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quarta-feira, 28 de julho de 2010

DIVERSIDADE DE GÊNERO

Considerações sobre a condição da mulher na Grécia Clássica (sécs. V e IV a.C.)

Trabalhando fundamentalmente com o caso ateniense, procuraremos apresentar alguns aspectos sobre a condição da mulher no Período Clássico.

Observamos primeiramente que as mulheres gregas em geral eram despossuídas de direitos políticos ou jurídicos e encontravam-se inteiramente submetidas socialmente. A ateniense casada vivia a maior parte do tempo confinada às paredes de sua casa, detendo no máximo o papel de organizadora das funções domésticas, estando de fato submissa a um regime de quase reclusão.

Mesmo antes do casamento, nem se pensava que a jovem pudesse encontrar-se livremente com rapazes, visto que viviam fechadas nos aposentos destinados às mulheres – o gineceu. Deviam lá permanecer para ficar longe das vistas, separadas até dos membros masculinos da própria família.

A inferioridade da mulher e da sua posição pode ser atestada pela Política de Aristóteles que a justificava em virtude da não plenitude na mulher da parte racional da alma, o logos. Observamos inclusive no texto aristotélico, que para tanto faz uso das palavras de Sófocles, que as mulheres deviam, por sua graça natural, permanecer em silêncio, o que é por demais significativo de sua condição numa comunidade democrática, na qual a participação igual na política, ou seja, na vida da Pólis, caracterizava o ateniense, singularmente nas assembléias deliberativas e na ocupação das diversas magistraturas. Jean Pierre Vernant, estudioso do tema, observa mesmo que o que implicava o sistema da Pólis era primeiramente uma fantástica preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos do poder. Palavra que não era mais o termo ritual, a fórmula justa, mas o debate contraditório, a discussão, a argumentação (Vernant, 1989: 34). Calar a mulher significava, portanto, efetivamente, o mesmo que excluí-la inteiramente da cidadania. Vejamos então as palavras de Aristóteles:

"Isto nos leva imediatamente de volta à natureza da alma: nesta, há por natureza uma parte que comanda e uma parte que é comandada, às quais atribuímos qualidades diferentes, ou seja, a qualidade do racional e a do irracional. (...) o mesmo princípio se aplica aos outros casos de comandante e comandado. Logo, há por natureza várias classes de comandantes e comandados, pois de maneiras diferentes o homem livre comanda o escravo, o macho comanda a fêmea e o homem comanda a criança. Todos possuem as diferentes partes da alma, mas possuem-nas diferentemente, pois o escravo não possui de forma alguma a faculdade de deliberar, enquanto a mulher a possui, mas sem autoridade plena, e a criança a tem, posto que ainda em formação. (...) Devemos então dizer que todas aquelas pessoas têm suas qualidades próprias, como o poeta disse das mulheres: ‘O silêncio dá graça as mulheres’, embora isto em nada se aplique ao homem”. (Aristóteles, Política, I, 1260 a-b, pp. 32 e 33).

Segundo Maria da Graça Ferreira Schalcher, tal passagem da Política recoloca em questão a fraqueza da mulher, não apenas na dimensão fisiológica, mas investida de uma conotação ético-metafísica com as relações entre a alma e o corpo, e entre as partes da alma, uma provida e a outra desprovida de razão; a primeira constituindo o elemento hegemônico e a segunda, o elemento subordinado. Ainda que Aristóteles afirme, sublinha Schalcher, em coerência com o fato de a mulher pertencer ao gênero humano, que todas as partes da alma estão nela presentes, ele considera essa presença de forma distinta em relação ao homem, pois apesar de a mulher possuir a capacidade de deliberar, falta a ela a capacidade de decidir.

A participação efetiva da mulher no mundo da Pólis era de todo impensável. O que não significa, entretanto, que não tivessem sido desenvolvidos espaços de fala feminina como esferas próprias de sua atuação social no interior da cidade. Realmente, como salienta Fábio de Souza Lessa, a mulher agia, e agia relevantemente, como elemento de integração social ao romper com o silêncio, ao disseminar informações que revitalizavam o processo de identidade junto ao grupo de parentes, amigas, vizinhas, associações religiosas. Tratando-se de uma sociedade de comunicação fundamentalmente oral, era vital a circulação de informações, a integração era mesmo mantida, segundo Lessa, pelo fato das pessoas dialogarem em suas próprias casas, com seus vizinhos, na Ágora, nos espaços públicos e privados, até mesmo porque nas Póleis as questões privadas tinham claro interesse público. Assim, durante a realização das atividades domésticas que pressupunham um trabalho coletivo, em ocasiões de visitas às vizinhas, nas idas à fonte, na colheita de frutos, as esposas encontravam a possibilidade de dialogarem entre si, transmitindo informações e, simultaneamente, se mantendo informadas acerca dos acontecimentos e dos saberes que circulavam na sociedade da Pólis.

Com relação à condição feminina em Esparta para o mesmo período, observamos que suas mulheres pareciam ter uma “liberdade” maior que as atenienses. Inclusive, Aristóteles na Política, ao criticar as falhas do regime espartano, tratava, logo após a ameaça dos hilotas, a das mulheres. Segundo ele, as espartanas eram até licenciosas, depravadas e luxuriosas. Acusava-as, principalmente, de mandarem nos maridos, deixando subentendido que o motivo disto estava no fato de muitas viúvas casarem novamente, levando consigo os direitos sobre o lote de terra (kléros) cultivado pelos hilotas. Observemos suas palavras:

"(...) da mesma forma que o homem e a mulher são parte da família, é óbvio que a cidade também é dividida em uma metade de população masculina e outra metade de população feminina, de tal forma que em todas as constituições nas quais a posição das mulheres é mal ordenada se pode considerar que metade da cidade não tem leis. Foi isto que aconteceu na Lacedemônia, pois o legislador, querendo que toda a comunidade fosse igualmente belicosa, atingiu claramente o seu objetivo com relação aos homens, mas falhou quanto às mulheres que vivem licenciosamente, entregues a todas as formas de depravação e da maneira mais luxuriosa. Disto resulta inevitavelmente que numa cidade assim estruturada a riqueza é excessivamente apreciada, especialmente se os homens se deixam governar pelas mulheres (...) Existia tal característica entre os Lacedemônios, e no período de sua hegemonia muitos assuntos eram decididos pelas mulheres (...) as mulheres se tornaram possuidoras de cerca de dois quintos de todo o território da Lacedemônia, por causa do grande número delas que herda propriedades e da prática de dar grandes dotes (...) o mau comportamento da mulher não somente infunde um ar de licenciosidade à própria constituição, mas também tende de certo modo a estimular o amor à riqueza” (Aristóteles, Política, VI, 1270 a-b, pp. 60-61).

Ainda que seja difícil considerar literalmente as palavras do Filósofo, ao menos a mulher espartana tinha a possibilidade de uma vida absolutamente não reclusa e, inclusive, uma participação no treinamento militar, dado fundamental nesta sociedade essencialmente guerreira. Mas não devemos ser induzidos a erro, já que isto não significava que as mulheres espartanas tivessem socialmente mais consideração e sim, ao contrário, que sua utilidade era ainda mais diminuída no mundo da pólis.

