Madrid (1750) – definição de uma configuração geográfica próxima a do Brasil atual.

A crise do sistema colonial

Contexto histórico e causas gerais

Até o final da segunda metade do século XVII, os objetivos gerais da política econômica mercantilista e do sistema colonial haviam sido alcançados. Enquanto a expansão comercial e marítima havia ampliado os mercados mundiais, o colonialismo promoveu o processo de acumulação de capitais nas potencias européias. Ao mesmo tempo, o mercado consumidor, ampliado durante a revolução comercial, exigia mais mercadorias. Foi nesse contexto, que os paises capitalistas europeus, notadamente a Inglaterra, iniciaram uma serie de investimentos no setor produtivo das mercadorias, impulsionando as inovações tecnológicas que caracterizariam a revolução industrial inglesa da segunda metade do século XVIII.

A situação da Inglaterra merece particular atenção na passagem da idade moderna para a idade contemporânea. Durante cerca de 70 anos a Inglaterra foi a nação que deteve o controle da revolução fabril ocupando a invejável posição de único país industrializado do mundo. Não é de se estranhar, portanto, que ela passasse a ostentar a posição de defensora intransigente do livre-comércio, estimulando os movimentos de independência nos territórios coloniais (exceção dos EUA, lógico!). Assim, foi exatamente na mesma Inglaterra que, ao final do século XVIII, sistematizou-se o liberalismo econômico (Adam Smith, A riqueza das nações), teoria que pregava a não intervenção do Estado na economia, a livre-concorrência e o fim do pacto colonial.

Países como Portugal e Espanha, que não criaram condições para a industrialização, entraram em franca decadência econômica. Em conseqüência, apertaram os laços coloniais, estimulando de forma indireta a luta pela independência em seus territórios coloniais.

Problemas da colonização

A crise do sistema colonial e a decadência do capitalismo comercial português são aspectos importantes mais não totalmente suficientes para explicar o desmoronamento da colonização que foi implantada no Brasil. Existiam contradições internas na colonização que acionaram o mecanismo que implodiu o próprio sistema.

A colonização mesmo de exploração promoveu certo desenvolvimento nos territórios coloniais. As elites econômicas locais, mesmo expressando divergências momentâneas, sempre se beneficiaram da dominação portuguesa o que contribuía para manter e reproduzir a exploração colonial. Contudo, durante o século XVIII, com o aprofundamento da crise econômica de Portugal, o aperto determinado pelo coroa na imposição de políticas colonialistas (Monopólios, fiscalização, tributação, repressão), tornou insuportável à população colonial a manutenção do sistema explorador. De elemento que beneficiava a elite colonial, a política mercantilista metropolitana passou a ser vista como entrave a expansão das atividades controladas por ela.

Assim, “a propriedade surge como entidade contraditória num processo de colonização. Sua contradição fundamental: de um lado, é sobre a propriedade que está assentado o sistema; resulta imprescindível seu desenvolvimento e fortalecimento para o êxito da colonização. Por outro lado, deve-se considerar que tal fortalecimento gera novos interesses que se chocam com os fins da colonização. Em outros termos, a ampliação da propriedade serve de suporte para comportamentos que se opõe as metas do processo. A contradição surge, pois, num elemento que é, ao mesmo tempo, um requisito e um desintegrador do sistema. Parece desnecessário recordar que aos comportamentos que brotam em tais transformações se associam formas de pensamento, estilos de pensamento que só poderão ser bem avaliados se vistos no contexto que se geram.” (MOTA, Carlos Guilherme. Idéias de revolução no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1979. p. 75).

A tomada de consciência por parte da elite colonial não se deu de maneira abrupta sendo, ao contrario, um processo lento e gradual. No que diz respeito a este processo de conscientização, a historiografia precisa uma evolução onde se expressam duas etapas: Os movimentos nativistas e os movimentos emancipacionistas.

Os movimentos nativistas

Características principais:

- Foram contestações a aspectos específicos da dominação portuguesa, não se contrapondo ao sistema como um todo.

- Expressam uma consciência nascente de interesses próprios por parte das elites coloniais.

- Tiveram um caráter meramente regional, não expressando preocupações com a unidade nacional.

