Pesquisa no blog

domingo, 29 de março de 2009

Revoluções inglesas do Século XVII, turma PADRÃO

As revoluções inglesas do século XVII
Quando Elizabeth I morreu, a ausência de herdeiros diretos fez o trono inglês passar a seu primo Jaime I (1603-1625), Rei da Escócia, filho de Maria Stuart, executada a mando da própria Elizabeth. Encerrava-se, assim, a dinastia Tudor e iniciava-se a dinastia Stuart. Com ela, tinha inicio a historia do reino unido da Grã-Bretanha, abrangendo Inglaterra, Escócia, Gales e Irlanda.
Os vínculos políticos entre o rei escocês e os grandes senhores feudais levaram a formação de uma frente política no parlamento inglês contra o seu governo, liderada pela burguesia. Com dificuldades, o rei impôs sua autoridade ao parlamento, mas sua origem escocesa aumentava a oposição já existente.
Durante o seu reinado impôs-se o anglicanismo e as perseguições religiosas a católicos e puritanos aumentaram, o que provocou a primeira grande emigração de puritanos para a América, a bordo do navio MAYFLOWER. Por sua vez, um grupo de católicos atentou contra a vida de Jaime I no parlamento, em 1605, episodio conhecido como conspiração da pólvora. Foram descobertos, executados, o que aguçou a perseguição contra os “papistas” e motivou a expulsão da ordem dos jesuítas da Inglaterra.
O sucessor de Jaime I, Carlos I (1625 – 1649), tentou ampliar o poder absolutista real violando as prerrogativas do parlamento. Porém, precisando de recursos para custear guerras externas, submeteu-se a petição dos direitos (1628) que garantia a sociedade contra detenções e tributos ilegais. Obtidos os recursos, o rei se voltou contra o parlamento, usando a força para dissolvê-lo.
Em 1640, preocupado com uma rebelião iniciada na Escócia, o rei reconvocou o parlamento em busca de apoio político e procurando aprovar novas taxas e impostos que gerassem recursos para o reforço das tropas inglesas. Mas, diante da insistência da maioria dos parlamentares em limitar seus poderes reais (dissolução dos tribunais reais e revogação dos tributos ilegais), Carlos I tentou dissolvê-lo novamente. Esse confronto deu inicio a uma guerra civil na Inglaterra – Revolução puritana (1641-1649) – na verdade uma guerra que refletia profundas contradições sociais:
“O monarca absolutista inglês tinha o apoio das classes superiores. Pra começar, os senhores feudais e a Igreja anglicana. E também por uma parte da burguesia, que se beneficiava por ter obtido privilégios (exclusividade para certos tipos de comercio e manufaturas). (...) Quem estava contra o Absolutismo? (...) grande parte da burguesia que desejava o fim dos monopólios mercantilistas. Esse setor da burguesia queria prosperar, mas esbarrava nos regulamentos e privilégios concedidos pelo Estado a uma minoria de negociantes. (...) Os nobres estavam divididos. Havia os proprietários feudais tradicionais que apoiavam o Rei. Contudo, No sul do país, tinham os beneficiados pelos cercamentos (a expulsão dos camponeses para criar carneiros...) que forneciam lã para as manufaturas. Esses beneficiavam-se junto com a burguesia, constituíam uma nobreza aburguesada conhecida como gentry. (...) Quanto aos camponeses, queriam uma nova situação social , que lhes garantisse a propriedade da terra e a expansão de seus negócios. Isso só poderia acontecer se os nobres tradicionais perdessem a proteção do Rei. (...) Mas o conflito também teve a aparência de uma guerra religiosa. Um lado era composto por anglicanos (veladamente apoiados pelos católicos), outro por puritanos e presbiterianos, ou seja, calvinistas. O apoio dos calvinistas, em sua maioria negociantes, deu ao exercito do parlamento o controle dos portos marítimos mais importantes, vantagem logística decisiva.”. (Adaptado de SCHMIDT, Mário Furley. Nova História Crítica: ensino médio: volume único. São Paulo: Nova geração, 2005, pp. 236-239).
A Inglaterra foi dividida em dois partidos: de um lado, alinharam-se as forças fiéis ao Rei, formadas pelos grandes proprietários de terras, burgueses privilegiados e seus exércitos – compostos de mercenários conhecidos como cavaleiros – e apoiadas por católicos e anglicanos (sobretudo integrantes da velha nobreza feudal). Do outro lado, os defensores do parlamento (burgueses, nobreza aburguesada, população de Londres e camponeses) formaram o exercito dos puritanos – cabeças redondas – conhecidos pelo corte de cabelo arredondado. A guerra civil terminou com a vitória dos puritanos em 1649, destacando-se no comando das tropas o político e militar Oliver Cromwell. Após a vitória dos cabeças redondas, O rei foi preso, julgado e condenado à decapitação pelo parlamento inglês – pela primeira vez, um poder constituído condenava um monarca à morte, caindo por terra o mito da intocabilidade real.

A república puritana (1649-1658)
Depois da execução do rei, Cromwell detinha o poder de fato, mas era preciso legalizá-lo e estabilizá-lo. A monarquia foi extinta e a câmara dos lordes substituída por um conselho puritano. Paralelamente a oposição foi massacrada: “Esta repressão tinha como objetivo anular duas ameaças. De um lado, a aristocracia feudal, que queria restaurar o absolutismo. Do outro a população das classes baixas, que participou da guerra civil e praticamente não ganhou nada. (...) os levellers (niveladores) defensores do comércio livre para todos, pequena propriedade, fim dos dízimos pagos a Igreja e voto universal e os diggers (escavadores), que propunham que as terras dos nobres fossem confiscadas e distribuídas para as famílias camponesas”. (Adaptado de SCHMIDT, Mário Furley. Op. Cit. P. 240).
Após a consolidação de seu poder, Cromwell pode iniciar reformas que transformariam a Inglaterra em uma potencia mundial. Em 1651, decretou os atos de navegação que reservou a navios exclusivamente ingleses o rentável transporte de mercadorias entre colônias e metrópole. Devido a rompimento de contratos de transporte, os holandeses declararam guerra aos ingleses, mas foram derrotados. Os mares se abriram como nunca para os navios britânicos, o que estimulou a construção da maior marinha mercante do mundo.
Em 1653, Cromwell dissolveu o parlamento e implantou uma ditadura pessoal com apoio do exercito e da burguesia comercial. Cromwell recebeu o titulo de lorde protetor da Inglaterra com o direito de indicar o seu sucessor. A ditadura sobreviveu até a morte de seu líder, em 1658, deixando como saldo um enorme crescimento das atividades comerciais inglesas.
Após a morte de Cromwell, seu filho Ricardo assumiu o poder sem estar, no entanto, capacitado para exercê-lo. Não conseguindo administrar as pressões que vinham do parlamento, renunciou em 1660. Para evitar nova luta fratricida, o parlamento restaurou a monarquia e reconduziu os Stuart ao trono, na crença de que o poder real já estava sob controle.

O retorno dos Stuart
Carlos II (1660-1685), filho de Carlos I refugiado na França, foi conduzido ao trono em 1660. Suas pretensões absolutistas colidiram com os intuitos limitadores do parlamento. Além disso, o herdeiro do Rei – seu irmão Jaime – era católico, havendo a possibilidade de o catolicismo voltar a influenciar os negócios internos da Inglaterra. Para afastar essa ameaça, o parlamento aprovou, em 1679, o ato de exclusão, que obrigava todos os membros da corte a prestar juramento ao anglicanismo. Assim, um católico não poderia ser soberano da Inglaterra.
Políticos do parlamento defendiam posições antagônicas a respeito dos direitos do rei: de um lado, os defensores da autoridade parlamentar (WHIGS) e, de outro, os partidários do absolutismo real (TORIES). WHIGS e TORIES originaram, respectivamente, o partido liberal e o partido conservador, que são partidos políticos presentes na política atual do Reino Unido. A crise política ampliou-se em 1683 quando Carlos II fechou o parlamento. Morreu dois anos depois deixando o trono para seu irmão, o Duque de York, Jaime II.

A revolução gloriosa
A ascensão do católico Jaime II suscitou novas discordâncias. Além de não contar com a confiança dos parlamentares de religião Anglicana (e da própria Igreja que oficialmente lhe era submissa), pretendia restaurar o absolutismo na Inglaterra e, para isso, buscou o apoio do rei francês Luís XIV. Em 1688, os partidos, WHIGS e TORIES, uniram-se para afastar o rei e o “perigo católico”, convidando para assumir o trono da Inglaterra um protestante, o príncipe holandês Guilherme de Orange, genro do rei inglês, casado com Maria, à filha protestante de Jaime II. Guilherme desembarcou na Inglaterra com uma pequena força militar, ocupando Londres sem ter de lutar contra o exército real, enquanto Jaime II se refugiava na França. WHIGS e TORIES exigiram que Guilherme respeitasse o parlamento. Esse episódio ficou conhecido como revolução gloriosa.
Assim, antes mesmo da coroação, Guilherme jurou a declaração dos direitos (BILL OF RIGHTS) em 1689, documento que reduzia drasticamente as funções e direitos reais, encarregando o parlamento do governo efetivo do país – nascia a monarquia parlamentarista inglesa. O teórico do novo modelo político era o filosofo e político inglês John Locke (1632-1704), que afirmava que o Estado existia para garantir a segurança e os direitos individuais (vida, liberdade e propriedade), entendidos como direitos naturais do homem. Esses direitos foram estabelecidos por força de lei e, a partir daí, o absolutismo desapareceu no reino unido.
“As decisões tomadas com a revolução gloriosa (...), firmavam a substituição da monarquia absolutista pela monarquia constitucional ou parlamentarista. Essa revolução teve para a Inglaterra a mesma importância que a revolução de 1789 teria para a França, no que se refere à derrubada do Estado Absoluto e o estabelecimento de condições políticas plenas à burguesia, edificando um Estado burguês, favorável a posterior revolução industrial”. (VICENTINO, Cláudio. HISTÓRIA GERAL. São Paulo: SCIPIONE, 2003, P.220).

O caminho para industrialização
Com a Revolução Gloriosa, a burguesia inglesa se libertou do Estado absolutista, que com seu permanente intervencionismo era uma barreira para um mais amplo acúmulo de capital. Dessa forma a burguesia, aliada a aristocracia rural, passou a exercer diretamente o poder político através do Parlamento, caracterizando a formação de um Estado liberal, adequado ao desenvolvimento do capitalismo, o que junto a outros fatores, permitirá o pioneirismo inglês na Revolução Industrial em meados do século XVIII.
“A instauração da monarquia parlamentar inglesa e as idéias de J. Locke inspiraram muita gente na Europa e nas Américas. Nas treze colônias, a luta pela independência seria inspirada pelos princípios liberais, assim como muitas idéias dos filósofos iluministas do século XVIII e a própria revolução francesa. O fato de a Inglaterra ter tido uma revolução burguesa tão cedo é uma das explicações para que a revolução industrial tivesse começado naquele pais: no final do século XVIII, instalaram-se centenas de fabricas no reino unido, as primeiras do mundo. O capitalismo estava definitivamente implantado.”. (SCHMIDT, Mário Furley. Op. Cit. P. 243).

quinta-feira, 12 de março de 2009

O fazer historiografico.


O Fazer Historiográfico (Neusa Maria Oliveira Barbosa Bastos – PUC/SP - UPM).
Para refletir sobre a pluralidade de maneiras de se fazer um estudo histórico/historiográfico, parece-nos relevante apontar, através dos tempos, os modos de descrição e explicação dos fatos humanos em momentos e lugares diversos.
Assim é que, neste trabalho, pretendemos iniciar a reflexão pelo fazer histórico/historiográfico que busca metodologias em ciências sociais, filosofia e demais saberes já constituídos, que possam contribuir com os princípios norteadores do processo em questão.
Importa-nos investigar, portanto, em primeiro lugar, os sentidos da palavra história; em segundo lugar, as tendências do século XX em relação às formas de se fazer história; e, por fim, o conceito de historiografia, seus princípios e procedimentos.