Marcos Alvito Pereira de Souza informa-nos que as mulheres espartanas, ao contrário das atenienses (onde o fundamental no aprendizado de uma jovem, desenvolvido junto à avó, à mãe ou às criadas da casa, era a vida doméstica e, talvez, um pouco de leitura, cálculo e música), podiam (e deviam) praticar exercícios físicos e praticar jogos, mas isto se dava somente devido à crença que os filhos seriam melhores e mais fortes se ambos os pais fossem fortes ou, em outras palavras, as mulheres continuavam a ser vistas como simples reprodutoras. Se elas eram mais “livres”, podiam sair mais freqüentemente de casa, não tratava-se, como salienta Marcos Alvito, de uma aberração, mas de uma decorrência natural de uma organização social que propositadamente enfraquecia a família, retirando toda a força dos vínculos conjugais, fazendo com que os filhos fossem criados pelo Estado e os maridos só visitassem as esposas de vez em quando. Como se vê, estas mulheres espartanas eram ainda menos importantes no corpo social e na vida de seus maridos que as atenienses, uma vez que se viam privadas de criar os próprios filhos a partir de certa idade e de manter regularmente um relacionamento conjugal com seus maridos. Em resumo, o que se objetivava era fortalecer a comunidade de guerreiros em detrimento da esfera privada - foi a implantação na sua forma radical do ideal militarista e totalitário.

Com relação às diferenças de condição social entre as mulheres casadas e as demais, devemos traçar algumas considerações. Era o quirios da donzela (seu pai, ou, na falta deste, um irmão nascido do mesmo pai, um avô, ou, finalmente seu tutor legal) quem escolhia o marido e por ela tomava as decisões necessárias. A lei fixava a forma do casamento legítimo e este se dava pela engiesis que era, na essência, um contrato, a entrega da mão em troca de um penhor.

Em Atenas, uma jovem podia até casar-se sem dote, mas só em casos excepcionais; parece mesmo que a existência do dote era o sinal que permitia a distinção entre o casamento legítimo e o concubinato. O objetivo fundamental do casamento era a reprodução. Este servia assim a uma finalidade de ordem religiosa e a uma de ordem cívica, pois os filhos perpetuavam a raça e o culto dos antepassados (culto que era considerado indispensável à felicidade dos mortos no outro mundo) e perpetuavam a própria comunidade de cidadãos, pois a mulher, apesar de efetivamente não ser uma cidadã, conforme vimos, transmitia a cidadania aos filhos (após Péricles, os atenienses são os filhos de pai e mãe ateniense). Em caso de adultério ou esterilidade, concedia-se a ruptura do casamento, acompanhado de ritos religiosos, que funcionavam como uma contrapartida dos ritos nupciais. Normalmente a ruptura era amigável, mas se houvesse desacordo entre os cônjuges, os tribunais decidiam a desavença e, conforme dessem ou negassem razão ao marido, este ou podia conservar o dote, ou era obrigado a devolvê-lo. Entretanto parece que repúdios e divórcios eram facilmente conseguidos pelos homens e dificilmente pelas mulheres. Esperava-se das mulheres casadas que elas não se interessassem pelas coisas de fora de suas casas. Poucas ocasiões lhes eram mesmo dadas para falar com os maridos por muito tempo. Estes, inclusive, não deviam tomar as refeições na companhia de suas esposas e quando se recebia amigos, a esposa não devia comparecer na sala do festim. Seus deveres eram, conforme comentamos, os da dona de casa e só saíam às ruas para fazer compras acompanhadas por uma escrava, ou por ocasião das festas da cidade, ou de certos acontecimentos familiares.

As necessidades carnais e sentimentais que os homens não satisfaziam junto à sua esposa reprodutora, iam fazê-lo fora do casamento com rapazes ou concubinas e cortesãs. Uma questão que logo se coloca é a da presença do que poderíamos chamar hoje de amor nestas relações extraconjugais. Robert Flacelière nos afirma que o “amor” (mais exatamente, relações com afeição) não se dava obrigatoriamente só nas relações homossexuais, ou seja, em relações entre iguais, mas também podia aparecer nos contatos com cortesãs e concubinas, ou seja, nestas relações entre superiores e inferiores já que entre homens e mulheres (Flacelière, s/d: 83).

Jean-Jacques Maffre, ao contrário, salienta que as relações heterossexuais, todas elas, pareciam ser adversas ao “amor”. O homossexualismo masculino, inicialmente favorecido por uma camaradagem militar tal como se praticava em Esparta e Tebas ainda na Idade Clássica, em Atenas significava mais uma iniciação do jovem pelo adulto em todos os domínios, assim sendo a ligação entre erastes (amante) e erômenos (amado) devia cessar assim que adviessem os pêlos, quando o jovem se tornava adulto e devia se preparar para casar (por volta de 18 anos ou mais); normalmente as relações homossexuais masculinas entre adultos eram mal vistas em Atenas. Parece também que no século IV grande foi o desenvolvimento do concubinato que gozava de uma situação legal publicamente reconhecida. As concubinas podiam ser atenienses, escravas ou estrangeiras, ainda que, como saliente Maffre, fossem normalmente escravas da casa (Maffre, 1989: 89). Já as cortesãs eram normalmente escravas de fora (ligadas a bordéis ou independentes) que geralmente contentavam-se com modestas remunerações. Havia também as hetairas que, ao contrário, custavam somas elevadíssimas, pois eram cortesãs de luxo. É provável que muitas cortesãs, sobretudo as últimas, recebessem educação mais livre e mais lata que as esposas de Atenas, sobretudo no que diz respeito à música, ao canto e à dança.

Os movimentos emancipacionistas e independência do Brasil: Cidadania, direitos civis e direitos políticos.

Os Movimentos Emancipacionistas

A partir de 1760 a situação internacional passou a estimular definitivamente o fim do colonialismo. Além da Inglaterra, onde a revolução industrial exigia a redefinição das relações econômicas internacionais, em outras áreas do mundo, as transformações ocorridas no passo da era das revoluções iam de encontro aos anseios de liberdade já presentes na colônia. Nas treze colônias inglesas da América do norte a independência conquistada definitivamente em 1783 além de dar validade prática aos ideais iluministas, se constituía no maior estimulo a outros movimentos de libertação colonial (alguns bastante radicais como a independência do Haiti, protagonizada por escravos). Na Europa, a propagação dos ideais iluministas contribuía para dar maior alcance aos princípios de igualdade civil e liberdade política. Com isso, o centro nevrálgico do absolutismo era contestado o que foi decisivo para o questionamento ao seu principal elemento de sustentação: a política econômica mercantilista e os monopólios coloniais.

Características principais:

• Contestavam a dominação colonial como um todo: exploração econômica e opressão política.