Os movimentos Emancipacionistas

Causas gerais:

A partir de 1760, a situação internacional passou a estimular definitivamente o fim do colonialismo. Além da Inglaterra, onde a revolução industrial exigia a redefinição das relações econômicas internacionais, em outras áreas do mundo, o conjunto de transformações geradas nos passos da era das revoluções iam de encontro aos anseios de liberdade já presentes na colônia. Nas treze colônias inglesas da América do norte, a independência conquistada definitivamente em 1783 além de dar validade prática aos ideais iluministas, se constituía no maior estimulo a outros movimentos de libertação colonial (alguns bastante radicais como a independência do Haiti). Na Europa, a propagação dos ideais iluministas e a vitória da revolução francesa contribuíam para dar maior alcance aos princípios de igualdade, liberdade e fraternidade, questionando o centro nevrálgico do absolutismo e de seu principal elemento de sustentação, a política econômica mercantilista e os monopólios coloniais.

Características principais:

- Contestavam a dominação colonial como um todo: exploração econômica e opressão política.

- Caráter emancipacionista: Lutam pela separação em relação a metrópole e expressam preocupações com a unidade nacional.

- Expressaram a consciência da elite colonial de que seus objetivos só seriam alcançados com a definitiva separação em relação a Portugal.

QUADRO DOS MOVIMENTOS NATIVISTAS

QUADRO DOS MOVIMENTOS EMANCIPACIONISTAS
Avaliando os movimentos emancipacionistas do século XVIII e descortinando os caminhos da emancipação política, a historiadora Emília Viotti da Costa afirmou: “Para o povo composto de negros e mestiços, a revolução da independência configurava-se como uma luta contra os brancos e seus privilégios. Para os despossuidos a revolução significava a eliminação das barreiras de cor, na realização da igualdade econômica e social, na subversão da ordem. Para os representantes das categorias superiores da sociedade, fazendeiros ou comerciantes, a condição necessária da revolução, no entanto, era a manutenção da ordem e a garantia de seus privilégios. Dessa forma, o movimento que aglutinava elementos pertencentes a diferentes estratos da sociedade representava aspirações até mesmo contraditórias. As formulas abstratas constantes dos programas dos revolucionários ocultavam os diferentes sentidos que cada grupo os atribuía. Depois da independência, as formulas amplas e universalizantes do liberalismo retórico foram definidas nos seus termos concretos, ficando evidentes os seus limites. A partir de então ficaria claro para quem e por quem tinha sido o pais feito independente. Para as elites que tiveram a iniciativa e o controle do movimento, liberalismo significava apenas a liquidação dos laços coloniais. Não pretendiam reformar a estrutura de produção e a estrutura da sociedade. Por isso a escravidão seria mantida, assim como a economia de exportação. Por isso o movimento de independência seria menos antimonárquico do que anticolonial, menos nacionalista do que antimetropolitano. Por isso também a idéia de separação completa de Portugal só se configurou claramente quando se revelou impossível manter a dualidade das coroas e, ao mesmo tempo, preservar a liberdade de comercio”. (DA COSTA, EMÍLIA VIOTTI. DA MONARQUIA A REPÚBLICA – MOMENTOS DECISIVOS. SÃO PAULO: BRASILIENSE, 1977, P. 33).

Texto complementar: O mito do Tiradentes herói.

Extraído da obra A Formação das Almas do historiador José Murilo de Carvalho sobre a “construção histórica e ideológica” do ”herói Tiradentes”:

“(...) A simbologia cristão apareceu em várias (...) obras de arte da época. No quadro Martírio de Tiradentes, de Aurélio de Figueiredo, o mártir é visto de baixo para cima, como um crucificado, tendo aos pés um frade, que lhe apresenta o crucifixo, e o carrasco Capitania, joelho dobrado, cobrindo o rosto com a mão. É uma cena de pé-da-cruz. Mesmo na representação quase chocante de Pedro Américo, a alusão a Cristo é inescapável. Seu Tiradentes esquartejado, de 1893, mostra os pedaços do corpo sobre o cadafalso, como sobre um altar. A cabeça, com longas barbas ruivas, está colocada na posição mais alta, tendo ao lado o crucifixo, numa clara sugestão da semelhança entre os dois dramas. Um dos braços pende para fora do cadafalso, citação explícita da Pietá de Michelangelo.