Os sentidos da palavra História
Cumpre mencionar que o fazer história tem sido, ao longo dos séculos, uma preocupação dos homens nas diferentes sociedades e épocas, por uma necessidade, intrínseca ao ser humano, de questionar-se sobre o seu passado para nele se apoiar, viver o presente e fazer prospecções para um futuro assentado nas experiências vividas, conhecendo assim maneiras de organizar as próximas etapas a serem realizadas.
Olhando para o passado, encontramos, na Grécia, a origem da palavra história para nomear o “desejo desinteressado de conhecer elementos característicos da nossa civilização” (Besselaar, 1974:03). Designava, num primeiro momento, qualquer tipo de investigação científica, que buscava desvendar questões relacionadas ao universo, aos seres humanos, aos costumes, às origens e ao passado em geral. Heródoto, pai da História, empregou-a em dois sentidos diferentes: pesquisa racional e resultado de tal pesquisa. No entanto, foi ainda na Antigüidade que o termo passou a ser utilizado para designar a narração dos fatos e acontecimentos do passado numa sucessão temporal.
Assim, considerando o homem um animal histórico por excelência, pode-se asseverar que os seres humanos não vivem, em qualquer fase de suas vidas, sem contar uma boa história. Crianças ouvem histórias de fadas, duendes, monstros e heróis poderosos; jovens distanciam-se da ficção, ligam-se ao real, distinguem estórias da História, postura que se firma na vida adulta.
E a palavra história permanece em todos os idiomas, com nuances que vão desde a mistura de fatos reais e fictícios até pesquisa e crítica sistemática dos fatos, mas o que se procura, aqui, é determinar o conteúdo do termo de acordo com cada um dos momentos e lugares em que ele esteja contextualizado.
Em relação à Antigüidade greco-romana, podemos afirmar que, para os gregos, a história é moral por glorificar o homem, tornando-o um herói e pragmática, por projetar a utilidade que se poderá tirar dos conhecimentos acerca dos fatos passados. Já para os romanos, a história apresenta-se não só com intenções morais, mas também com intenções patrióticas, por fornecer bons exemplos de condução da pátria a serem seguidos e maus exemplos a serem evitados.
Em relação à Idade Média, a história toma uma dimensão filosófica baseada na nova visão de mundo imposta pelo cristianismo triunfante. E os estudos históricos assentam-se na busca dos sinais precursores da vinda do Salvador à terra. Segundo Glénisson (1986:18), “E a vinda de Cristo tinha um sentido para todos os homens. Exigia-se, portanto, uma nova concepção da história universal, na medida em que esta deveria ser dotada de uma unidade”.
Já nos séculos XVI a XVIII, nascem as técnicas modernas da história. De acordo com o mesmo autor (1986:19), “Constitui-se o que se conhece pelo nome de “ciências auxiliares da história”, surgem os requisitos necessários para erigir-se uma verdadeira doutrina da crítica erudita. É no século XVII, aliás, que “o nome crítica, até então designando apenas uma qualidade do gosto, assume também o sentido de um julgamento de veracidade. De estética que era, a crítica passou a ser, igualmente, histórica”.
Também com a história, as correntes filosóficas: empirismo e racionalismo tinham estreitas relações. Através do seu ideal indutivo, o empirismo pôde, segundo Padovani e Castagnola (1984), até certo ponto, concordar com a investigação histórica erudita; no entanto, o racionalismo, pelo seu ideal de noções claras e distintas, inteligíveis e racionais, obviamente contrapôs-se à história e à tradição, pois tais noções abstratas e universais não podem aí se realizar.
Durante os séculos XVII e XVIII, os historiadores são eruditos e, geralmente, ligados ao clero e, aos laicos, cabia a tarefa de complementação da disciplina dos mosteiros por meio de uma organização espontânea, agrupando-se em cenáculos, cedendo suas excelentes bibliotecas, pesquisando e colecionando informações sobre filologia, numismática, matemática, física, história, arqueologia grega, botânica, orientalismo, filosofia, astronomia. Caracteriza-se, então, uma erudição histórica à base do espírito crítico nascido nesse momento de crítica histórica.
No século XIX, no entanto, além da passageira euforia ligada à questão do patriotismo, renasce a erudição com rigor científico: pesquisa de documentos de toda natureza como: manuscritos, inscrições, monumentos, tudo o que é útil à história. Os eruditos reúnem-se em Academias de onde surgem produções extensas e variadas. Em conseqüência, organizam-se, nas nações européias e americanas, as bibliotecas nacionais: A do Rio de Janeiro foi fundada por decreto de 29 de outubro de 1810, ficando provida dos 60.000 volumes que o Príncipe-Regente, o futuro D. João VI, trouxera da sua biblioteca do Palácio da Ajuda. (Besselaar, 1974:153)
Nesse período, os historiadores passam de investigadores à procura de documentos, a juízes à procura do julgamento da veracidade, estabelecendo valor objetivo dos documentos que passam a ser vistos como testemunhas autênticas que devem ser interrogadas criteriosamente. Nesse momento, a crítica histórica, “exame judicioso das fontes, visto que nem tudo nelas se encontra verdadeiro,.. torna-se... o método científico para separar nos documentos a verdade do erro e da mentira, a certeza do que é provável ou apenas possíve". (Besselaar, 1974:158), dividindo-se em crítica externa e crítica interna. Da primeira, crítica externa, deve-se lembrar que as perguntas a serem respondidas referem-se: 1) ao documento e seu estado original: crítica da restauração; 2) ao autor, local em que viveu, momento em que escreveu, em que circunstâncias se achava no momento de escrever o documento: crítica da autoria; 3) aos conhecimentos diretos ou indiretos que o autor tinha dos fatos e, sendo indiretos, de que fontes teria retirado os documentos: crítica da procedência. Da segunda, crítica interna, deve-se lembrar que o objetivo é o valor do depoimento dado pelo documento e, na parte chamada Hermenêutica, as perguntas a serem respondidas referem-se: 1) ao dito do autor, na busca do sentido da comunicação feita pelo documento; 2) à intenção do autor, levando-se em consideração o auditório e, ainda, enquadrando o documento na época e no lugar em que foi escrito. Na parte intitulada Crítica da Objetividade, consideram-se três partes: crítica da competência – verificar se se pode, à testemunha original a que remonta o documento, atribuir credibilidade; crítica da sinceridade – verificar por meio de depoimentos a fidedignidade da testemunha e crítica de controle – verificação de mais de uma testemunha em confronto.
A preocupação, portanto, fixava-se no rigor analítico, visando ao julgamento da veracidade e ao estabelecimento do valor objetivo dos documentos, com base em critérios científicos, no entanto, devemos afirmar como Lucien Febvre, que a história é sempre filha de seu tempo, havendo necessidade de se retomar estudos já realizados por não se admitir mais o pensamento histórico que as perpassa. Posto isso, passamos a perscrutar o século XX, observando as inclinações relativas ao fazer histórico, tanto francesas, quanto britânicas e norte-americanas.

As tendências do século XX em relação às formas de se fazer história
Após a nova história eclodir na França nos anos novecentos, passou a vigorar uma tendência historiográfica que se volta para a recuperação da historicidade sem deixar de lado a dinâmica social que impulsiona os movimentos humanos.
As inovações que se manifestaram por meio da intelectualidade do início do século XX diz respeito a três tendências na França: 1) a substituição da tradicional narrativa de acontecimentos por uma história-problema; 2) a história de todas as atividades humanas e não apenas a história política; 3) a colaboração de outras disciplinas tais como: geografia, sociologia, psicologia, economia, lingüística, antropologia social e outras.
É na década de 20 que surge o movimento dos Annales com a apresentação de uma forma de se fazer história por meio da junção harmônica de uma organização cronológica e de uma temática, o que levaria a descrições de lutas entre grupos conflitantes em relação a idéias ou a quaisquer outras manifestações: econômicas, sociais, geográficas etc
A periodização não era uma preocupação dos historiadores, pois não se limitavam a um período histórico convencional. Escolhia-se um período para localizar um problema o que significava que se deveria escrever uma história de longa duração e, por meio da busca de solução do problema, enfocava-se o fenômeno histórico e explicava-se-o em termos de seu tempo e não em função de tempos anteriores.
Representantes iniciadores desse movimento, considerados como a primeira geração da Escola dos Annales, são Lucien Febvre e Marc Bloch, ambos da Escola Normal Superior de Paris. O primeiro introduz a geografia que traçava perfil nítido dos contornos da região, traçando assim o percurso de uma geografia histórica; o segundo revela interesse menor pela geografia e maior pela sociologia. Pertencente à segunda geração, consideremos Braudel, professor na USP, entre 1935 e 1938, que enfatiza a insignificância dos eventos e as limitações impostas à liberdade de ação dos indivíduos situados num contexto. Conforme Burke (1997: 49), “A verdadeira matéria do estudo é essa história ‘do homem em relação ao seu meio’, uma espécie de geografia histórica, ou como Braudel preferia denominar, uma ‘geo-história’”.
Historiador inquieto, Braudel debate entre os limites da liberdade individual e o determinismo e tem como meta articular o social, o político, o econômico e o cultural na maneira de ver os fenômenos e escrever a história. Aproximando-se do cultural, distanciou-se, entretanto, da história cultural, um dos movimentos da época, que trazia no bojo a história das mentalidades, distanciando-se, também, da história quantitativa.
A terceira geração, depois de 1968, apresenta três correntes, a saber: 1) a redescoberta da história das mentalidades; 2) a tentativa de empregar métodos quantitativos na história cultural; 3) a reação contrária a tais métodos que tende para um ressurgimento da narrativa, um retorno à política e uma antropologia histórica.
Dessa forma, podemos asseverar que os movimentos influentes na história levaram a inovações associadas aos mencionados franceses que utilizaram métodos comparativos e quantitativos, voltaram-se para a interdisciplinaridade e assumiram uma história de longa duração. Mostraram-se voluntaristas, deterministas históricos ou geográficos, contribuindo com diversas possibilidades de se fazer história: história problema, história comparativa, história psicológica, geo-história de longa duração, história serial e antropologia histórica.
No entanto, não podemos deixar de mencionar a diferença entre a tradição francesa com sua abrangência interdisciplinar, voltada para a conjuntura e para as mentalidades coletivas e a tradição inglesa empirista voltada para o seu individualismo metodológico.
É na tradição historiográfica norte-americana que nos apoiaremos a seguir para a continuidade do panorama atual da historiografia. Segundo Moura (1995:14), a historiografia norte-americana no século XX deve ser pensada
...como parte da história intelectual... como a história de esquemas conceituais que os autores utilizam, consciente ou inconscientemente, assumida ou implícita, para explicar a experiência passada. Neste sentido, isto é, da historiografia como parte da história intelectual, procura utilizar uma abordagem ao mesmo tempo “internalista” e “externalista”; em outras palavras, procura ver o movimento da idéias como desenvolvimento e transformação de correntes de pensamento pretéritas e, ao mesmo tempo, procura verificar de que modo os contextos (social, nacional, internacional) condicionam (ou se relacionam) aquelas idéias e sua transformação.
Convém mencionar que a historiografia americana estabeleceu a história social, a história política, a história intelectual, a história diplomática e outras, fragmentando o conhecimento histórico como seguidora de tendências vigentes de um modo geral em todo o mundo.
Em seguida, devemos citar, na historiografia norte-americana, a abertura da história ao diálogo com outras ciências humanas e sociais, num processo de mútuo enriquecimento o que também ocorreu para os seguidores da Escola dos Annales. E, paralelamente, uma abertura maior para as correntes historiográficas estrangeiras: a social britânica, voltada para o renovado interesse pelo marxismo, e a Nouvelle Histoire francesa, com uma grande preocupação com tendências de longa duração e uma relativa despreocupação com pensadores individualizados. (Burke, 1997:118).
Tendo acompanhado o percurso da história/historiografia, em diversos momentos, atendo-nos às ocorrências de mudanças nos posicionamentos, passaremos a contemplar a historiografia lingüística com vistas ao fazer historiográfico em Língua Portuguesa.
O conceito de historiografia, seus princípios e procedimentos.
A Historiografia tem sido entendida como uma disciplina que tem como principais objetivos: descrever e explicar como se produziu e desenvolveu o conhecimento de qualquer natureza em um determinado contexto social e cultural, através do tempo. (Altman, 1998:25).
Em suas pesquisas, segundo Koerner (1996:47), o historiógrafo explica, tanto quanto possível, as razões da mudança de orientação e de ênfase e a possível descontinuidade que delas se pode observar. Sua prática requer, ainda, capacidade de síntese para poder retirar dos fatos empíricos coligidos a partir de fontes primárias o que for essencial, trazendo essas descobertas empíricas para a perspectiva correta para interpretá-las e oferecer uma explicação adequada dos fatos.
Todo esse procedimento deve seguir princípios como estabelecer o clima de opinião do período e avaliar o objeto de estudo, para em seguida, por meio do conhecimento amplo sobre o campo de investigação específico e sobre a história geral, estabelecer o quadro de definição do período em que se apoiarão as análises das fontes primárias escolhidas como corpus.
Há opções metodológicas que devem ser observadas: periodização, materiais e parâmetros de análise e os três princípios traçados por Koerner (1996):
1º princípio de contextualização: - traçado do clima de opinião (espírito da época), observando-se as correntes intelectuais do período e a situação sócio-econômica, política e cultural;
2º princípio de imanência: - entendimento completo tanto histórico quanto crítico, possivelmente filológico, do texto lingüístico em questão, mantendo-se fiel ao que foi lido, para o estabelecimento de um quadro geral da teoria e da terminologia usada (quadro de definição acima referido), que devem ser definidos internamente e não em referência à doutrina lingüística moderna;
3º princípio de adequação: - seguidos os dois primeiros princípios, o historiógrafo aventura-se a introduzir, colocando de forma explícita, aproximações modernas do vocabulário técnico e um quadro conceptual de trabalho que permita a apreciação de um determinado trabalho, conceito ou teoria, incluindo-se as constatações das afinidades de significado que subjazem a ambas as definições.
Considerando os princípios acima arrolados como fios condutores do trabalho historiográfico, resta-nos afirmar que o historiógrafo deve detectar, analisar e explicar as mudanças que houve, durante o percurso a ser investigado, sem que se deixe envolver pela novidade, pela originalidade e pela criatividade, usualmente feitas pelas gerações posteriores que lhe são imediatamente subseqüentes.
Assim, a historiografia não pode ser vista como uma simples "crônica", ou seja, listas de datas, nomes, títulos e eventos ligados às línguas e à linguagem. A atividade historiográfica requer seleção, ordenação, reconstrução e interpretação dos fatos relevantes para o quadro de reflexão que o historiógrafo constrói. Não se deve, portanto, fazer a inclusão quaisquer fatos passados, só por serem passados, ou, ainda, fixar-se nos acontecimentos relevantes de um passado coalhado das grandes personalidades, mas deve-se deslocar a observação para os acontecimentos do cotidiano, dos seres humanos sem qualquer proeminência, das mentalidades, dos grandes movimentos sem sujeito – movimentos de massa, classes sociais, clima de opinião em que se insere o documento a ser analisado.
Finalizando, podemos afirmar que nosso objetivo de refletir sobre a pluralidade de maneiras de se fazer um estudo histórico/historiográfico foi atingido por meio da abordagem dos sentidos da palavra história, da verificação das tendências do século XX em relação às formas de se fazer história e da busca do conceito de historiografia, seus princípios e procedimentos.
E deixemos consignado que qualquer forma de história/historiografia, no nosso caso relacionada à Língua Portuguesa, vale a pena, pois ao descrevermos e explicarmos como se produziu e desenvolveu o conhecimento lingüístico em um determinado contexto social e cultural, através do tempo, estamos implicados com questões relacionadas à nossa identidade, políticas lingüísticas e educação do povo. Lembremos, então, as palavras de Hull (2003:5) “o povo não deve voltar as costas ao passado para não se tornar uma nação de amnésicos.”