• Caráter emancipacionista: Lutam pela separação em relação a metrópole e expressam preocupações com a unidade nacional.

• Expressaram a consciência da elite colonial de que seus objetivos só seriam alcançados com a definitiva separação em relação a Portugal.

REBELIÕES EMANCIPACIONISTAS: QUADRO SINÓPTICO

Analisando os movimentos emancipacionistas do século XVIII e descortinando os caminhos da emancipação política, a historiadora Emília Viotti da Costa afirmou: “Para o povo composto de negros e mestiços, a revolução da independência configurava-se como uma luta contra os brancos e seus privilégios. Para os despossuídos a revolução significava a eliminação das barreiras de cor, na realização da igualdade econômica e social, na subversão da ordem. Para os representantes das categorias superiores da sociedade, fazendeiros ou comerciantes, a condição necessária da revolução, no entanto, era a manutenção da ordem e a garantia de seus privilégios. Dessa forma, o movimento que aglutinava elementos pertencentes a diferentes estratos da sociedade representava aspirações até mesmo contraditórias. As formulas abstratas constantes dos programas dos revolucionários ocultavam os diferentes sentidos que cada grupo os atribuía. Depois da independência, as formulas amplas e universalizantes do liberalismo retórico foram definidas nos seus termos concretos, ficando evidentes os seus limites. A partir de então ficaria claro para quem e por quem tinha sido o pais feito independente. Para as elites que tiveram a iniciativa e o controle do movimento, liberalismo significava apenas a liquidação dos laços coloniais. Não pretendiam reformar a estrutura de produção e a estrutura da sociedade. Por isso a escravidão seria mantida, assim como a economia de exportação. Por isso o movimento de independência seria menos antimonárquico do que anticolonial, menos nacionalista do que antimetropolitano. Por isso também a idéia de separação completa de Portugal só se configurou claramente quando se revelou impossível manter a dualidade das coroas e, ao mesmo tempo, preservar a liberdade de comercio”. (DA COSTA, Emília Viotti. Da Monarquia a República – Momentos decisivos. São Paulo: Brasiliense, 1977, P. 33).
 
O período joanino e a independência do Brasil (1808-1822).

A Europa no início do século XIX – As guerras napoleônicas

No início do século XIX, a Europa vivia o pleno estabelecimento do capitalismo industrial fato que desencadeava tensões e conflitos no continente. A Inglaterra, maior potencia industrial e a França, em plena era napoleônica, seriam os principiais protagonizadores das guerras européias do inicio do século XIX, as quais teriam repercussões sobre os rumos do Brasil.

A situação de Portugal

O tratado de Methuen, 1703, havia aberto o mercado português para a entrada de manufaturados ingleses em troca da exportação do vinho lusitano. Isso assegurou aos ingleses a hegemonia econômica e política sobre os portugueses.

Em 1806, em pleno desenvolvimento da expansão territorial, Napoleão Bonaparte decretou o bloqueio continental, proibindo os países europeus de comerciarem com os ingleses. Objetivava com isso sufocar economicamente à Inglaterra, já que não havia realizado a sua conquista no plano militar. Em meio a esse conjunto de disputas, a situação de Portugal complicava-se. De um lado a França exigia o fechamento dos portos portugueses as mercadorias inglesas, de outro a Inglaterra pressionava os portugueses pela assinatura de um acordo secreto que estabelecia:

• A transferência da administração portuguesa para o Brasil.

• A entrega da esquadra portuguesa aos britânicos.

• A entrega da ilha da Madeira, tradicional ponto estratégico africano, aos ingleses.

• A concessão de um porto livre, Santa Catarina, aos ingleses.

• A assinatura de novos tratados comerciais com os ingleses, logo após a transferência da corte portuguesa para o Brasil.

Em 1807, França e Espanha assinaram o tratado de Fontainebleau, que permitia a invasão de Portugal pelos franceses e estabelecia a divisão das colônias portuguesas entre França e Espanha, ao mesmo tempo em que os portugueses ratificaram a sua convenção com os ingleses.

Em 1808 consolidou-se a situação. As tropas comandadas pelo General Junot invadiram o norte de Portugal e a corte entrou em pânico. Em toque de fuga, cerca de 15.000 portugueses embarcaram para o Brasil. Dois dias depois, tropas francesas entraram em Lisboa e consolidaram a ocupação. Com a fuga da corte portuguesa os grandes vencedores foram os ingleses, agora, alçados a posição de detentores do mercado brasileiro.

A revolução liberal do Porto

Com a expulsão dos franceses, após a derrota de Bonaparte, Portugal passou a ser dirigido por ingleses, sob total tirania. Em 1820, eclodiu um movimento revolucionário na cidade do Porto, cujas reivindicações eram:

• Retorno imediato da família real;

• Fim do Estado absolutista;

• Juramento pelo monarca de uma constituição;

• Fim da inversão brasileira e retorno a uma situação de colônia.

Ameaçado de perder o trono real, em 1821, D.João VI viu-se obrigado a retornar a Portugal, mas, contrariando a idéia de que o rei era pouco inteligente, ele deixou aqui seu filho Pedro, nomeado regente do Brasil, para que este conduzisse o processo de independência que, a esta altura, já era irreversível.

A situação política e econômica do Brasil se agravou. D.João VI partiu esvaziando os cofres brasileiros, fazendo aumentar as hostilidades entre brasileiros e portugueses. O parlamento português, por sua vez, contra o protesto dos Deputados brasileiros, aprovava uma serie de medidas que determinavam a recolonização do Brasil.

O processo de independência

As pressões internas se acumulavam: havia um clima de conspiração e de apoio às revoltas emancipacionistas – as elites temiam uma revolução popular, sobretudo um levante de escravos e negros libertos e, principalmente e aristocracia, temia o retorno à situação de colônia porque isso significava o fim da liberdade comercial.

O contexto internacional também era favorável a uma ruptura das instituições coloniais. A nova doutrina econômica, o liberalismo, condenava as praticas intervencionistas do mercantilismo e defendia o fim do pacto colonial e a liberdade de comercio. A Inglaterra tinha interesse direto no desfecho da situação porque desejava continuar tendo acesso ao mercado brasileiro.

Pelos interesses que estavam em jogo, a independência já era uma questão de tempo e, agora, tratava-se de não perder o controle da situação. Assim, a elite latifundiária, o regente e seus aliados mais próximos e os próprios representantes dos capitais ingleses se aliaram para conduzir o processo de independência.

Em abril de 1821, teve inicio a negociação para definir as bases em que se organizaria o Estado brasileiro. Participaram desse acordo os portugueses que eram favoráveis a independência, representantes das camadas médias da sociedade, membros da aristocracia rural, o futuro e imperador e até negociantes ingleses.

Do outro lado, as cortes de Lisboa exigiam o retorno de D. Pedro a Portugal. Ao decidir, no dia 9 de janeiro de 1822, que ficaria, o regente deixou claro que havia optado pelo rompimento com Portugal. A parcela da elite que ainda se encontrava indecisa passa a apoiar a independência, desde que a mudança política não alterasse profundamente a estrutura socioeconômica brasileira.