Além do óbvio apelo à tradição cristã do povo, que facilitava a transmissão da imagem de um Cristo cívico, poder-se-ia perguntar por outras razões do êxito de Tiradentes como herói republicano. Pois não foi sem resistência que ele atingiu tal posição. Tiradentes tinha competidores ao título de herói (...). Para mencionar os mais óbvios, havia no Sul os líderes da Farroupilha. No Norte, a figura respeitável de Frei Caneca. (...). Faltava aos heróis gaúchos a característica nacional, indispensável à imagem de um herói republicano.

Frei Caneca era um competidor mais sério. Herói de duas revoltas, uma pela independência, a outra contra o absolutismo (...), morrera como mártir, fuzilado, pois nenhum carrasco se dispusera a enforcá-lo. [O que se censurava em] Tiradentes [era] exatamente o não ter morrido como os mártires de 1817 e 1824, desafiadores, o grito de liberdade na garganta. (...).

Um dos fatores que podem ter levado à vitória de Tiradentes é, sem dúvida, o geográfico. Tiradentes era herói de uma área que, a partir da metade do século XIX, já podia ser considerada o centro político do país: Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, as três capitanias que ele [e seus companheiros buscaram] tornar independentes. (...). O Nordeste, no final do século XIX, era uma região em decadência econômica e politicamente. (...).

(...) Frei Caneca e seus companheiros tinham-se envolvido em duas lutas reais, em que houvera sangue e morte. Morreu como um herói desafiador, quase arrogante, num ritual seco de fuzilamento. Foi um mártir rebelde, agressivo. Não morreu como vítima (...). Morreu como líder cívico e não como mártir religioso, embora, ironicamente, se tratasse de um frade.

Tiradentes foi exatamente o contrário. O patriota virou místico. A coragem que demonstrou vinha, ao final, do fervor religioso e não do fervor cívico. Assumiu explicitamente a postura de mártir, identificou-se abertamente com Cristo – (...) tudo contribuiu para aproximar os dois eventos e as duas figuras: a crucificação e o enforcamento, Cristo e Tiradentes. (...). [Tiradentes tocava] profundamente no sentimento popular, marcado pela religiosidade cristã.

(...).” (Fonte: CARVALHO, José Murilo de. Tiradentes: um herói para a República. In: A Formação da Almas: o imaginário da república no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1990. p. 65 – 68).

o período joanino e a independência do Brasil (1808-1822).

A Europa no início do século XIX – As guerras napoleônicas

No início do século XIX, a Europa vivia o pleno estabelecimento do capitalismo industrial fato que desencadeava tensões e conflitos no continente. A Inglaterra, maior potencia industrial e a França, em plena era napoleônica, seriam os principiais protagonizadores das guerras européias do inicio do século XIX, as quais teriam repercussões sobre os rumos do Brasil.

A situação de Portugal

O tratado de Methuen, 1703, havia aberto o mercado português para a entrada de manufaturados ingleses em troca da exportação do vinho lusitano. Isso assegurou aos ingleses a hegemonia econômica e política sobre os portugueses.

Em 1806, em pleno desenvolvimento da expansão territorial, Napoleão Bonaparte decretou o bloqueio continental, proibindo os paises europeus de comerciarem com os ingleses. Objetivava com isso sufocar economicamente à Inglaterra, já que não havia realizado a sua conquista no plano militar. Em meio a esse conjunto de disputas, a situação de Portugal complicava-se. De um lado a França exigia o fechamento dos portos portugueses as mercadorias inglesas, de outro a Inglaterra pressionava os portugueses pela assinatura de um acordo secreto que estabelecia:

• A transferência da administração portuguesa para o Brasil.

• A entrega da esquadra portuguesa aos britânicos.

• A entrega da ilha da Madeira, tradicional ponto estratégico africano, aos ingleses.

• A concessão de um porto livre, Santa Catarina, aos ingleses.