BIBLIOGRAFIA
ALTMAN, M.C. (1998) Pesquisa lingüística no Brasil (1968-1988). São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP.
BASTOS, Neusa Barbosa et alli. (2002) Língua Portuguesa através dos séculos (XVI ao XX): em busca do método historiográfico. In Anais do XVI Encontro Nacional da ANPOLL (Niterói, 2000), Porto Alegre, documento eletrônico: CD - 5 páginas.
BESSELAAR, José van den. (1974) Introdução aos estudos históricos. São Paulo: EPU-EDUSP.
BURKE, Peter. (1997) A escola dos Annales 1929 – 1989: a revolução francesa da historiografia. Trad. Nilo Odália. São Paulo: Fundação Editora da UNESP.
GLÉNISSON, Jean. (1986) Iniciação aos estudos históricos. São Paulo: Bertrand - DIFEL.
HULL, Geoffrey. (2003) Timor Leste: Identidade, Língua e Política Educacional. In Sebastião Aparício da Silva – Project for the Protection and Possession of East Timorese Language. Disponível em: . Acesso em 17 fev.
KOERNER, Konrad. (1996) Questões que persistem em historiografia lingüística. In Revista da ANPOLL, nº 2, p. 45.
PADOVANI, U. & CASTAGNOLA, L. (1984) História da filosofia. 14ª ed. São Paulo: Melhoramentos.
MOURA, Gerson. (1995) História de uma história. São Paulo: EDUSP.
REIS, J. C. (1994) Nouvelle histoire e tempo histórico. São Paulo: Ática

Idade Média no ocidente


1) Os Estados germânicos, a monarquia carolíngia e a gênese do mundo feudal.

1a) A definição histórica de Idade Média
De acordo com a historiografia mais tradicional, a Idade Média é delimitada pelos seguintes marcos cronológicos: 476 – ano da “queda do Império Romano” – quando a própria cidade de Roma foi conquistada pelos hérulos (um dos povos bárbaro-germânico); e 1453 – data da “tomada de Constantinopla” (até então capital do Império Romano do Oriente, também conhecido como Império bizantino) pelos turcos otomanos.
O período medieval é comumente dividido em duas fases: a Alta Idade Média (do século V ao século X) e a Baixa Idade Média (do século XI ao século XV). A primeira fase foi marcada essencialmente pela formação do mundo feudal, apesar de suas origens remontarem ao século III, época da crise do Império Romano. Já na segunda fase, observamos a consolidação do sistema feudal, entre os séculos XI e XIII, e a sua desagregação nos séculos XIV e XV.

1b) As invasões bárbaras
O termo ”bárbaro” nasceu na Grécia, significando “aquele que não fala perfeitamente a minha língua”. Mas, tornou-se sinônimo de “estrangeiros”: indivíduos que possuem uma “cultura diferente”. Para os romanos, bárbaros eram os povos que não estavam subordinados ao Império, que não falavam o latim, que habitavam além das fronteiras imperiais. Eram, portanto, os “não-romanos” e fica claro que, nesse contexto, havia uma forte diversidade étnica que pode assim ser classificada:
a) Grupos Tártaro-mongóis: de origem asiática, compreendiam as tribos dos Hunos, Turcos, Búlgaros e Húngaros.
b) Grupos Eslavos: oriundos da Europa oriental e da Ásia, compreendiam os Russos, Poloneses, Tchecos e Sérvios.
c) Grupos Germanos: De origem indo-européia, compreendiam várias nações, como os Visigodos, os Ostrogodos, Os Hérulos, Os anglos, Os saxões, Os Francos, etc.
O grande fator externo da queda do Império Romano do Ocidente foi invasionismo bárbaro germânico. Na realidade, já eram antigos os contatos entre os romanos e os germânicos, povos que, na Europa, habitavam as regiões compreendidas entre os rios Reno e Vístula. O Imperador Augusto já tentara, sem êxito, conquistá-los. No ano 98, o historiador romano Tácito, em seu livro “Germânia”, descrevera os hábitos e costumes dessas populações. Desconhecedores de qualquer aparelho estatal e das cidades como entidades administrativas, os germânicos eram um povo florestal que se dedicava à coleta, a pilhagem e, de maneira embrionária, à agricultura e pecuária. Tais atividades eram fundamentalmente levadas a efeito pelos grupos familiares, que ocupavam propriedades coletivas. O indivíduo de maior prestígio social entre os germânicos era o guerreiro, quase sempre o líder do clã. A base de toda estrutura social residia no “sippe”: comunidade de linhagem que assegurava a proteção aos grupos que prestavam juramento de fidelidade ao guerreiro. Do ponto de vista político, essas tribos era dirigidas por uma Assembléia de Guerreiros.
Povos belicosos, os germânicos desenvolveram a metalurgia para a fabricação de armas e carros de combate. A cultura germânica refletia os hábitos militares e clânicos das tribos. A religião germânica estava vinculada ao clã – em geral eram politeístas e cultuavam os seus ancestrais. A literatura, fundamentalmente canções e poemas, cantava os feitos dos heróis nos combates. É interessante ressaltar que cada tribo cultuava o seu próprio herói, real ou mitológico, sempre enaltecido nas festas e rituais. Os germânicos desconheciam qualquer forma de unidade religiosa e não possuíam templos: normalmente, os ritos se realizavam ao ar livre, nos bosques, nas florestas e nos montes.
Até o século I da era cristã os contatos entre romanos e germânicos foram esporádicos sendo que, a partir da era de Otávio Augusto, os bárbaros passaram a sofrer uma influencia cada vez maior dos romanos e, com isso, viver algumas transformações significativas. Na maior delas, a terra tornou-se propriedade privada, enriquecendo algumas famílias. O surgimento da desigualdade social foi marcado pela formação de uma aristocracia de guerreiros (unicamente dedicada às atividades bélicas) proprietária das terras e de uma massa de camponeses que trabalhavam as terras.
Complicados vínculos: Roma e os bárbaros
Embora tenham sido os germânicos – visigodos, ostrogodos, alamanos, saxões, francos, vândalos, burgúndios e frisões – os bárbaros que mais influenciaram a vida romana, outros também tiveram contatos com Roma. Quando César, ainda na República, conquistou a Gália, hoje França, teve de enfrentar grupos de origem celta; quando legiões romanas invadiram a atual Grã-Bretanha, foram obrigadas a se deparar com outro ramo céltico: os bretões. Além disso, embora diminutos, havia contatos entre os romanos e um povo que residia no leste europeu: os eslavos.
A entrada dos bárbaros germânicos em Roma conheceu duas fases: uma, denominada de “pacífica”, foi motivada pela procura, por parte dos germânicos, de terras agricultáveis e oportunidades econômicas no interior do próspero Império. Aos poucos, essas migrações foram sendo absorvidas e, até mesmo, nos exércitos e legiões de Roma havia soldados e oficiais germânicos – nessa fase os germanos passaram a ser tratados como povos aliados ou federados e sua duração chega até o século IV. Ocorreria, no entanto, uma segunda fase. A partir da segunda metade do século IV, pressionados pelos Hunos, povo nômade de origem mongólica, as levas germânicas para dentro do Império aumentaram de maneira extraordinária. Roma, preocupada com essa maciça presença germânica, tentou barrá-la. Contudo, já decadente pela crise interna, Roma não teve condições de fazê-lo. Em 378, na Batalha de Andrinopla, tem início à invasão germânica propriamente dita. Vagas e vagas bárbaras assolaram o Império Romano do Ocidente. Em 410, ocorria a “grande invasão”, quando até mesmo a cidade de Roma chegou a ser saqueada por um chefe germânico, Alarico. Em 476, o ato final: Odoacro, Rei dos hérulos, derruba Rômulo Augusto, o último Imperador. A título de ilustração, leia como o historiador Jordanes, do século VI, relatou o “fim do Império”: “Orestes (general romano), tomando o comando do exército, partiu de Roma ao encontro dos inimigos e chegou a Ravena (cidade ao norte da Itália), onde parou para fazer imperador seu filho Augústulo (Rômulo Augústulo, imperador de 475 a 476). (...) Porém, pouco depois de Augústulo ter se tornado imperador em Ravena, Odoacro, rei bárbaro, ocupou a Itália. Orestes foi morto e seu filho Augústulo expulso da região e condenado à pena de exílio no Castelo Lucano, na Campânia (região central da Itália). Assim, o Império do Ocidente, que o primeiro dos Augustos, Otávio Augusto, tinha começado a dirigir no ano 709 da fundação de Roma, pereceu (...). Desde aí, Roma e a Itália são governadas pelos reis godos”. (JORDANES, historiador godo do século VI apud ESPINOSA, F. Antologia de textos históricos medievais. 2ºed. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1976, p. 11.)
A onda germânica que varreu a Europa Ocidental implicou uma série de conseqüências: alvos prioritários dos germânicos, as cidades quase se esvaziaram e acentua-se o processo de ruralização; a economia romana, já bastante abalada pela crise do escravismo – desde o “fatídico século III”, concentra-se na grande propriedade rural desenvolvendo tendências à auto-suficiência e com baixíssima circulação monetária; uma sociedade que fora sofisticada, a de inspiração romana, agora conhecia uma rápida regressão. Das mais importantes conquistas romanas, o Direito, é profundamente aviltado pelos costumes jurídicos germânicos: Roma já conhecia a “soberania da lei sobre o espaço territorial”, ou seja, o ordenamento jurídico romano abrangia toda a extensão do Império. Os germânicos, por seu turno, acreditavam que a “lei bárbara” vai até onde o bárbaro for: um conceito móvel de soberania jurídica, típico de um povo nômade.
Finalmente, destruída a estrutura política do Império Romano, proliferam, na Europa Ocidental e em certas regiões no norte da África, os Reinos Bárbaros.

O nascimento da Europa Medieval
Após a queda de Roma, os impérios bizantino e islâmico se desenvolveram nas regiões orientais do antigo Império Romano. Na Europa Central e Ocidental, o declínio da autoridade romana levou ao surgimento de um período conhecido como Idade Média, que durou aproximadamente de 500-1500.
O declínio do Império Romano causou um grande caos na Europa Central e Ocidental. Não havia mais um governo forte e a vida econômica era turbulenta. Apesar de reinos germânicos terem sido formados, foi a Igreja Cristã que deu aos europeus um senso de união.
Os reinos bárbaros
Por volta do quinto século, os povos germânicos haviam estabelecido reinos no norte da África, Itália, Espanha, Gália e Inglaterra – todos os reinos foram estabelecidos em terras que haviam pertencido a Roma. A vida política germânica era muito diferente da romana. Os povos germânicos eram divididos em tribos; cada pessoa era leal apenas a seu chefe tribal. Cada reino germânico era considerado propriedade pessoal de seu governante e essa terra era herdada por seus filhos - uma prática que freqüentemente ocasionava guerras civis. O Império Romano havia se caracterizado por suas grandes cidades e uma cultura rica. Em contrapartida, os povos germânicos eram rurais e não tinham a intenção de construir novas cidades ou reconstruir aquelas que haviam sido destruídas.
Além disso, o sistema legal romano era codificado. As tribos germânicas, por outro lado, não possuíam um sistema legal escrito. Nas cortes romanas, os juízes estudavam evidências e buscavam provas antes de dar um veredicto. Os germânicos usavam métodos bizarros para tentar descobrir se uma pessoa era inocente ou culpada. Por exemplo, amarrava-se a pessoa acusada de um crime e a jogava no rio: se afundasse, era considerada inocente, mas se flutuasse, era tida como culpada.
Após a queda do Império Romano, o ensino escolar na Europa decaiu subitamente. Com exceção do clero, poucas pessoas sabiam ler ou escrever. O latim já não era a língua mais falada nas províncias romanas. O conhecimento do grego estava quase perdido, e mesmo que as tribos germânicas tivessem grande tradição oral de canções e lendas, a língua escrita não existia.