As classes ricas, portugueses e brasileiros, temiam a instalação de uma republica que poderia significar a participação das demais classes nas decisões do poder, por isso defenderam, na sua maioria, a formula da monarquia constitucional sob o comando de D.Pedro, que era o herdeiro do trono português.

Em maio de 1822 D. Pedro institui o Cumpra-se (as leis portuguesas só teriam validade no Brasil com a anuência do regente), em julho foi convocada à realização de uma assembléia nacional constituinte. Em Agosto foi assinado um manifesto dirigido “as nações amigas”, anunciando uma independência que manteria o Brasil como “reino irmão de Portugal”. A elite portuguesa que vivia no Brasil tinha assegurado sua permanência sem riscos a sua vida e ao seu patrimônio; a elite agrária brasileira tinha garantido a liberdade de comercio conquistada em 1808, além da manutenção da concentração de terras e da escravidão. Os representantes do capitalismo inglês continuariam a ter acesso privilegiado ao mercado brasileiro. Para o restante da sociedade nada mudou.

O processo nos mostra que o acontecimento de sete de setembro de 1822 foi bastante irrelevante, uma vez que a independência já estava definida em nome das classes proprietárias.

Segundo a historiadora Emília Viotti da Costa, “A emancipação política realizada pelas categorias dominantes interessadas em assegurar a preservação da ordem estabelecida, cujo único objetivo era romper o sistema colonial no que ele significava de restrição a liberdade de comercio e a autonomia administrativa, não ultrapassaria seus próprios limites. A ordem econômica seria preservada, a escravidão mantida. A nação independente continuaria subordinada a economia colonial, passando do domínio português a tutela britânica. A fachada liberal construída pela elite europeizada ocultava a miséria e a escravidão da maioria dos habitantes do país. Conquistar a emancipação definitiva da nação, ampliar o significado dos princípios constitucionais seria tarefa relegada aos pósteres”. (Da Costa, Emília Viotti. Op. Cit. P. 54).

Na Paraíba, alguns eventos históricos marcaram a transição para a ordem imperial:

• Em junho de 1821 foram juradas as bases da constituição portuguesa e são eleitos os Deputados paraibanos às cortes.

• Entre este último período e o sete de Setembro de 1822, a Paraíba escolhe sua própria junta governativa e sucedem-se confrontos entre portugueses e brasileiros. A junta governativa declara-se fiel a D. Pedro e se pronuncia pela autonomia e o regime constitucional. São eleitos os Deputados à Assembléia constituinte convocada para o Rio de Janeiro e, finalmente, procede-se a aclamação de D. Pedro como imperador da nova nação.

• Apesar do juramento de fidelidade ao Imperador, permaneceram suspeitas sobre uma possível recolonização. Com a restauração do absolutismo em Portugal, aprofunda-se um clima político inquietante. A dissolução da Assembléia constituinte por D. Pedro I em 1823 e a outorga de uma constituição em 1824, reacenderiam o facho de revolta que desembocaria na adesão da Paraíba ao movimento da Confederação do Equador. Antes, porém, o duelo travado por forças constitucionalistas e absolutistas durante a assembléia de 1823 constitui capítulo importante deste momento histórico.

TEXTO DE APROFUNDAMENTO

CIDADANIA E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NA ÉPOCA DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

LÚCIA MARIA BASTOS P . NEVES (Departamento de História da UERJ)

“Sem dúvida, nesse momento histórico (1820/22), seria um anacronismo atribuir à idéia de opinião pública a concepção de uma pluralidade de indivíduos que se exprimem em termos de aprovação ou sustentação de uma ação, servindo de referencial a um projeto político definido, com o poder de alterar os rumos dos acontecimentos. Apesar disso, entre 1821 e 1822, ela não podia ser ignorada. Como informava o redator do Macaco Brasileiro, o príncipe D. Pedro conhecia e buscava “este termômetro”, percebendo que o idolatravam pelo “calor e energia com que soube merecer o título de Perpétuo Defensor do Brasil. De acordo com a utopia das Luzes, todo cidadão – qualidade inseparável de todo o homem, que vem a este mundo – devia ter acesso ao saber político para, uma vez instruído, poder representar adequadamente o seu papel de membro ativo da comunidade política, fosse como representante da nação, fosse como eleitor, recaindo sobre si a responsabilidade pela escolha dos membros do Poder Legislativo. Com esse espírito, tanto as primeiras eleições para os deputados brasileiros às Cortes de Lisboa quanto aquelas para a Assembléia Constituinte brasileira, embora utilizassem um método indireto, não estabeleciam censo algum, podendo ser votante todo cidadão com mais de 25 anos. Nessas condições, era a conclusão lógica, todo cidadão precisava adquirir conhecimento para bem servir à Nação. Assim sendo, o voto, direito que cada cidadão exercia individualmente, adquiriu uma importância fundamental que pode ser aquilatada pelo testemunho do compromissário da freguesia da Candelária do Rio de Janeiro, o bacharel Basílio Ferreira Goulart, ao descrever as eleições realizadas em abril de 1821, nessa cidade: “Nós não temos outra arma, senão o nosso voto: isto é, com que defenderemos nossos direitos, nossos foros pelos nossos representantes”. Num mundo que as desconhecia, as eleições revestiram-se, assim, de um significado extraordinário, absorvendo grande parte do simbolismo dos valores do homem liberal.

Apesar de tudo isso, a própria organização social no Brasil, dominada pela escravidão, acabava por restringir a possibilidade de informar as camadas mais baixas da população e, sobretudo, de dotá-la de meios para agir em função das novas perspectivas fornecidas por esses escritos. Na realidade, o povo que participou das manifestações em prol da nova ordem constitucional, embora constituído por diversas categorias – como funcionários, pequenos comerciantes, artesãos, caixeiros e soldados rasos –, não admitia os cativos, que formavam quase um terço da população, e tendia a excluir, a não ser como massa de manobra de interesses originados em outros planos, aqueles situados nas fímbrias da sociedade. O redator do jornal A Malagueta, em seu primeiro número, reconhecia que seu objetivo era o de provocar a análise crítica e justa de todos os cidadãos, isto é, “proprietários, gentes de guerra, diplomatas, legistas, comerciantes, lavradores, artistas, e de todos os que aqui compõem a grande família de homens livres”. Em 1823, o mesmo redator distinguia “três castas de cidadãos e de hierarquias”. Aos membros da família imperial e da aristocracia dos homens brancos atribuía um papel de liderança, mas reconhecia que também os homens libertos de cor eram admissíveis ao civismo. Os escravos, porém, constituíam um “Terceiro Estado”, sem direito algum. Dessa forma, ainda que houvesse a preocupação de instruir o povo nas novas práticas políticas, com o intuito de didaticamente transformá-lo em um conjunto de cidadãos, eram as elites que constituíam o público real desses jornais e folhetos e foi entre suas diversas facções que se jogaram os destinos da independência.