• A assinatura de novos tratados comerciais com os ingleses, logo após a transferência da corte portuguesa para o Brasil.

Em 1807, França e Espanha assinaram o tratado de Fontainebleau, que permitia a invasão de Portugal pelos franceses e estabelecia a divisão das colônias portuguesas entre França e Espanha, ao mesmo tempo em que os portugueses ratificaram a sua convenção com os ingleses.

Em 1808 consolidou-se a situação. As tropas comandadas pelo General Junot invadiram o norte de Portugal e a corte entrou em pânico. Em toque de fuga, cerca de 15.000 portugueses embarcaram para o Brasil. Dois dias depois, tropas francesas entraram em Lisboa e consolidaram a ocupação. Com a fuga da corte portuguesa os grandes vencedores foram os ingleses, agora, alçados a posição de detentores do mercado brasileiro.

A administração portuguesa no Brasil

Diante das circunstâncias da fuga, ainda em Salvador, o regente D.João assinou o decreto de abertura dos portos brasileiros às nações amigas através do qual ficava liberada a importação de quaisquer mercadorias transportadas em navios portugueses ou oriundas de países em paz com a coroa. Portugal pagaria 16% de taxas alfandegárias, e os outros países 24%. No mesmo ano, foi decretado o alvará de permissão industrial na colônia. Na prática, essa medida não surtiu efeito porque embora a autorização para o estabelecimento de indústrias fosse dada, não se viabilizavam as condições para a sua concretização – faltavam capital e a proteção alfandegária que proporcionaria os requisitos necessários para que houvesse uma competição com os produtos britânicos.

Em seguida veio o estabelecimento da dependência brasileira em relação aos ingleses. Em 1810, Lorde Strangford, representante inglês, e Sousa Coutinho, ministro de D.João, selavam acordos comerciais com os tratados de aliança e amizade e comercio e navegação. Este ultimo estabelecia:

• Nomeação de juízes ingleses para julgar súditos britânico que viviam no Brasil.

• Liberdade religiosa para os ingleses.

• Cobrança de uma tarifa alfandegária de 15% sobre os produtos britânicos, manutenção dos 16% sobre os portugueses e 24% para produtos oriundos de outros países.

• Um porto livre – Santa Catarina.

Em fevereiro de 1815, o Brasil foi elevado a categoria de Reino unido a Portugal e Algarves. A medida reconhecia uma situação estabelecida de fato: o Brasil deixava de ser uma mera colônia portuguesa e transformava-se em sede do império lusitano (que alguns autores chamam de inversão brasileira), fato que legitimava a permanência de D. João, agora D. João VI, no Brasil.

Ainda no plano interno, o período joanino foi marcado pela edificação de uma infra-estrutura compatível com a posição agora ocupada pelo Brasil:

• Criação da escola médico-cirúrgica da Bahia.

• Escola de medicina do Rio de Janeiro.

• Academia real de Belas-artes.

• Academia real militar.

• Arquivo militar.

• Biblioteca real.

• Curso de ciências econômicas.

• Imprensa régia.

• Teatro real São João.

• Jardim botânico do rio de Janeiro.

• Banco do Brasil.

Quanto a política externa, ainda em 1809, com apoio militar britânico, D.João ordenou a invasão da Guina Francesa, território devolvido a França durante o congresso de Viena. Em 1816 foi realizada a anexação da banda oriental, região banhada pelo Rio da Prata, que passou a chama-se Província cisplatina e só deixou de ser controlada pelo Brasil em 1827 quando, após dois anos de luta, conquistou sua independência e adotou o nome de República Oriental do Uruguai.

A revolução liberal do Porto

Com a expulsão dos franceses, após a derrota de Bonaparte, Portugal passou a ser dirigido por ingleses, sob total tirania. Em 1820, eclodiu um movimento revolucionário na cidade do Porto, cujas reivindicações eram:

• Retorno imediato da família real;

• Fim do Estado absolutista;

• Juramento pelo monarca de uma constituição;

• Fim da inversão brasileira e retorno a uma situação de colônia.