Os Reinos Francos
Com o declínio do domínio romano, uma nova forma de governo apareceu no reino dos francos. Os francos, desde o século II, vinham entrando nas fronteiras romanas, como federados e, no contexto das invasões, nos séculos IV e V, estabeleceram-se na Gália.
A primeira dinastia dos francos, a merovíngia, deve seu nome a Meroveu, herói franco da batalha dos campos Catalúnicos contra os Hunos de Átila. Contudo foi Clóvis, neto de Meroveu, que, por volta do ano 481, através de campanhas militares vitoriosas, conquistou, na Gália, regiões ocupadas por outros povos bárbaros, anexando-as aos seus territórios. Em 496, Clóvis converteu-se ao cristianismo, ganhando, assim, o apoio do clero e da maior parte da população da Gália, constituída por cristãos. A aliança entre Clóvis e a Igreja foi fundamental para unir politicamente a Gália e, ao mesmo tempo, atendeu aos anseios católicos de maior autonomia em relação ao Império Bizantino e de crescimento entre os bárbaros da Europa ocidental.
Foi durante a dinastia merovíngia que consolidou-se o processo de feudalização na Europa ocidental, através do aprofundamento da sincretização de heranças romanas e germânicas. No quadro em negrito encontramos uma síntese dessas bases formativas do feudalismo:
O feudalismo – processo de formação (Fusão de heranças romanas e germânicas).
Elementos romanos
· Relações de clientela – na antiga Roma, as relações de clientela tinham como base a existência de vínculos de dependência pessoal estabelecidos entre um patrício e um plebeu empobrecido. No feudalismo, todas as relações sociais tiveram como fundamento da sua existência o estabelecimento compromissos mútuos entre atores sociais.
· Colonato – relação de trabalho instituída no governo de Constantino. Tinha como característica fundamental o fato de uma família de colonos receber prmissão para trabalhar terras pertencentes a um grande proprietário, prover com isso seu sustento e, em troca, pagar arrendamento ao latifundiário, permanecendo presa a terra.
· Igreja católica – Foi à instituição que mais se fortaleceu na transição do ecravismo ao feudalismo. Surgida durante a fase de declínio do Império romano, transformou-se na mais poderosa instituição do período medieval.
Elementos germânicos
* As invasões germânicas – a partir do século IV d.C., as invasões germânicas na Europa ocidental detonaram dois processos que foram fundamentais na formação do sistema feudal. No primeiro deles, os ataques germânicos as cidades do império romano reforçaram a tendência já existente de ruralização da sociedade na medida em que, ao provocar pânico entre as populações urbanas, aceleraram um movimento de êxodo urbano. Num segundo momento, o estabelecimento dos reinos germânicos iniciou o processo de fragmentação política que caracterizou a Europa ocidental feudal.
* O comitatus (Beneficio) – Costume germânico que consistia na divisão das terras conquistadas por um grupo de guerreiros entre os seus membros. Pela tradição, as terras pertenciam ao chefe que as repartia com seus subordinados, em troca de lealdade. Na idade média a troca de terras por lealdade foi à base para existência das relações de suserania e vassalagem.
* Direito consuetudinário – antes de invadir e fragmentar o império romano do ocidente, os germanos tinham como base de seu ordenamento jurídico a existência de leis costumeiras e não escritas. Embora o direito romano tenha sido preservado, durante o auge do sistema feudal, as leis foram predominantemente costumeiras e ditadas pela tradição que era estabelecida a partir dos senhores feudais.
Após a morte de Clóvis em 511, seus filhos dividiram as terras francas. Os governantes destas terras lentamente perderam grande parte do seu poder para os nobres que eram donos de grandes extensões de terra. Em cada reino franco, o poder era exercido por chefes oficiais do rei, que levavam o título de “Prefeito do Palácio”.
“Clóvis fundou a dinastia merovíngia (...). Entretanto, não transmitiu a seus sucessores um reino unido, mas seguiu o típico costume bárbaro de dividir seu reino entre os filhos. Durante os duzentos anos seguintes, mais ou menos sem interrupção, filhos lutaram contra filhos na tentativa de se apoderaram de um quinhão maior do legado merovíngio. Perto do final desse período, a linhagem também começou a degenerar, e os inúmeros `reis indolentes´ abandonavam o governo e as guerras a seus principais ministros, conhecidos como `mordomos do paço`. Durante toda essa era, uma das mais sombrias na historia escrita na Europa, o comercio diminuiu, as cidades declinaram, a alfabetização foi quase esquecida e a violência tornou-se endêmica. Uma auto-suficiência agrícola mínima com a lei das armas”. (BURNS, EDWARD McNALL. OP. CIT. P. 228).
Um dos Prefeitos do Palácio foi Pepino de Heristal, que reunificou as terras francas. De 687 a 714, Pepino governou todos os francos e construiu uma nova base de poder para sua família na região da Bélgica e do Reno. Seu filho, Carlos Martel, herdou o título de seu pai e as terras sob o seu governo. Durante os anos 717-741, ele governou sobre a maioria da Gália como Prefeito do Palácio. Em 732, as forças de Carlos derrotaram um exército muçulmano na Batalha de Poitiers, numa vitória que impediu a continuidade do avanço muçulmano sobre a Europa Ocidental. Um outro fato importante foi que, ao final do seu governo, Carlos Martel começou a estreitar os laços que o ligavam a Igreja Católica, sobretudo com os beneditinos da Inglaterra.
O reino dos francos sob Carlos Martel
No ano de 751, Pepino o Breve, filho de Carlos Martel, com apoio católico, depôs o ultimo monarca merovíngio e recebeu o título de “Rei dos Francos”, em vez de “Prefeito do Palácio”. O Papa e os nobres francos aprovaram a mudança e assim começou o governo da Dinastia Carolíngia, que durou até o século X e foi nomeada por Carlos Magno, sucessor de Pepino.
A razão do apoio do Papa a Pepino foi que ele esperava o apoio dos francos contra os lombardos, um outro povo germânico. Os lombardos haviam conquistado parte do norte da Itália no século VI e estavam ameaçando as terras da Igreja ao redor de Roma. Pepino invadiu a Itália, derrotou os lombardos e deu ao Papa o território entre Roma e Ravena. Esta região ficou então conhecida como os Estados Papais e, posteriormente ampliada, existiu até a unificação italiana ocorrida apenas no século XIX.
O Império de Carlos Magno
No ano de 786, o filho de Pepino, Carlos Magno, também conhecido como Carlos o Grande, tornou-se rei dos francos. Chamado de “pai da Europa”, Carlos Magno foi uma figura extraordinária na história medieval. Ele era um cristão devoto e um forte simpatizante da Igreja. Através de conquistas militares, ele expandiu a fé cristã, chegando a construir uma bela igreja em Aachen, sua capital, onde comparecia a missas regularmente.
Carlos Magno admirava a cultura das antigas Roma e Grécia, e apesar de só ter aprendido a escrever na idade adulta, ele incentivou o seu aprendizado na Europa, trazendo diversos eruditos para sua escola palatina, situada nas dependências de seu próprio palácio, em Aachen. Sob a supervisão de um monge inglês chamado Alcuino, eles coletaram livros e leram os trabalhos dos antigos romanos, tendo também escrito histórias, textos religiosos e poemas, enquanto imitavam o estilo literário romano. O grande desenvolvimento cultural, para os padrões da época, alcançado sob o governo de Carlos Magno, foi chamado de renascimento carolíngio e possibilitou a preservação de diversas obras da antiguidade greco-romana, pacientemente copiadas pelos alunos das escolas eclesiásticas.
Carlos Magno dedicou grande parte de seu reinado à expansão de seu império. Ele derrotou o rei Lombardo na Itália e conquistou parte do norte da Espanha dos muçulmanos. Tomou também parte das terras que hoje fazem parte da Alemanha e forçou o povo a se submeter ao seu governo e converter-se ao cristianismo. Estas conquistas unificaram a Europa Ocidental pela primeira vez, desde o auge do Império Romano.
No dia de natal do ano de 800, o Papa Leão III coroou Carlos Magno como “Imperador dos Romanos”, do novo Império romano do ocidente. Deve-se notar, porém, que Carlos Magno, segundo a mais nova historiografia, não fez renascer o Império Romano. Ao contrário, seu novo Império formou uma nova civilização - que combinava as culturas dos povos germânicos, o cristianismo e a cultura greco-romana. Esta combinação caracterizou a Europa na Idade Média e, como vimos, foi a partir dela que se constituiu a sociedade feudal.
Na organização administrativa do império de Carlos Magno encontramos as bases do fortalecimento posterior que os poderes locais usufruiriam na Europa Ocidental. O império carolíngio organizava-se em unidades político administrativas chamadas condados e marcas. A maior parte das terras imperiais estava dividida em condados, cujos administradores – os condes – eram diretamente nomeados pelo imperador e a eles ligados pelo juramento de fidelidade. As marcas, unidades de fronteira encarregadas da defesa do império, eram governadas pelos marqueses, que detinham grande poder militar. Havia ainda os Barões, que, de seus fortes, localizados em pontos estratégicos, auxiliavam na defesa das fronteiras. Após o tratado de Verdum, assinado pelos netos de Carlos Magno, essas unidades administrativas gozariam de uma autonomia política cada vez maior.
Após a morte de Carlos Magno, em 814, o governo passou a ser exercido por seu filho, Luís, o piedoso, que permaneceria no poder até 841. A sucessão de Luís gerou grandes disputas entre os netos de Carlos Magno: Lotário, Carlos (o calvo) e Luís (o germânico). Após dois anos de um conflito que desgastou profundamente o Império, os irmãos assinaram o tratado de Verdum (843), a fim de solucionar a questão sucessória. O tratado previu a divisão do império em três partes, rompendo-se a unidade construída por Carlos Magno. A Luís coube a chamada França Oriental (ou Germânia, atual Alemanha), Carlos herdou a França ocidental (atual França) e Lotário recebeu a faixa de terras situada entre esses dois reinos (do centro da atual Itália até o mar do Norte), que passou a se chamar Lotaríngia.
A divisão imposta pelo tratado de Verdum contribuiu para o enfraquecimento do poder real, favorecendo condes, duques e marqueses, que passaram a ter maior autonomia.

2) A sociedade feudal: relações feudo-vassálicas e relações de servidão.

2a) O sistema feudal : Origens do feudalismo na Europa Ocidental.
Conforme já foi analisado anteriormente, desde o século III acelera-se a crise do escravismo romano, particularmente no Ocidente, apontando para seu colapso final no século V. As migrações germânicas, relativamente pacificas, ate o século IV, tornam-se cada vez mais violentas, desestruturando as instituições políticas, econômicas, sociais e jurídicas do Império. A partir de então, sucederá uma progressiva integração das poucas estruturas do mundo romano que sobreviveram com os costumes e instituições germânicas. O sistema feudal é, em grande parte, decorrência deste processo de integração entre elementos romanos e germânicos, acrescidos de concepções teológicas difundidas pela Igreja.
O período compreendido entre os séculos V e X se caracteriza, na Europa Ocidental, pelo lento processo de formação e consolidação do feudalismo. As invasões normandas (vikings), magiares (húngaros) e sarracenas (árabes), entre os séculos IX e X, contribuíram para um maior isolamento da sociedade européia; o comércio mediterrâneo, embora não tenham desaparecido de todo, declinou sensivelmente, levando a uma maior ruralização do mundo medieval. A fragilidade político-militar dos vários reinos germânicos, que se formaram após a desintegração do Estado romano, fez com que as populações ameaçadas buscassem proteção junto aos grandes proprietários de terras, fortalecendo os laços de dependência pessoal entre os homens.