A consciência, porém, desse obstáculo interposto pela escravidão ao progresso da civilização, com que sonhavam os liberais, não esteve de todo ausente das preocupações da elite. Já em 1821, José Bonifácio de Andrade e Silva ao redigir, em sua essência, as Lembranças e apontamentos do governo provisório de São Paulo para os seus deputados, embarcados para o Congresso de Lisboa, chamava a atenção para a necessidade “de legislar e dar as providências mais sábias e enérgicas” sobre duas questões fundamentais à prosperidade e conservação do reino do Brasil: a catequização geral e progressiva dos índios bravos e a melhoria “da sorte dos escravos, favorecendo a sua emancipação gradual e conversão de homens imorais e brutos em cidadãos ativos e virtuosos”. “Combinar sabiamente tantos elementos discordes e contrários, e em amalgamar tantos metais diversos, para que saia um todo homogêneo e compacto, que não se esfacele ao pequeno toque de qualquer nova convulsão política”, era o seu objetivo. Somente assim seria possível formar “em poucas gerações uma nação homogênea, sem o que nunca seremos verdadeiramente livres, respeitáveis e felizes”. No entanto, para as elites, acima de tudo, devia preservar-se a integridade do futuro império brasileiro e, na conjuntura incerta da independência, ainda que fosse preciso conter o aumento do número de escravos, para manter a ordem e evitar tumultos sociais, isso significava a manutenção do sistema escravista. Em contraponto, não deixa de ser interessante verificar, por fim, a situação do outro grande contingente excluído, o das mulheres. Embora não possuíssem o direito de voto e não fossem consideradas cidadãs plenas, o novo clima gerado pelos acontecimentos de 1820 fez com que surgisse na imprensa, de maneira um tanto surpreendente, discussões sobre os direitos políticos das mulheres, considerados até mesmo no próprio plenário das Cortes de Lisboa. Nele, Domingos Borges de Barros, deputado brasileiro pela província da Bahia, apresentou a proposta de que a mãe de seis filhos legítimos tivesse voto nas eleições e, apesar de ligar a cidadania da mulher à maternidade, não deixou de levantar outros aspectos bastante modernos para a época. Recorrendo a exemplos ilustres, como Madame de Staël – nome este inúmeras vezes vetado, na época, pelos censores régios –, o sexo frágil, segundo ele, não apresentava defeito algum que o privasse daquele direito, embora os homens, ciosos de mandar e temendo a superioridade das mulheres, preferissem conservá-las na ignorância. Ao contrário, as mulheres rivalizavam com os homens, ou mesmo os excediam, em talentos e em virtudes. Contudo, nem todos pensavam como ele. O deputado português Borges Carneiro defendeu que a proposta não fosse admitida à discussão, pois se tratava do exercício de um direito político, e dele são as mulheres incapazes, já que elas não têm voz na sociedade pública, posição esta que, colocada em votação, foi acatada pela maioria, como registra o Diário das Cortes.

No Brasil, a participação da mulher como membro integrante da sociedade política não deixou de ficar consignada em alguns documentos, em especial, algumas cartas de mulheres paraibanas, publicadas em 1823, no jornal Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco, de autoria de Cipriano Barata. Nele encontram-se três cartas das “matronas liberais”, que agradecem o grande trabalho do redator em esclarecê-las sobre as obrigações que deveriam ter com a Pátria. Consideravam-se “metade da sociedade humana” e, apesar de reconhecerem a fraqueza de seu sexo, não cediam “em valor, nem em patriotismo ao mais intrépido e guerreiro cidadão”, declarando que se encontravam “na firme resolução (se preciso for) de unidas aos nossos esposos, pais, filhos e irmãos” lançarem “mãos das armas” e fazerem “a mais cruenta guerra aos sectários do nefando despotismo”. A primeira das cartas, escrita em junho de 1823, trazia cem assinaturas. Seguiu-se uma outra, de Leocádia de Melo Moniz, redigida no mesmo mês, e uma terceira, com 21 assinaturas, datada de setembro do mesmo ano. Apesar de não reivindicarem direito de voto ou participação política, depreende-se dessas missivas que essas mulheres se colocavam em pé de igualdade com os homens em função de seu patriotismo e da luta pela liberdade.

Essas atitudes originais evidenciam o quanto o período da independência foi rico em debates. Essa fermentação, no entanto, não foi suficiente para gerar uma revolução, como quis ver José Honório Rodrigues (1975-1976). Sem dúvida, os autores desses jornais e panfletos foram capazes de ver na palavra escrita uma fonte de poder capaz de produzir reformas e, ao divulgarem o ideário do liberalismo, por meio de uma pedagogia do constitucionalismo, forjaram o separatismo que, durante o ano de 1822, levaria ao rompimento entre o Brasil e a antiga metrópole. Mais importante ainda, criaram as bases ideológicas sobre as quais, posteriormente, iria assentar-se o novo país. Contudo, ao temerem qualquer alteração brusca da ordem social e ao fecharem os olhos para os problemas específicos da implantação do liberalismo na América portuguesa – em particular, as contradições criadas pela escravidão –, acabaram implantando um simulacro do ideário que defendiam. O resultado foi que, ao invés

de dar origem à participação política e à noção de cidadania, a independência redundou num modelo de nação do qual a maioria ficou excluída, valendo a cultura política gerada pelos inúmeros textos impressos somente como um instrumento educacional da própria elite, a fim de garantir o lugar que ocuparia na estrutura de poder do futuro Império do Brasil.

No fundo, ainda que essa proposta de um Império brasileiro – decorrente de uma percepção ilustrada da realidade, que se generalizou no início do século XIX pelo mundo luso-brasileiro, em oposição à visão litúrgica característica do Antigo Regime – reconhecesse na política do Estado um instrumento de ação sobre a sociedade, ela não foi capaz de criar normas impessoais escritas, sob a forma de lei, que elevassem os súditos à condição de cidadãos. Ao contrário, como já assinalou, mais uma vez, José Murilo de Carvalho (1996), a cidadania no Brasil foi construída de cima para baixo, predominando a cultura política que Almond e Verba denominaram súdita, quando não paroquial, em que o relacionamento dos indivíduos com o Estado, que define a cidadania, consiste na submissão passiva ao produto de decisões político-administrativas situadas em outra esfera. Situação paradoxal que faz com que se contraponham “a grande dependência em relação ao Estado e o extremado legalismo à atitude freqüentemente desrespeitosa e anarquizante diante do poder e das leis”.