Ameaçado de perder o trono real, em 1821, D.João VI viu-se obrigado a retornar a Portugal, mas, contrariando a idéia de que o rei era pouco inteligente, ele deixou aqui seu filho Pedro, nomeado regente do Brasil, para que este conduzisse o processo de independência que, a esta altura, já era irreversível.

A situação política e econômica do Brasil se agravou. D.João VI partiu esvaziando os cofres brasileiros, fazendo aumentar as hostilidades entre brasileiros e portugueses. O parlamento português, por sua vez, contra o protesto dos Deputados brasileiros, aprovava uma serie de medidas que determinavam a recolonização do Brasil.

O processo de independência

As pressões internas se acumulavam: havia um clima de conspiração e de apoio às revoltas emancipacionistas – as elites temiam uma revolução popular, sobretudo um levante de escravos e negros libertos e, principalmente e aristocracia, temia o retorno à situação de colônia porque isso significava o fim da liberdade comercial.

O contexto internacional também era favorável a uma ruptura das instituições coloniais. A nova doutrina econômica, o liberalismo, condenava as praticas intervencionistas do mercantilismo e defendia o fim do pacto colonial e a liberdade de comercio. A Inglaterra tinha interesse direto no desfecho da situação porque desejava continuar tendo acesso ao mercado brasileiro.

Pelos interesses que estavam em jogo, a independência já era uma questão de tempo e, agora, tratava-se de não perder o controle da situação. Assim, a elite latifundiária, o regente e seus aliados mais próximos e os próprios representantes dos capitais ingleses se aliaram para conduzir o processo de independência.

Em abril de 1821, teve inicio a negociação para definir as bases em que se organizaria o Estado brasileiro. Participaram desse acordo os portugueses que eram favoráveis a independência, representantes das camadas médias da sociedade, membros da aristocracia rural, o futuro e imperador e até negociantes ingleses.

Do outro lado, as cortes de Lisboa exigiam o retorno de D. Pedro a Portugal. Ao decidir, no dia 9 de janeiro de 1822, que ficaria, o regente deixou claro que havia optado pelo rompimento com Portugal. A parcela da elite que ainda se encontrava indecisa passa a apoiar a independência, desde que a mudança política não alterasse profundamente a estrutura socioeconômica brasileira.

As classes ricas, portugueses e brasileiros, temiam a instalação de uma republica que poderia significar a participação das demais classes nas decisões do poder, por isso defenderam, na sua maioria, a formula da monarquia constitucional sob o comando de D.Pedro, que era o herdeiro do trono português.

Em maio de 1822 D. Pedro institui o Cumpra-se (as leis portuguesas só teriam validade no Brasil com a anuência do regente), em julho foi convocada à realização de uma assembléia nacional constituinte. Em Agosto foi assinado um manifesto dirigido “as nações amigas”, anunciando uma independência que manteria o Brasil como “reino irmão de Portugal”. A elite portuguesa que vivia no Brasil tinha assegurado sua permanência sem riscos a sua vida e ao seu patrimônio; a elite agrária brasileira tinha garantido a liberdade de comercio conquistada em 1808, além da manutenção da concentração de terras e da escravidão. Os representantes do capitalismo inglês continuariam a ter acesso privilegiado ao mercado brasileiro. Para o restante da sociedade nada mudou.

O processo nos mostra que o acontecimento de sete de setembro de 1822 foi bastante irrelevante, uma vez que a independência já estava definida em nome das classes proprietárias.

Segundo a historiadora Emília Viotti da Costa, “A emancipação política realizada pelas categorias dominantes interessadas em assegurar a preservação da ordem estabelecida, cujo único objetivo era romper o sistema colonial no que ele significava de restrição a liberdade de comercio e a autonomia administrativa, não ultrapassaria seus próprios limites. A ordem econômica seria preservada, a escravidão mantida. A nação independente continuaria subordinada a economia colonial, passando do domínio português a tutela britânica. A fachada liberal construída pela elite europeizada ocultava a miséria e a escravidão da maioria dos habitantes do país. Conquistar a emancipação definitiva da nação, ampliar o significado dos princípios constitucionais seria tarefa relegada aos pósteres”. (DA COSTA, EMÍLIA VIOTTI. OP. CIT. P. 54).