A sociedade feudal
Os círculos sociais do período medieval podem ser compreendidos através de algumas características básicas. A principio, a sociedade feudal pode ser definida como uma organização rigidamente hierarquizada onde, praticamente, não havia a possibilidade de mobilidade social – uma estrutura social estamental. Em meio a essa estrutura hierarquizada, travavam-se relações sociais diversificadas: havia as relações servis (que envolviam os senhores feudais e seus servos – exploração econômica e opressão social dos senhores feudais sobre os servos), existiam relações de solidariedade que se desenvolviam entre os servos (servos de gleba e vilões) e desenvolveram-se as chamadas relações feudo-vassálicas que estavam restritas ao grupo dos senhores feudais (nobreza e clero). Assim, como se pode concluir, o aspecto essencial que define a sociedade feudal é a sua hierarquização a partir da distribuição fundiária e os laços de obrigação mútua que esta distribuição acarreta. Como ressalta um importante estudioso do feudalismo “Pode considerar-se o feudalismo como uma sociedade cujos caracteres dominantes são: um desenvolvimento, levado até muito longe, dos laços de dependência de homem para homem; uma classe de guerreiros especializados a ocuparem os escalões superiores dessa hierarquia; um parcelamento máximo do direito de propriedade; uma hierarquia dos direitos sobre a terra proveniente desse parcelamento e correspondendo a hierarquias dos laços de dependência pessoal a que se acaba de fazer referencia; um parcelamento do poder publico, criando em cada região uma hierarquia de instancias autônomas, que exercem, no seu próprio interesse, poderes normalmente atribuídos ao Estado e, em épocas anteriores, quase sempre de efetiva competência deste”.(GANSHOF, F. L., Que é feudalismo?, coleção saber, publicações Europa-América, pp. 11 – 12).
É nesse contexto histórico que a sociedade feudal, definida por uma série de obrigações que recaíam sobre os grupos sociais que a integravam, se desenvolve. A base de todo sistema eram as relações servis de produção, o que implicava na subordinação jurídica da população rural aos senhores proprietários de terras, o que pode ser considerado como legado do sistema de colonato, instituído durante a época da crise do escravismo romano. Considere-se, ainda, que a existência de uma grande quantidade de mão-de-obra dependente decorria, em grande parte, das técnicas agrícolas rudimentares herdadas da agricultura escravista romana. Assim, como a produtividade era muita pequena, a única forma de aumentá-la era pela chamada “via horizontal”, ou seja, pela ampliação das áreas destinadas ao cultivo. O professor Cyro Rezende, em relação a esta questão, observa: “Herdeiros dos latifundiários romanos trabalhados com mão-de-obra escrava (as”villae”), independente de seu tamanho, o que caracterizava essencialmente os domínios era sua divisão em duas partes. Uma, explorada diretamente pelos proprietários, denominada reserva senhorial, compunha-se de várias construções (castelo fortificado, oficinas, celeiros, estábulos, moinhos), de pastagens, bosques e uma área de terras cultiváveis, que representava até 50% do total disponível no domínio. A outra, chamada de área dos mansos (área das glebas, reserva servil), dividia-se em pequenas parcelas exploradas pelos camponeses. O manso ou gleba pode ser definido como uma unidade de exploração familiar, ou seja, uma parcela de terra suficiente para garantir a sobrevivência de uma família camponesa. Bastante variável em extensão, o manso possuía, em média, 15 hectares, e continha, além de terras aráveis, uma casa e uma horta. O camponês adstrito ao manso completava sua parca dieta com o usufruto das pastagens e dos bosques da reserva senhorial (alguns autores denominam, por razoes didáticas, essas áreas como manso ou reserva comunal) (...).
Os camponeses deviam ao proprietário do domínio, em troca do usufruto hereditário do manso, dois tipos de obrigações: parcelas da produção de seu manso e pagamentos in natura, prestação de serviços gratuitos na reserva senhorial.
Essa dupla extração de excedente econômico, a que o camponês dependente estava sujeito parece ter sido muito mais pesada na obrigatoriedade do trabalho não-remunerado que nos pagamentos em produtos. As fontes disponíveis falam em alguns ovos, aves, porcos, lã, centeio e, muito raramente, dinheiro. O que equivale a dizer que a função primordial do manso era garantir a sobrevivência do camponês, habilitando-o ao cumprimento da tarefa na qual ele se tornara absolutamente indispensável, dada a exigüidade de mão-de-obra da época: o cultivo compulsório das áreas agricultáveis, concentradas na reserva senhorial.
Em outras palavras, o trabalhador rural conseguia a reprodução de sua força de trabalho sem ônus para o proprietário da terra – e ainda lhe pagava por isso, capacitando-se para desempenhar um trabalho do qual não colhia resultado algum: a totalidade da produção conseguida na reserva senhorial era entregue ao proprietário da terra.”. (REZENDE FILHO, Cyro de Barros. História Econômica Geral. São Paulo: Contexto, 1991, p. 48-49).
De uma maneira geral, os camponeses trabalhavam, em média, três dias por semana nas reservas senhoriais, perfazendo um total de 156 dias de trabalho compulsório e não remunerado por ano. Conforme a análise de Cyro Rezende, é aí que se encontra o cerne do sistema. Quanto à outra forma de extração de excedente econômico a que o camponês estava sujeito, o documento a seguir nos fornece uma interessante visão do grau de exploração de que se revestia o cotidiano do camponês medieval: “Em São João (24 de junho), os camponeses de Verson, na Normandia (França), devem ceifar os prados do senhor e levar os frutos ao castelo. Depois, devem cuidar dos fossos. Em agosto, colheita de trigo, que devem levar à granja. Eles próprios não podem recolher os seus feixes senão depois que o senhor tirou antecipadamente sua parte. Em setembro, devem a porcagem: um porco em oito e dos mais bonitos. Em São Diniz (9 de outubro), pagam o censo (quantia fixa em dinheiro que o camponês devia ao senhor), depois o direito de fechar seu campo. No começo do inverno a corvéia sobre a terra senhorial, para prepará-la, semear e passar a grade. Em Santo André (30 de novembro), se paga uma espécie de bolo. Pelo Natal, galinhas boas e finas. Depois, uma certa quantidade de cevada e trigo. No Domingo de Ramos, deve ele a carneiragem – um certo número de carneiros – e uma nova corvéia de trabalho (trabalho não remunerado). Depois deve ir para a forja, ferrar os cavalos; ao bosque, cortar árvores para o senhor e fazer a corvéia de carreto. Ainda mais: o moleiro do castelo, para moer o grão do camponês, cobra o alqueire de grão e uma certa quantidade de farinha; no forno, é preciso pagar também, e o forneiro jura que, se não tiver o seu pagamento, o pão do camponês ficará mal cozido e mal virado.” (Direitos Senhoriais em Verson apud ISAAC, J. & ALBA, A. História Universal – Idade Média. São Paulo: Mestre Jou, 1967, p. 33-34.)
Disso resultou a estrutura social básica do mundo feudal na qual privilégios e obrigações se completavam – a existência de uma rígida divisão social: senhores feudais (membros do clero e da nobreza) num pólo, e dependentes (servos e vilões) no outro. Os homens da época tiveram uma visão bastante nítida dessa ordenação e, pelos menos aqueles que detinham o monopólio do “saber erudito”, geralmente clérigos, produziram inúmeros textos que enaltecem ordem social que deveria ser representada como “natural” e fruto da vontade divina. Nessa sociedade a posse ou propriedade da terra garantia poder, influência e autoridade, os senhores (leigos ou eclesiásticos) proprietários ocupavam o topo da hierarquia social. Na verdade, o acesso à posse ou propriedade da terra, expressão maior da riqueza da época, estava restrito à aristocracia dominante. Como se tratava de uma sociedade na qual os grupos sociais mantinham-se rigidamente estanques. Os dependentes estavam presos a terra, e sequer podiam abandoná-la sem a permissão do senhor. Diferentemente dos escravos de Roma, no entanto, não vistos como mercadorias, posto que não podiam ser vendidos, podiam constituir família e eram proprietários de seus instrumentos de trabalho.
Uma outra realidade da sociedade feudal européia se constituía nas relações feudo-vassálicas ou relações de suserania e vassalagem. A ausência de um genuíno governo central na Europa resultou na criação de uma nova forma de poder político, descentralizada. No sistema feudal, senhores locais, proprietários de grandes terras, eram os donos do poder. Estes nobres, na tentativa de ganhar mais poder, firmavam alianças com outros nobres menos poderosos: em troca de assistência militar e prestação de outros serviços, um nobre cedia terras a um nobre menos poderoso. O nobre que fornecia a terra era chamado de suserano; aquele que recebia a terra era chamado de vassalo. Essa relação era oficializada em uma cerimônia na qual o vassalo prometia lealdade ao suserano
Em troca do uso das terras e por segurança, o vassalo concordava em cumprir com certas obrigações para com o seu suserano. Sua principal obrigação era ajudar o suserano durante batalhas, prestando serviço militar por 40 dias ao ano. O vassalo também se comprometia financeiramente com o suserano; se o suserano fosse preso por um inimigo, o vassalo se obrigava a pagar o resgate. Quando uma filha de um suserano se casava, o vassalo contribuía financeiramente. Além disso, o vassalo era obrigado a participar de um tribunal de lei, onde disputas entre vassalos ou entre vassalos e suseranos eram resolvidas.
O relacionamento entre o suserano e o vassalo era complexo. Um senhor feudal poderia ter vassalos e ao mesmo tempo ser vassalo de outros senhores feudais. Se houvesse uma disputa entre esses senhores feudais, o vassalo teria que escolher a quem apoiar. Poderia ocorrer também que um vassalo cedesse terra a um outro nobre, tornando-se assim um suserano daquele. Segundo BURNS, “(...) por meio de um complicado e sutil processo de racionalização, elaborou-se no decorrer dos séculos X e XI uma vaga teoria que procurava impor alguma ordem dentro do feudalismo. Segundo essa teoria, os pequenos senhores feudais não detinham seus poderes de uma vez para sempre, mas só os exerciam a titulo de feudos, os quais poderiam ser revogados no caso de não serem cumpridas certas obrigações. Na teoria – e grande parte dessa teoria era ignorada, na pratica, durante longos períodos – o Rei ou os senhores mais poderosos concediam feudos, isto é, direitos de governo sobre várias terras, a senhores menores e em troca de um montante estipulado de serviço militar. Por sua vez, esses senhores menores poderiam conceder alguns feudos a senhores ainda menores, em troca de serviços militares, até a cadeia deter-se ao nível mais baixo, o dos cavaleiros. O detentor de um feudo era dito vassalo daquele que o concedia, mas essa expressão não tinha nenhumas das conotações pejorativas que adquiriu hoje. A vassalagem – em tudo diferente da servidão – era uma condição puramente honrosa, e todos os detentores de feudos eram nobres”. (BURNS, OP. CIT. P. 258).

Uma sociedade belicosa
A era dos senhores foi uma época marcada por guerras o que obrigava um senhor feudal a ser um guerreiro habilidoso. Os nobres protegiam seus territórios por meios bélicos. Um jovem nobre era treinado para se tornar um cavaleiro. Ele aprendia a usar uma armadura, montar a cavalo e lutar com espada e lança. Se o jovem provasse sua coragem, ele era nomeado cavaleiro numa cerimônia bastante apreciada pela nobreza.
Os cavaleiros buscavam glória – o respeito de outros nobres e a admiração de mulheres. Eles freqüentemente participavam de torneios com o intuito de ganhar prêmios e honra. Os torneios traziam entretenimento à platéia e serviam como desafios e treinamentos de guerra em tempos de paz.
Por volta do século XII, a nobreza feudal seguia um código de lealdade chamado fidalguia (ideal cavalheiresco): um verdadeiro cavaleiro deveria lutar bravamente, ser leal ao seu senhor, tratar outros cavaleiros com respeito e cortesia, e proteger sua mulher e filhos e os mais fracos também. Um cavaleiro deveria ser um bom cristão, honrar a Igreja e defendê-la de todos os seus inimigos.
A Igreja reconhecia que a luta entre os senhores resultava em desordem e tentava limitar este problema proibindo lutas durante certos dias da semana e certas épocas do ano. Estas restrições, chamadas genericamente de trégua de Deus, porém, nem sempre eram respeitadas.
Vivendo em épocas de muitas guerras, os senhores feudais construíam casas que eram fortificadas para resistir a ataques. Os castelos construídos nos anos 900 eram feitos de madeira. Dois séculos depois, os castelos eram feitos de pedra e cercados por muralhas e torres de guardas.
O castelo do senhor feudal costumava se localizar no alto de um morro rochoso ou às curvas de um rio. O castelo era isolado de outros prédios e árvores e arbustos eram derrubados para que os guardas pudessem avistar inimigos que se aproximassem.
Em volta do castelo havia um fosso: caso um inimigo se aproximasse, a ponte levadiça era erguida e os cavaleiros se deslocavam para os pontos altos do castelo.
O castelo também servia de lar para o senhor feudal. Lá viviam todos os membros de sua família, cavaleiros e serviçais. O castelo continha quartos, uma cozinha, depósitos e uma capela onde o senhor feudal e sua família rezavam. O aposento mais importante do castelo era o grande salão, onde o casal fazia suas refeições, se relacionava com seus servos e recebia convidados. Após o jantar - geralmente um banquete - a família e seus convidados eram entretidos por artistas viajantes.
Durante a Idade Média, a mulher era considerada subordinada ao homem. A filha de um nobre normalmente se casava aos 14 anos de idade, muitas vezes com um homem muito mais velho do que ela. Era o pai da noiva que realizava a cerimônia.
A senhora do castelo supervisionava os afazeres domésticos, a preparação da comida e dos remédios. Quando seu marido estava ausente, ela ordenava os servos e tomava decisões financeiras. Se seu marido fosse capturado por inimigos, ela providenciaria o resgate ou lideraria uma batalha para resgatá-lo. Em algumas regiões da Europa, mulheres herdavam terras, adquirindo poder.