Nessa perspectiva, o liberalismo no mundo luso-brasileiro padeceu de limites profundos, estabelecidos pelas dimensões restritas da esfera política propriamente pública. A cultura política Da independência implantou, sem dúvida, certas práticas fundamentais do liberalismo, capazes de converter a Coroa em Estado, ao extrair a política dos círculos palacianos para situá-la na praça pública; ao organizar a sociedade por meio de uma Constituição, ainda que outorgada; e ao estabelecer uma divisão de poderes que definia algum espaço para a participação dos cidadãos, como as eleições. A autêntica vida pública, porém, não foi capaz de estender-se além de uma elite, mais intelectual e política que social, sediada nas principais cidades e temerosa de afetar os interesses quase sempre mudos dos poderosos de todas as latitudes. Neste sentido, as hesitações do poder, que não conseguia substituir as velhas armas da censura e da repressão pela novidade da ideologia, e a cesura fundamental da sociedade, enraizada na visão de mundo tradicional, que distinguia livres e cativos, inviabilizaram a condução do liberalismo e da prática da cidadania às suas últimas conseqüências. Os argumentos liberais permaneceram meros artifícios retóricos, que, ao criarem a ilusão da política (Furet, 1983), possibilitaram, e continuariam possibilitando, que o mais importante ficasse subterrâneo, emperrando a formação da nação, ao legitimar o domínio tradicional de uma pequena elite e ao assegurar a exclusão dos demais”.

(Caderno Cedes, Campinas, v. 22, n. 58, p. 47-64, dezembro/2002). Disponível em http://www.cedes.unicamp.br

terça-feira, 6 de julho de 2010

Independência dos Estados Unidos e a Questão da cidadania

Lutas anti-coloniais, direitos civis e políticos: a independência dos Estados Unidos.


A segunda metade do século XVIII é conhecida como parte integrante da chamada Era das Revoluções. Observa-se, nesse período, a derrocada dos antigos mecanismos que davam sustentação ao Estado absolutista e ao sistema colonial e, com isso, sua queda. Em seu lugar, surgiria, então, um Estado Nacional de características liberais, respondendo aos anseios da burguesia emergente. Podemos concluir, portanto, que a Idade Moderna representou o momento final da transição do sistema feudal ao Capitalista, e, nesse contexto, o Estado Nacional Absolutista representou o último entrave a ser vencido pela burguesia em ascensão.

A independência dos Estados Unidos inaugurou uma nova etapa da história. A Revolução Industrial (1760) e a Revolução Francesa (1789-1799) coroaram um período de transformações radicais. O primeiro sinal da ruína do Antigo Regime foi o rompimento das colônias norte-americanas com a metrópole inglesa. O fim do Pacto Colonial evidenciou as novas práticas que seriam agora adotadas, influenciadas pelo Iluminismo e pelo Liberalismo. A consolidação do Estado burguês virá com a Revolução Francesa e a nova divisão do trabalho se consolidará com a Revolução Industrial.

As treze colônias inglesas e seu processo de independência

Durante grande parte do período em que a Inglaterra exerceu domínio sobre a América Anglo-Saxônica, o Pacto Colonial inglês não se caracterizou pela extrema rigidez imposta por outros países a outras áreas coloniais. De fato, as Treze Colônias não representavam o total interesse da Inglaterra na América e segundo Eduardo Galeano, “era mais importante para a Inglaterra uma ilhota no Caribe do que as colônias da costa leste da América do Norte” (As Veias Abertas da América Latina).

A colonização de povoamento, aliada à política de tolerância adotada pela Inglaterra, propiciou às colônias do Norte e do Centro um desenvolvimento autônomo, cuja economia era baseada no comércio e produção de manufaturas. As colônias do Sul, que praticavam a economia agroexportadora, sobretudo de algodão, eram rigidamente controladas pelas regras do Pacto Colonial, embora durante o século XVII os problemas internos vividos pela Inglaterra (revoluções puritana e gloriosa) tivessem dificultado o processo de fiscalização.

Após a Guerra dos Sete Anos (1756-1763) com a França, a economia da Inglaterra encontrava-se seriamente abalada. Apesar da vitória inglesa na guerra, impondo à França perdas de territórios coloniais como parte do Canadá e a Índia, o conflito repercutiu negativamente nas finanças da Grã-Bretanha; tornou-se necessário recuperar o prejuízo. Outro importe fato que repercutiu negativamente para os colonos ingleses foi a revolução industrial, iniciada na Inglaterra a partir de meados do século XVIII. Com o aumento da produção possibilitado pelas transformações técnicas e tecnológicas da época, tornava-se vital transformar as colônias em consumidoras do excedente industrial inglês.

Como era habitual no comportamento metropolitano, a Coroa Inglesa resolveu se socorrer de suas colônias para alavancar a economia. Londres restringiu a liberdade econômica das suas colônias na América do Norte, endurecendo o Pacto Colonial. Para Leandro Karnal, estudioso da independência e da construção do conceito e da pratica da cidadania nos Estados Unidos, “Envolvidos nas suas disputas internas que levariam à decapitação de Carlos I, à República e à deposição de Jaime II, os ingleses pouca atenção deram às suas colônias. Essa `negligência salutar´, como foi definida muitas vezes, implicava uma relativa liberdade de comércio. Mesmo que não tenha sido total, foi muito maior que nas colônias ibéricas ao sul e as leis restritivas da Inglaterra eram, quase sempre, letra morta. A partir da segunda metade do século XVIII existe, entretanto, uma visível mudança no comportamento colonial inglês. As razões são complexas, mas usualmente atribuídas às dividas contraídas pelo governo de Londres durante a chamada guerra dos sete anos com a França (1756-1763) e as novas necessidades ditadas pela Revolução industrial. A face visível da mudança está na imposição de legislação de caráter mercantilista, reduzindo a liberdade que predominara no período anterior. As leis não eram em si, novas, mas vinham acompanhadas de vontade concreta de execução. Assim, os colonos passaram a receber, sistematicamente, leis restritivas como a do açúcar, a do selo, a do chá etc. No exato momento em que a Coroa ibérica passava a flexibilizar o mercantilismo nas suas colônias (por meio das chamadas reformas bourbonicas), a coroa britânica passava a tentar implantá-lo de fato”. (KARNAL, Leandro. Estados Unidos, liberdade e cidadania. in PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Bassanezi (Orgs.). História da cidadania. 4ºEd. São Paulo: Contexto, 2008, p. 138).

O arrocho colonial

O Parlamento Inglês decretou uma série de impostos coloniais a fim de aumentar a arrecadação. As principais leis de impostos coloniais foram:

• 1764 – Sugar Act (Lei do Açúcar): todo açúcar não oriundo das Antilhas Britânicas seria altamente taxado. Afetava principalmente os contrabandistas que atuavam no comércio triangular, envolvendo o Caribe Espanhol (Cuba), a costa da Nova Inglaterra e a África.

• 1765 – Stamp Act (Lei do Selo): incidia sobre livros, jornais e documentos publicados na colônia, que teriam de receber o selo da Coroa e o valor seria incorporado ao preço.

Essas leis fizeram com que os colonos exigissem representatividade junto ao Parlamento Britânico para defender seus interesses. A pressão colonial, aliada à atuação do parlamentar William Pitt, fez com que o Stamp Act fosse revogado. Em 1766, no entanto, as relações entre as Treze Colônias e a metrópole já estavam comprometidas.

Em 1767, o Parlamento, através do então Primeiro Ministro, Towshend, retomou o arrocho colonial. A reação na colônia foi imediata, colocando em confronto os colonos e o exército inglês. Em Boston, uma manifestação acabou sendo tragicamente dispersada pelos canhões britânicos e o episódio ficou conhecido como o Massacre de Boston devido à violência das tropas metropolitanas.

Com os ânimos exaltados, a Inglaterra decidiu diminuir o arrocho. Contudo, em 1773, a situação volta a se agravar com a decretação de mais uma lei, o Tea Act (Lei do Chá). Por esse decreto, o comércio de chá nas colônias ficou sob monopólio da Companhia das Índias Orientais, controlada por comerciantes metropolitanos. O monopólio da Companhia prejudicava os comerciantes da colônia que ficaram proibidos de comercializar o chá.

Na noite de 16 de dezembro de 1773, em resposta ao Tea Act, colonos disfarçados de índios atacaram três navios da Companhia no porto de Boston e jogaram a carga de chá no mar. Esse episódio foi denominado Boston Tea Party (Festa do Chá de Boston). A situação ficava cada vez mais insustentável e já se evidenciava o processo de ruptura colonial.

Radicais e conservadores

Havia um sentimento generalizado na sociedade norte-americana em favor da autonomia frente à metrópole, mas esse sentimento tinha gradações diferenciadas, que se polarizavam em dois grupos: conservadores e radicais.

• Conservadores. Formado principalmente pelos grandes proprietários rurais do Sul e grandes comerciantes do Norte e do Centro, ou seja, a aristocracia rural e a alta burguesia. Queriam o fim da excessiva exploração metropolitana, mas tinham medo da instalação de um governo que tivesse a participação das camadas populares, o que poderia significar o fim de seus privilégios.

• Radicais. Grupo formado pelos pequenos proprietários, pequenos comerciantes, trabalhadores livres e pessoas que defendiam os ideais iluministas. Defendiam a ruptura definitiva com a Inglaterra, a criação de um governo que atendesse às necessidades da maioria, os valores democráticos, a igualdade política entre todos os cidadãos e a igualdade de oportunidades. Foram os fundadores dos valores patrióticos característicos da sociedade norte-americana. É necessário entender que os valores democráticos defendidos pelos radicais não se estendiam a toda a população das treze colônias. Eles entendiam como cidadãos plenos, ou seja, aqueles que têm direitos civis e políticos, apenas a população masculina, branca e de origem anglo-saxônica. As mulheres, a população indígena e os afro-americanos ficavam de fora dos ideais de igualdade e de liberdade (sobretudo os afro-americanos escravizados). Os radicais reuniam-se em organizações que tinham a função de ordenar as ações populares contra os abusos da metrópole. Estima-se que havia centenas de organizações desse tipo, espalhadas por várias colônias, atuando em conjunto ou separadamente. A mais conhecida dessas organizações era a “Filhos da Liberdade”. Essas associações conferiram ao processo de independência dos Estados Unidos um caráter popular, embora, paradoxalmente, muitos radicais defendessem a manutenção do estatuto escravocrata.

A guerra de independência

Uma série de medidas retaliadoras tomadas pela metrópole, em 1774, para responder às manifestações coloniais, ficaram conhecidas como Leis Intoleráveis (fechamento do porto de Boston, exigência de indenização pela perda da carga de chá e ocupação militar da colônia de Massachussets) e tiveram uma repercussão extremamente negativa entre os colonos.

Em setembro de 1774, os colonos se reuniram no Primeiro Congresso Continental da Filadélfia, onde decidiram boicotar economicamente a Inglaterra enquanto vigorassem as Leis Intoleráveis. Essa decisão teve o efeito de uma declaração de guerra. O governo inglês mobilizou suas tropas em direção a colônia rebelada; os colonos se armaram para resistir ao avanço metropolitano. Em 1775, Lexington e Concord foram atacadas pelas tropas inglesas, o que determinou o início da guerra de independência.

O conflito armado começou em abril de 1775, e deixou claro aos colonos que havia a necessidade de uma organização militar de grande porte para fazer frente ao exército inglês. Thomas Jefferson e Dickinson redigiram um documento intitulado “Declaração sobre os Motivos e a Necessidade de Pegar em Armas”, no qual ficava clara a forma de reação dos colonos. O comando das operações militares foi entregue a George Washington, um conservador do Sul, capaz de impor confiança aos grandes proprietários sempre temerosos de que o conflito colocasse em risco seus bens.

É necessário entender que, antes do inicio da guerra, os habitantes das colônias da América do Norte entendiam que eram ingleses, assim como as pessoas que moravam aqui no Brasil entendiam que eram portuguesas, uma vez que a colônia era uma extensão do território metropolitano além-mar. Foi necessária uma grande doutrinação para que os colonos passassem a pensar em si próprios como americanos, e não como ingleses, caso contrário corria-se o risco de um retrocesso no processo de independência. Por isso, faz parte da luta de independência norte-americana uma vasta literatura escrita pelos lideres do movimento, que tinha a função de realizar essa doutrinação.

Talvez o mais importante documento com esse caráter tenha sido o panfleto escrito por Thomas Paine em janeiro de 1776. O pequeno texto, intitulado “Senso Comum”, argumentava que uma ilha (Inglaterra) não devia governar um “continente” (América do Norte) e expressava com clareza a idéia de independência. O panfleto de Paine colocava para as pessoas comuns de forma clara e direta as idéias de liberdade que os radicais já discutiam há anos. Seu efeito foi imediato e arregimentou grande número de populares para a luta. A pressão popular obrigou os conservadores, ainda reticentes quanto à ruptura com a Inglaterra, a se colocarem a favor da independência.

No Segundo Congresso Continental da Filadélfia ficou decidida a ruptura com a metrópole. Thomas Jefferson, com a colaboração de Benjamin Franklin, Roger Sherman, John Adams e Robert Livingston, escreveu a Declaração de Independência, que foi aprovada pelo Congresso no dia 4 de julho de 1776. A declaração de independência afirmava: “Consideramos como uma das verdades evidentes por si mesmas que todos os homens são criados iguais; que receberam do seu criador certos direitos inalienáveis, entre os quais figuram a vida, a liberdade e a busca da felicidade; que os governos que foram estabelecidos precisamente para manter esses direitos, e que seu legitimo poder deriva do consentimento de seus governados; que cada vez que uma forma de governo se manifesta inimiga desses princípios, o povo tem o direito de mudá-la ou suprimi-la e estabelecer um novo governo, baseando-se naqueles princípios e organizando seus poderes segundo formas mais apropriadas para garantir a segurança e a felicidade. A prudência exige que os governos estabelecidos desde muito tempo não devem ser modificados por motivos fúteis e passageiros [...] Mas quando uma série de abusos e usurpações convergem invariavelmente para o mesmo fim e demonstram o objetivo de submeter o povo a um despotismo absoluto, é direito do povo, e até seu dever rejeitar tal governo e buscar novas garantias de sua segurança futura. Tal é a situação das colônias agora, e daí a necessidade que as obriga a mudar seu antigo sistema de governo”. (GRIMBERG, Carl. História universal. V.10, p.39).