A economia feudal
Do ponto de vista econômico, o sistema feudal se caracterizava pela tendência à auto-suficiência e por ser baseado nas atividades agropastoris: a terra era a principal fonte de riqueza e a produção, essencialmente, agrícola. A produtividade era muito baixa e a apropriação de excedentes pelos senhores (através de impostos) era de tal ordem que o campesinato ficava com apenas 1/6 do total da produção. Não foi comum, pois, o interesse por parte dos camponeses em aumentar a produção, já que, fatalmente, novos tributos e novas formas de expropriação seriam impostos pelos senhores. Para estes, a parte da produção a ser retida pelo camponês deveria corresponder ao mínimo à sua sobrevivência e de sua família.
No modo de produção feudal, uma consideração especial deve ser feita ainda em relação ao seu baixo nível de produtividade. Embora as técnicas de produção apresentassem algum progresso em relação à do modo de produção escravista, o nível das forças produtivas era rudimentar, quer no processo de trabalho agrícola quer no processo de trabalho artesanal. Além do mais, o sistema de trabalho comunitário não estimulava a renovação das técnicas, pois qualquer inovação dependia da aprovação da comunidade aldeã; por conseguinte, prevaleceu à tendência à estagnação técnica.
Uma observação a fazer diz respeito à produção que era fundamentalmente para consumo: destinava-se a satisfazer as necessidades de consumo da família do camponês (produtor direto) e dos demais habitantes do feudo, e não as de um mercado mais amplo. Embora proprietários de seus instrumentos de trabalho (arado, foice, ancinho etc.), o camponês não era livre, estando sujeito a toda uma serie de obrigações servis, já vistas anteriormente, assegurando a renda do solo que garantia o sustento do senhor feudal.
A produção manufatureira também era praticada nos domínios feudais, aproveitando as matérias-primas de origem rural, que eram transformadas por artesãos, muitos dos quais camponeses dependentes. Assim, o domínio feudal tornava-se auto-suficiente em vários produtos, tais como vinhos, cerveja, óleo, derivados de leite, utensílios de madeira, metal e couro, armas, tecidos, etc. No entanto, é importante ressaltar que, em função das limitações técnicas, não se pode afirmar que a economia feudal era totalmente auto-suficiente. Inúmeros estudiosos admitem que sempre houve uma significativa circulação comercial, suprindo os senhorios de produtos vindos de outras regiões, indispensáveis no cotidiano da população. Mercadores sírios e judeus, mesmo que periodicamente, visitavam os domínios e eram responsáveis pela comercialização de mercadorias de luxo (seda, papiro, marfim, especiarias, etc.) consumidos, evidentemente, por uma parcela reduzida da população (os nobres).
Resumidamente poderíamos, em algumas palavras, sintetizarmos as características básicas da economia feudal: Agrária, Rural, tendente a auto-suficiência, de baixa circulação comercial e monetária e com baixíssimo índice de produtividade.

A estrutura política feudal
Outra característica do sistema feudal foi à fragmentação do poder político. Conforme se observou, o feudalismo encontra suas origens em meio à decadência da autoridade do poder central, da precariedade do Estado, de toda uma série de invasões que ampliaram o quadro de insegurança geral, de declínio do comércio e da vida urbana. Acrescente-se, ainda, que o colapso das rendas públicas acentuou-se com a decadência do Império Romano do Ocidente, tornando o poder central ainda mais ineficiente. Diante desta ineficiência, afirmam-se as relações de dependência pessoal, seja entre senhores (Relações feudo-vassálicas), seja entre senhores e servos (as relações servis de produção e dominação). No quadro de desintegração do império romano e, posteriormente, no contexto da fragmentação do império carolíngio a busca de proteção (na maioria das vezes ilusória) junto aos grandes proprietários foi o elemento que sedimentou uma estrutura política descentralizada. O feudo se transformou na unidade fundamental de produção, modo de vida e de poder soberano e era governado pelos senhores feudais (clérigos ou leigos). As relações de suserania e vassalagem garantiram aos senhores (suseranos) aumentar continuamente sua força militar, através do apoio armado que recebia de seus vassalos. Essas relações foram eficazes, em alguns casos, para conter a agressividade das invasões estrangeiras e foi, ao longo da Alta Idade Média, que esse quadro político se consolidou, afirmando-se o poder local, monopolizado pelo senhor feudal. O poder real transformou-se em poder simbólico. Como bem notou Georges Duby, “o feudalismo é nada mais, nada menos, que o fracionamento da autoridade em múltiplas células autônomas. Em cada uma destas, um senhor detém a título privado o poder de comandar e punir e explora tal força como parte de seu patrimônio hereditário.” (ARIES, P., DUBY, G. & VEINE, P. (org.). História da vida privada: do Império Romano ao Ano Mil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, v. I, p. 414.).
No sistema político feudal, a Igreja católica foi a instituição mais poderosa. As origens do poder temporal da igreja remontam ao baixo império romano, quando esta instituição foi forjada como um poderoso aliado do próprio Estado romano ocidental no sentido de conter a crise que o dilacerava. Na época das invasões germânicas, a igreja, mesmo não conseguindo contê-las, conseguiu sobreviver como fonte de autoridade em meio a desordem que as guerras provocavam. Assim, recebendo doações de terras em toda a Europa ocidental, monopolizando a preservação, reprodução e elaboração do saber formal, eliminando adversários e difundindo uma visão teológica do mundo, a igreja católica preservou e ampliou o seu poder na alta idade média.
Embora toda a estrutura de poder que a igreja representou seja analisada no próximo tema, cabem aqui duas importantes considerações:
1. A igreja católica teve como sustentáculo principal de seu poder medieval uma enorme propriedade de terras. Foi a maior senhora feudal da Europa ocidental e, como tal, exerceu influencia sobre a vida política de todos os seus países.
2. Enquanto senhora feudal, a igreja foi beneficiaria e reprodutora da estrutura de opressão político-social e exploração econômica que o feudalismo impunha a maior parcela da população, cumprindo o papel ideológico de justificar as relações mantidas pelos círculos sociais feudais como criadas e desejadas por Deus. No próximo tema analisaremos a estrutura da igreja, o exercício de seu poder temporal e o discurso através do qual ela cumpria seu papel ideológico.

3) A Igreja católica e o imaginário medieval.

3a) O papel da Igreja na Sociedade Feudal
A Igreja teve papel importante na sociedade medieval, não somente no plano da espiritualidade, mas também no domínio material. Com a ruralização da economia, que se estendeu por toda a Alta Idade Média, a Igreja, antes concentrada nas cidades, foi obrigado a se deslocar para o campo, e os bispos e abades se tornaram verdadeiros senhores feudais.
Nessa época, a Igreja praticamente controlava a produção do saber: o domínio da leitura e da escrita eram privilégios quase exclusivos de bispos, padres, abades e monges. Os membros do clero eram, por isso, as pessoas mais aptas para ocupar cargos públicos: a Igreja, que antes dependia dos reis, começou a entrar em conflito com a autoridade real e com ela competir politicamente.
No princípio de sua história, a Igreja não possuía uma estrutura hierarquizada e centralizada. No entanto, à medida que seu poder aumentou (tanto o político quanto econômico, resultado de doações de terras por parte dos fiéis), fez-se necessário uma estruturação.
Em 325, o Concílio de Nicéia estabeleceu a igualdade entre os patriarcas (os chefes espirituais primitivos da Igreja) de Jerusalém, Alexandria, Antioquia e Roma. Entretanto, já por essa época, se atribuía autoridade especial ao patriarca de Roma. Essa autoridade começou a ser estendida a toda a cristandade quando o imperador Teodósio oficializou o cristianismo como religião do Estado romano, em 391.
No século V, surgiram os mosteiros, onde viviam os monges, homens dedicados às orações, ao estudo e ao trabalho, e privados do conforto da vida material. Esses mosteiros foram, durante séculos, os únicos centros conservadores da cultura clássica: possuíam bibliotecas próprias e os monges copistas eram responsáveis pela preservação de inúmeros textos da antiguidade greco-romana, embora, em geral, eram conservadas apenas as obras que servissem aos propósitos da Igreja e que pudessem ser estudadas de acordo com os princípios cristãos.
Na passagem do século VI para o século VII, o papa Gregório I (590-604) se aproveitou da falência do poder imperial e consolidou o poder temporal da Igreja, estabeleceu os direitos e obrigações do clero, iniciou a conversão dos povos germânicos (trabalho levado adiante por seus sucessores – no século VIII grande parte da população da Europa se encontrava cristianizada) e estimulou a fé através do “canto gregoriano” (música de exaltação religiosa em uníssono). “Gregório Magno destacou-se também como estadista, além de teólogo e lingüista. Na Itália ele garantiu a sobrevivência física do papado em face da ameaça lombarda através de uma hábil diplomacia e de uma administração sensata dos territórios católicos. Além disso, voltou a dar ênfase às antigas pretensões de primazia papal, principalmente sobre os bispos do ocidente, que corriam perigo de ser esquecidas. Acima de tudo, protegeu a ordem dos beneditinos (...). Em troca Gregório utilizava os beneditinos para a execução de projetos especiais. O mais importante foi à conversão da Inglaterra anglo-saxônica ao cristianismo. Foi um projeto de longo prazo, que levou cerca de um século para ser completado, mas sua grande conseqüência foi deixar um posto avançado cristão, inteiramente leal ao papado e que em breve ajudaria a unificar o papado e o estado franco.” . (BURNS, EDWARD McNALL. OP. CIT. P.229).
A consolidação do poder temporal e da organização interna da Igreja se deu com a formação e o declínio dos reinos francos:
1) Em 756, quando Pepino, o Breve, da dinastia Merovíngia, constituiu o “Patrimônio de São Pedro”, com as terras conquistadas aos lombardos.
2) Após a morte de Carlos Magno, da dinastia Carolíngia, em 814, quando a estrutura eclesiástica do Império Carolíngio foi submetida à autoridade papal.
3) Quando se consolidou o movimento monástico: este nascera no século III, através de São Basílio, que formulou as regras cenobitas, determinando que os monges deveriam habitar os mosteiros e praticar os votos de pobreza, castidade, caridade e obediência, dando origem ao chamado “clero regular”. Em 529, São Bento fundou a primeira ordem monástica – a Ordem Beneditina, dando-lhe regras próprias, além das anteriores: os monges deviam viver em comunidades, dedicarem-se à oração e ao trabalho manual (artesanal ou agrícola) e intelectual (filosófico ou educativo), assim como elegerem os abades (chefes espirituais e políticos dos mosteiros). Baseadas nos beneditinos, outras ordens surgiram ao longo da Idade Média.

3b) A primeira grande crise moral católica
A fragmentação do Império Carolíngeo, oficializada pelo tratado de Verdum (843), levou a um período de enfraquecimento do poder papal sobre a Igreja, pois grande parte da autoridade do Bispo de Roma fundamentava-se em sua aliança com o Império expandido e consolidado no reinado de Carlos Magno. Desta forma, gradativamente, Bispos e Abades fundiram seus interesses pessoais aos de poderosos senhores de terras, quando não passaram diretamente a serem nomeados pelos mesmos. O poder católico, antes centralizado no Papa, enfraqueceu-se dando lugar a problemas de natureza não somente políticas, mas , sobretudo, moral: “[...] a derrocada do império carolíngio, a descentralização religiosa e conseqüente corrupção passaram a prevalecer na maior parte da Europa. A maioria das Igrejas e mosteiros tornou-se propriedade `privada´ dos poderosos senhores locais, que dispunham de cargos eclesiásticos sobre o seu controle como bem desejavam, muitas vezes vendendo-os ou entregando-os a parentes próximos. (...) Quanto aos Papas eram em geral incompetentes ou corruptos, filhos ou apaniguados de famílias poderosas de Roma ou arredores. Alguns levavam uma vida espantosamente depravada. João XII, talvez, tenha sido o pior deles. Foi eleito papa aos dezoito anos de idade, em 955, devido a influencia de sua família no Sacro império. Sabe-se, com certeza, que viveu em meio a uma completa libertinagem não se conhecendo, ao certo, a causa de sua morte. Ou foi apanhado em flagrante por um marido ciumento e assassinado sumariamente, ou morreu em meio a um ato sexual, de pura exaustão.” (Adaptado de BURNS, OP.CIT., P. 272).