A Guerra de Independência se estendeu até 1783. O apoio francês, que buscava reconquistar as terras perdidas na Guerra dos Sete Anos, foi conseguido por Benjamin Franklin após a vitória dos colonos em Saratoga (1777). Em 1781 os ingleses se renderam em Yorktown e em 1783 foi assinado o Tratado de Paris, reconhecendo a independência da primeira República da América.

Pela primeira vez foi formado em governo estruturado de acordo com os pressupostos do Iluminismo. Essa forma de Estado se organizava a partir de uma nova relação entre o governante e a nação; as pessoas deixavam de ser súditos submetidos à vontade do governante e passavam a ser cidadãos com poderes para destituir o governo caso este não estivesse zelando pelo bem-estar da maioria. Mas não devemos nos esquecer de que, no final do século XVIII, esses privilégios ainda eram restritos apenas a uma parcela da sociedade (homens adultos, brancos e de origem anglo-saxônica).

A consolidação da República veio em 1787 com a promulgação da Constituição, de caráter federalista e presidencialista, com separação dos três poderes. George Washington foi escolhido pelo Congresso para ser o primeiro presidente dos Estados Unidos.

A emancipação dos Estados Unidos reforçou os ideais de independência na América Latina, agravando a crise do Antigo Sistema Colonial.



Cidadania na Independência norte-americana

O processo de independência das treze colônias inglesas da América do Norte culminou com a vitória das tropas constituídas de colonos, com apoio francês, seguindo-se do inicio da construção de um país cujo aparelho legal foi representado pela Constituição promulgada em 1787. Ao longo desse processo histórico, surgiram uma visão da liberdade e uma concepção da cidadania que se constituíram como o ponto de partida para a construção das modernas leituras sobre cidadania e democracia que são vigentes nos EUA atuais. Aqui interessa-nos, sobretudo, a formulação que será dada ao conceito de cidadania e suas repercussões na edificação daquilo que os norte-americanos entendem como cidadania e democracia nos dias atuais.

A inspiração intelectual para a formulação do conceito de cidadania presente na independência dos EUA foi o conjunto de ideias que estão presentes na principal obra escrita pelo inglês John Locke, o Segundo tratado de governo civil. “O texto de Declaração da independência é uma lembrança quase literal dos princípios enunciados pelo autor inglês: direitos naturais, governo instituído para preservar os direitos naturais, e direito à rebelião. Raras vezes na história um autor teve uma influencia tão clara em um texto elaborado em outro país.”. (KARNAL, Leandro. Estados Unidos, liberdade e cidadania. in PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Bassanezi (Orgs.). História da cidadania. 4ºEd. São Paulo: Contexto, 2008, p. 141). Por outro lado, os princípios de Locke ganharam conotação popular durante a independência através dos panfletos distribuídos pelos rebeldes onde aquele que foi escrito por Thomas Paine (Senso comum) pode ser considerado como o mais importante. No referido documento, o autor consagra a visão de que o Estado não deve ser confundido com a sociedade porque o Estado nasce da desonestidade que ameaça a sociedade. Portanto, se o Estado foi uma invenção da sociedade para preservar seus direitos, cabe a mesma sociedade desconfiar sempre da sua criação para que ela não se desvirtue de suas finalidades e, caso isto aconteça, substituí-la por um novo Estado que represente os anseios sociais.

A constituição norte-americana de 1787 reforça esses valores. Nela os direitos naturais do homem são afirmados como universais. Ao mesmo tempo, A Constituição de 1787 mantém em alerta a desconfiança em torno da possibilidade do Estado se tornar opressivo para a sociedade e os indivíduos. Essa desconfiança seria confirmada quatro anos mais tarde: “Para garantir ainda mais a certeza dos temos em relação a liberdades individuais, os estados votaram e aprovaram, em 1791, dez emendas constitucionais que se tornaram tão importantes quanto a própria Constituição. As emendas estabelecem uma quase absoluta liberdade de expressão, o direito de o cidadão comum portar armas, a necessidade de julgamentos abertos e com júri, proibição de penas cruéis e outras liberdades. As emendas estabelecem um diálogo imediato com a experiência da guerra contra a Inglaterra, consagrando a proeminência do individuo sobre o Estado e manifestando a desconfiança diante do Estado que Paine havia expressado em seu senso comum.”. (KARNAL, Leandro. Estados Unidos, liberdade e cidadania. in PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Bassanezi (Orgs.). História da cidadania. 4ºEd. São Paulo: Contexto, 2008, p. 142).

Apesar da proeminência dos direitos naturais/individuais sobre o Estado, o que o conjunto de Emendas Constitucionais acabou assegurando foi o silêncio em relação a uma cidadania e liberdade que não eram partilhadas por todos. Em teoria havia a mais ampla democracia possível naquela época: poderes divididos, Presidentes eleitos regularmente e uma Constituição escrita com base no principio da liberdade. Na prática, a liberdade e a cidadania criadas pela independência dos EUA e pela Constituição de 1787 eram bastante limitadas: “(...) o termo cidadania foi criado mediante um processo de exclusão. Dizer quem era cidadão – ao contrário de hoje, em que supomos se tratar da maioria – era uma maneira de eliminar a possibilidade de a maioria participar, e garantir os privilégios de uma minoria. Admitir o conceito de cidadania como um processo de inclusão total é uma leitura contemporânea. Da mesma forma, os fundadores da República podiam falar de igualdade e liberdade em meio a seiscentos mil seres humanos escravizados. Tratava-se, nos EUA nascentes, de uma cidadania de cunho liberal, o que representa obter igualdade política para um grupo determinado. Esse grupo, aquele que dirigiu o movimento de independência, foi beneficiado por essa cidadania. Para outros grupos, como os indígenas norte-americanos, a independência representou uma sensível piora. (...) O avanço sobre as terras indígenas cresceu enormemente com a independência do EUA. A busca de liberdade dos colonos foi o inicio de uma dolorosa ´trilha de lágrimas` para os indígenas.”. (KARNAL, Leandro. Estados Unidos, liberdade e cidadania. in PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Bassanezi (Orgs.). História da cidadania. 4ºEd. São Paulo: Contexto, 2008, p. 144).

É evidente, portanto, que a Independência dos EUA favoreceu bem mais aos grandes comerciantes do Norte e aos latifundiários escravistas do Sul. Todavia, os princípios de liberdade expressos na declaração de independência e na Constituição transformaram-se, mesmo com o caráter excludente inicialmente atribuído a cidadania, na grande bandeira política das gerações posteriores que lutaram pela ampliação dos direitos de cidadania. Assim, mesmo com escravismo sobre negros e espoliação dos indígenas, o caráter revolucionário do movimento de independência dos Estados Unidos reside em uma questão: a partir dele, homens desprezados que ajudaram a construir o pais (negros, índios aculturados, brancos pobres, mulheres etc.), passaram a ter motivos para fazer pressão em favor de uma compreensão literal do texto de independência.