3c) Os movimentos reformistas
Entre os séculos X e XI, para acabar com os abusos morais e a interferência dos senhores sobre a vida monástica, surgiram diversos movimentos reformistas, destacando-se os de Cluny (para acabar com a interferência dos senhores sobre os mosteiros) e Cister (defendendo um restauração da vida espiritual dos monges).
Apesar das tentativas de Cluny e Cister, em fins da Alta Idade Média era crescente a dependência da Igreja em relação à nobreza. Esta vinculação se consolidou quando foi fundado o Sacro Império Romano Germânico (grande parte da atual Alemanha), em 911, por Henrique da Saxônia. Nesta época, bispado e abadias se transformaram em sustentáculo do dito império, pois eram responsáveis por dois terços do exército e por grande parte da arrecadação dos impostos.

3d) A querela das Investiduras
O mais árduo defensor das reformas foi o monge beneditino que se tornou o Papa Gregório VII em 1073. Gregório, como ideólogo que foi, acreditava que o objetivo principal de um papa era o de construir uma sociedade cristã na Terra. Ele declarou que todos os imperadores eram obrigados a se submeterem e obedecerem ao Papa. Tais afirmações resultaram numa luta por poder entre Gregório e Henrique IV, Imperador do Sacro Império Romano-germânico.
A guerra política começou em razão do processo de nomeação de bispos. O Papa Gregório insistia que somente a Igreja tinha o poder de nomear bispos, mas Henrique não concordava. Os bispos alemães eram os mais importantes aliados do Sacro Imperador Romano-germânico. Se Henrique não mais pudesse apontar os bispos alemães, ele perderia o apoio deles.
Gregório alegava que um papa estava acima de qualquer imperador e, portanto, poderia depô-lo. Henrique, transtornado com tal declaração e tendo em vista uma tradição de sobreposição do poder do imperador sobre o poder do papa (entre 955 e 1057 os imperadores germânicos haviam derrubado cinco papas e influenciado na nomeação de outros vinte e cinco), escreveu uma carta alegando que Gregório não era Papa, mas sim um falso monge. Quando a carta chegou às mãos do Papa Gregório, ele decidiu excomungar Henrique, expulsando-o da Igreja. O decreto de excomunhão, de 1076, determinava que Henrique não era mais rei da Itália e da Alemanha, pois havia se rebelado contra a Igreja.
Os bispos alemães tinham medo de apoiar Henrique e arriscar serem excomungados pelo Papa (e a salvação pessoal era um objetivo perseguido pelos homens da idade média, inclusive clérigos). Já os nobres alemães aproveitaram esta oportunidade para se rebelar contra Henrique e fortalecer o poder local. Uma guerra civil logo se espalhou pela Alemanha e a situação piorou quando os nobres convidaram o Papa Gregório a vir à Alemanha e coroar um novo imperador.
Para evitar a perda total de seu poder, Henrique foi à Itália em janeiro de 1077 para tentar persuadir Gregório a anular a excomunhão. Se o Papa concordasse, os nobres alemães acabariam com a revolta contra Henrique. Henrique chegou em Canossa e durante três dias permaneceu de pé, sem sapatos, sobre a neve, em frente às muralhas do castelo até que o Papa Gregório decidisse perdoá-lo. A imagem de um imperador implorando por perdão fortaleceu o poder do Papa. Porém, Canossa também foi uma vitória para Henrique, pois o Papa desistiu de seu plano de apoiar os rebeldes alemães e apoiar um novo imperador.
“Em 1077 Henrique IV se humilhou diante do papa com o intuito de protela uma deposição formal: esse ato espantou os contemporâneos ainda mais. Posteriormente Henrique conseguiu mobilizar algum apoio para si, seguindo-se uma terrível guerra verbal, ao passo que no campo de batalha propriamente dito o imperador foi capaz de por na defensiva as tropas que apoiavam o papa. Em 1085 Gregório morreu, aparentemente derrotado, mas seus sucessores continuaram a luta contra Henrique IV e, mais tarde, contra seu filho, Henrique V.” (BURNS, OP.CIT., Pp. 274-275).

3d) O Édito de Worms
Anos após o episódio em Canossa, a Igreja e Henrique V firmaram um acordo na cidade de Worms, na Alemanha. De acordo com o Édito de Worms, Henrique abriu mão de seu direito de nomear bispos que passou a ser exercido pela Igreja. Em troca, Henrique V manteve o direito de conceder terras e direitos políticos aos bispos. O Édito de Worms firmava que a Igreja tinha autoridade absoluta em assuntos espirituais e o Imperador em questões temporais. O acordo, contudo, não determinou quem teria supremacia política. Durante muitos anos, os papas proclamavam que reis e imperadores deviam se submeter ao seu poder. Os imperadores do Sacro Império Romano rejeitavam esta exigência e tentavam controlar as prósperas cidades-estados no norte da Itália.
“O acabou sendo menos importante que o fato de haver o conflito prejudicado duradouramente o prestígio dos imperadores e aumentado o poder dos papas. Além disso, o conflito ajudou a reunir o clero ocidental em torno do papa e galvanizou a atenção das pessoas. (...) Isso fez com que pessoas antes indiferentes às questões religiosas o que delas eram excluídos passassem a se interessar pelas mesmas”. (BURNS, OP.CIT., P. 275).
O poder do papado chegou ao seu ponto mais alto sob a liderança do Papa Inocente III (1198-1216). Ele proclamou que o Papa estava acima de todos os homens, tinha o direito de julgar todos eles, mas nunca poderia ser julgado por outras pessoas. O Papa Inocente estabeleceu o papado como o centro da vida política européia, intervindo nos assuntos de estado de qualquer reino.
3e) A ação da igreja sobre a sociedade
A igreja constituiu-se na instituição mais poderosa da sociedade medieval sobre a qual exerceu influencia marcante, tendo o papa se tornado o dirigente supremo da cristandade ocidental.
Na economia, a ação da igreja se fez sentir de maneiras diversas, não só por suas concepções comunitárias, mas também por dispor de rico patrimônio representado pelos feudos eclesiásticos. A igreja formulou, igualmente, diversos princípios de natureza econômica que deviam atender as necessidades da comunidade e não ao proveito individual: condenou a usura e a especulação impondo o justo preço e, com ele, exercendo controle sobre as atividades comercial e manufatureira.
No setor educacional, a igreja controlou o ensino durante a maior parte da idade média, seja fixando diretrizes pedagógicas, seja fundando escolas e preparando os alunos para seguir a carreira eclesiástica.
A ação da igreja não se limitou apenas à economia e educação. Vimos, nos itens anteriores, como a instituição consolidou o seu poder sobre os cristãos do ocidente se impondo, nos assuntos religiosos, a influencia de senhores feudais e monarcas. Além disso, sua jurisdição incidiu sobre outros componentes da sociedade, os quais se subordinaram aos preceitos canônicos relativos à família, regulamentação do casamento, dotes, heranças, direitos e deveres dos cônjuges e anulação do matrimonio devido a incesto, bigamia, etc. Eram as paróquias que registravam os atos de batismo, casamento e falecimento, enquanto os tribunais eclesiásticos julgavam questões que envolviam testamentos, casamentos, etc. Igualmente importante foi sua ação na defesa dos fracos e oprimidos, através da moderação da rudeza dos costumes feudais, da concessão do direito de asilo e de ativa assistência social: por sua riqueza pode fundar e manter orfanatos, hospitais, leprosários e asilos; por seu poder impôs o asilo de Deus, que colocava sobre sua proteção os que estivessem em domínios da Igreja, e a trégua de deus, que limitava as guerras medievais.
Destarte, no campo ideológico, a ação da Igreja católica foi marcante. Como maior beneficiaria da exploração feudal, estruturou um discurso que procurava justificar as desigualdades feudais. Através do teocentrismo, procurava demonstrar que as desigualdades existentes, penalizadoras, sobretudo, dos servos, eram parte de uma ordem terreno-espiritual que reservava a salvação para os oprimidos na vida eterna, o que atendia a uma determinação divina. Segundo um religioso medieval: “Deus quis que, entre os homens, uns fossem senhores e outros servos, de tal maneira que os senhores estejam obrigados a venerar e amar a Deus, e que os servos estejam obrigados a amar e venerar o seu senhor...”. (ANGERS, St. Laud de. In: Freitas, Gustavo de. 900 textos e documentos de história. Lisboa: Plátano, 1975.). Por outro lado, esse mesmo discurso era completado pela idéia de que aos senhores, para expiar seus pecados, restava reforçar “o patrimônio de Deus na terra”, através de doações.
A concepção teocentrica do mundo era complementada por um discurso que procurava apresentar a sociedade feudal como desejada e determinada por Deus, onde os interesses coletivos prevaleciam sobre os interesses individuais: “(...) o domínio da fé é uno, mas há um triplo estatuto na ordem. A lei humana impõe duas condições: o nobre e o servo não estão submetidos ao mesmo regime. Os guerreiros são protetores das igrejas. Eles defendem os poderosos e os fracos (...). Os servos, por sua vez, tem outra condição. Esta roça de infelizes não tem nada sem sofrimento. (...) fornecer a todos alimentos e vestuário: eis a função dos servos. Nenhum homem livre pode viver sem eles (...) A casa de deus que parece una é portanto tripla: uns rezam, outros combatem e outros trabalham. Todos os três formam um conjunto e não se separam: a obra de uns permite o trabalho dos outros dois e cada qual por sua vez presta seu apoio aos outros”. (JÚNIOR, Hilário Franco. O feudalismo. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 34).

3f) Os movimentos heréticos
Apesar de seu poder político, econômico e espiritual, e com a crescente corrupção do clero, a Igreja enfrentou inúmeras contestações. Durante toda Idade Média, surgiram uma série de movimentos que se opunham aos seus dogmas (verdades de fé): as heresias.
Dentre estas, podemos destacar dois tipos: as heresias teológicas (que contestavam os princípios filosófico-religiosos da Igreja) e as heresias radicais (que se opunham ao poder temporal, a sua riqueza, à idolatria e à própria estrutura interna da Igreja). Entre as primeiras, os movimentos mais importantes foram o arianismo (negava a divindade de Cristo) e o monofisismo (reconhecia apenas a natureza divina de Cristo).
Entre as segundas, podemos destacar os valdenses (referência a Pierre Valdes – que negavam a necessidade de intermediação sacerdotal entre Deus e os homens e pregava a pobreza do clero), os cátaros (“puros”) ou albigenses (referência à cidade de Albi, no sul da França, principal foco de sua atuação – defensores de uma vida pobre e comunitarista, inclusive promovendo ações violentas com membros do clero) e os mendicantes, dentre estes os franciscanos (seguidores de São Francisco de Assis: praticantes da pobreza e da caridade e valorizadores da educação). Estes, com atuação mais marcante na Baixa Idade Média, eram também radicais críticos das desigualdades que marcava a sociedade feudal. Posteriormente ao seu surgimento, os franciscanos foram incluídos na estrutura da própria Igreja, muito devido a sua grande influência popular, através da ordem dos franciscanos, fato que não eliminou a perseguição individual contra muitos de seus membros.
Para combater esses movimentos e defender seus dogmas, a Igreja usou de vários métodos, inclusive violentos: contra os cátaros, por exemplo, foram organizadas expedições militares. No século XIII, o papa Gregório IX criou o Tribunal do Santo Ofício – a Santa Inquisição. Os métodos utilizados pela Inquisição ficaram marcados pela extrema severidade, incluindo prisões, torturas e morte na fogueira.

3g) Novas ordens religiosas
O fervor medieval em torno da religião, levou à formação de duas novas ordens de frades - monges que não viviam em mosteiros, mas andavam entre as pessoas, pregando e fazendo boas ações. Embora exista fundamento histórico na afirmação de que franciscanos e dominicanos constituíram-se como posições contrarias ao poder temporal da Igreja católica sendo, nesse sentido, também uma heresia, é preciso afirmar que ambas declararam-se como ordens submissas à autoridade papal e acabaram servindo como instrumento eficaz de combate ao que a Igreja considerava como heresias. Assim, “assemelhavam-se aos hereges valdenses, mas professavam absoluta obediência ao papa e procuravam eles próprios combater as heresias.” (BURNS, P. 289).
A ordem dos Dominicanos foi criada por São Domingos (1170-1221), um nobre espanhol. Dentre os dominicanos estavam alguns dos principais mestres das universidades medievais. Estes intelectuais também trabalhavam como missionários e participavam ativamente da Inquisição em sua luta contra a heresia.
Um outro grupo de frades era denominado de Franciscanos. O grupo foi nomeado em honra de seu fundador, São Francisco de Assis, que viveu durante os anos 1182-1226. Francisco nasceu numa rica família de comerciantes italianos, mas abriu mão de seus pertences e começou a percorrer por vilarejos italianos, pregando e conhecendo pessoas.
“Apesar do constantes questionamentos a riqueza e poder da igreja, “Até o século XIII, tanto franciscanos quanto dominicanos trabalharam em estreita aliança com a monarquia papal, mantendo um relacionamento de mutuo apoio. Os papas ajudavam os padres a se propagar por toda a Europa e muitas vezes lhes permitia até usurpar alguns deveres dos párocos. Por sua vez, os frades combatiam as heresias e ajudavam a pregar as cruzadas papais, realizando ativo trabalho missionário.”. (BURNS, P. 290).

4) Apogeu e Transformações Na Sociedade Feudal: o início de uma longa Transição.

4a) O apogeu do feudalismo
Com o declínio do Império Carolíngio, após a “partilha de Verdun”, a Europa assistiu uma nova onda de invasões bárbaras: vikings a norte; magiares a leste; e sarracenos a sul. Este processo possibilitou a consolidação do feudalismo entre os séculos IX e XI e seu posterior apogeu entre os séculos XI e XIII.
Nesta época, a sociedade feudal européia assistiu a um sensível progresso técnico resultado dos contatos com as populações mouras que ocupavam a Península Ibérica desde o século VIII: o rodízio trienal dos campos, a utilização em larga escala da charrua (arado de ferro), o moinho hidráulico, foram algumas das inovações desse período.
Além disso, os anos que se sucederam às últimas invasões bárbaras foram marcados por uma relativa paz, que, somada às inovações tecnológicas mencionadas, possibilitaram um notável crescimento demográfico e um amplo processo de arroteamento, isto é, a ocupação e o cultivo de áreas ate então incultiváveis: florestas foram devastadas; pântanos, soterrados.
Apesar da ocupação de novas áreas, o aumento populacional forçou um progressivo êxodo rural, posto que nem todos conseguissem inserção na economia feudal. Estes deserdados, gradativamente, abandonavam os feudos e se instalavam nas pequenas vilas e burgos (fortalezas medievais) em torno de castelos, mosteiros e/ou igrejas dando início à revitalização das cidades e de uma “nova“ economia urbana. O comércio, antes localizado e praticado em pequenas feiras irregulares, se amplia e se regionaliza; o artesanato lhe acompanha, seja para atender seu crescimento, seja para assegurar o abastecimento dos moradores das nascentes cidades.
Até mesmo a nobreza feudal sente os efeitos das transformações que ocorreram nesse momento. Com o aumento do numero de nobres, devido ao crescimento vegetativo, e por conta do direito de primogenitura, as disputas por terras se generalizam e, já na segunda metade do século XI, guerras entre senhores (com e/ou sem feudos) eclodem em toda a Europa, apesar dos esforços olvidados pela Igreja no sentido de reduzi-las: a chamada “Trégua de Deus” – quando o papado impôs pena de excomunhão para quem realizasse combates durante a primavera, época reservada à colheita.

4b) O Movimento das Cruzadas
A generalização dos conflitos entre a nobreza feudal a partir da segunda metade do século XI se fez acompanhar de crescentes problemas políticos e religiosos e de ameaças militares externas sobre a Europa. Já em princípios do século XI, tribos turcas (de origem tártaro-mongol) islamizadas avançaram sobre as regiões do Oriente Próximo e da Ásia Menor pressionando as fronteiras do Império Bizantino e, em 1071, invadiram e ocuparam Jerusalém, obstacularizando a peregrinação cristã aos “lugares santos” (onde nascera, vivera, pregara e morrera Jesus de Nazaré).
Um pouco antes, em 1054, devido às crescentes diferenças de doutrinas e de práticas ritualísticas e às intensas disputas políticas entre seus líderes, ocorrera a divisão da Igreja Católica em: apostólica romana (sob liderança política e espiritual do papa) e ortodoxa grega (comandada politicamente pelo imperador bizantino; e espiritualmente pelo patriarca de Constantinopla) – era o denominado Cisma do Oriente.
Foi nesse ambiente de rápidas transformações sócio-econômicas e de grave crise militar e religiosa que, em 1095, o papa Urbano II convocou o Concílio de Clermont (França) e, em seu discurso de abertura, conclamou a realização das cruzadas: expedições militares contra os infiéis (povos não-cristãos, especialmente árabes e turcos) para a reconquista da “Terra Santa” e pela reunificação dos cristãos ocidentais e orientais. No que foi incentivado por nobres – que buscavam aventurar conquistas territoriais, riqueza e prestigio militar – e pelos mercadores italianos – que objetivam ampliar seus mercados para o oriente, bem como forçar a reabertura comercial do Mediterrâneo que estava sob domínio árabe dede o século VIII.
O trecho do discurso do papa Urbano II, que reproduzimos a seguir, serve para que possamos ter uma idéia do clima de tensão social, econômica, política e militar por que passava a Europa naquele momento, assim como da forte religiosidade que lhe marcava culturalmente:
“Deixai os que outrora estavam acostumados a se baterem, impiedosamente, contra os fiéis, em guerras particulares, lutarem contra os infiéis (...). Deixai os que até aqui foram ladrões, tornarem-se soldados. Deixai aqueles, que outrora se bateram contra seus irmãos e parentes, lutarem agora contra os bárbaros, como devem. Deixai os que outrora foram mercenários, a baixos salários, receberem agora a recompensa eterna.
Uma vez que a terra que vós habitais, fechada de todos os lados pelo mar e circundada por picos de montanhas, é demasiado pequena à vossa grande população: sua riqueza não abunda, mal fornece alimento necessário aos seus cultivadores (...) tomai o caminho do ‘Santo Sepulcro’; arrebatai aquela terra à raça perversa e submetei-a a vós mesmos. (...) Jerusalém é o umbigo do mundo; a terra é mais que todas frutífera, como um novo paraíso de deleites.” (Vicentino, Cláudio.História Geral. 17ª Ed. São Paulo, Scipione, 1999. p. 138.).
Os estudiosos em geral variam os números de cruzadas entre sete e doze realizadas a partir fins do século XI até o século XV, quando os cristãos espanhóis tomaram Granada e expulsaram os mouros do território europeu. Para facilitar nossos objetivos, podemos classificar as cruzadas em dois tipos. Num primeiro, se enquadram as cruzadas do Oriente, que tentaram a retomada de Jerusalém e fracassaram. (Salvo a primeira, chamada de “Cruzada dos Nobres”: Em 1099 conquistaram Jerusalém e conseguiram mantê-la sob domínio cristão por um curto período através dos chamados Reinos Cristãos do Oriente e do apoio de ordens militar-religiosas, como foi o caso dos Templários, por exemplo.)
No segundo, estão as cruzadas do Ocidente que se deram em solo europeu para a “reconquista da Península Ibérica” (episódio inicial para a formação dos reinos de Portugal e Espanha) e no combate aos movimentos heréticos (cátaros, valdenses, entre outros); estas lograram êxito. Entre os dois extremos, ainda foi realizada uma “cruzada comercial” – a Cruzada dos Mercadores (1202-1204): patrocinada pelos mercadores de Veneza, se desviou de seu intuito oficial e se direcionou contra Constantinopla, que foi saqueada e mantida sob domínio veneziano até 1261, resultando na hegemonia da cidade italiana sobre o comércio mediterrânico europeu.
O Movimento das Cruzadas, embora fracassado em seus objetivos iniciais, tanto nos religiosos (reconquista da Terra Santa e reunificação da cristandade) quanto econômicos (expansão territorial para pacificação da nobreza feudal e ampliação da área cultivável), trouxe importantes conseqüências para a sociedade européia medieval.
A reabertura comercial do Mediterrâneo para os mercadores europeus e o restabelecimento dos contatos com o Oriente (Próximo: Ásia Menor, Península Arábica e Egito – e Extremo: Pérsia, Índia e China), resultante das Cruzadas, ampliaram o comércio europeu, externo (no entorno do Mediterrâneo) e interno (por rotas terrestres e marítimas), tendo como epicentro as cidades italianas, a partir de meados do século XII.
O desenvolvimento das atividades urbanas, intensificado pelo movimento cruzadista, e seu conseqüente fracasso militar e religioso, deu início ao processo de desagregação do feudalismo e ao progressivo declínio socioeconômico de suas camadas dominantes (clero e nobreza feudal). As cidades foram se revitalizando: funcionando como centros mercantis, deram origem a novas camadas sociais e destas, novos padrões de relações entre elas e de comportamento vinculados a uma economia crescentemente mercantil e monetarizada – era o renascimento comercial e urbano europeu nos séculos XII a XIV.

4c) O Renascimento Comercial e Urbano
As origens do Renascimento Comercial e Urbano que ocorreu na Europa Ocidental, a partir de fins do século XI, estão relacionadas ao próprio dinamismo do modo de produção feudal, consolidado entre os séculos IX e X, mas intensamente a partir deste.
O desenvolvimento técnico, o fim das invasões bárbaras, crescimento demográfico e o cada vez mais intenso êxodo rural deram início ao progressivo processo de revitalização urbana. Gradativamente, pequenas vilas rurais, onde até então sucediam feiras eventuais e irregulares, vão se transformando em centros mercantis e artesanais nos quais residem um novo grupo social cujo modus vivendi se vincula àquelas atividades e são expressão da posse de riqueza móvel, isto é comércio, mercadorias e/ou moedas: a burguesia.
A ampliação do comércio trouxe consigo uma “verdadeira revolução no artesanato”. As possibilidades advindas da difusão do uso da energia hidráulica e da generalização da lã para a confecção de tecidos resultaram num salto tecnológico no artesanato, principalmente na tecelagem. A divisão do trabalho voltou a se verificar com o surgimento das corporações de ofício, principalmente nas cidades italianas ao sul e na região de Flandres ao norte, completou esse processo: o advento e ­desenvolvimento das manufaturas, o que deu maior dinamismo à economia feudal, a partir de meados do século XII.
As corporações rapidamente assumem o controle da economia das cidades: “determinavam o preço, o método de fabricação e o tipo e quantidade de matérias-primas a serem utilizados em seus produtos, assim como o salário e o numero de empregados. Em suma, as regulamentações [desses grêmios] tinham como objetivo proibir a concorrência e, portanto, estabelecer o monopólio”. (Koshiba, L. & Frayze, D. História Geral e do Brasil: trabalho, cultura e poder. São Paulo: Atual, 2004. p. 102).
Dentro das corporações de ofício a divisão do trabalho se intensifica. As tarefas vão sendo divididas entre os artesãos e/ou grupo. A produtividade aumenta. A comercialização dos produtos fica a cargo de associações de mercadores – as guildas – que monopolizam o mercado urbano. Com a expansão do comercio surgem ligas de cidades em várias regiões da Europa, mas especialmente no norte onde atuava a Liga Hanseática, que unia mais de 300 cidades.
Um outro comércio que cresceu foi o de longa distancia, através da abertura de novas rotas comerciais. As cruzadas deram grande impulso às atividades comerciais no mediterrâneo. Cidades da península itálica, como Veneza e Gênova, passaram praticamente a monopolizar os contatos com o oriente. Outro importante pólo de atividades comerciais se desenvolveu simultaneamente ao norte da Europa, na região de Flandres (norte da atual Bélgica). A partir dele, o comercio se propagou pelo mar báltico, chegando até a Rússia. Mais tarde as cidades do sacro, império romano-germanico formaram uma liga comercial chamada Hansa Teutônica, que monopolizou o comercio nessa região. Ligando Flandres (norte) a península itálica (sul), desenvolveu-se uma rota terrestre que atravessava a região franca de champagne. Nesse percurso realizavam-se, durante todo ano, grandes feiras, que serviam de ponto de encontro aos comerciantes europeus. Entre os séculos XIII e XIV, formou-se na Europa uma verdadeira teia de rotas por onde começou a fluir um prospero e intenso comércio.
O incremento do comércio a longa distância, envolvendo diversas regiões especializadas, numa época na qual os meios de transportes eram bastante limitados e o clima de insegurança era crescente devido às constantes guerras, à atuação de bandoleiros e às extorsões dos senhores, forçou o surgimento de novos mecanismos para funcionarem como padrão de troca e de câmbio entre as diversas moedas, além de elevar o grau de segurança dos mercadores: as chamadas cartas de câmbio. Sua emissão por ligas de mercadores resultou no surgimento e desenvolvimento das atividades financeiras, que deram origem ao sistema bancário moderno.
O fortalecimento da economia urbana resultou na formação e ascensão socioeconômica de um patriciado urbano, composto de grandes mercadores e pelos mestres artesãos que fossem proprietários de oficinas e grêmios – foi desta camada que se formou a burguesia – que cedo se distanciaram da massa de trabalhadores que ia se proletarizando, devido à expansão do trabalho assalariado: seja como companheiros, jornaleiros ou aprendizes.
Este grupo, devido ao seu enriquecimento e ascensão socioeconômica, passaram a questionar o domínio senhorial sobre as cidades exigindo sua autonomia das rígidas hierarquias sociais, políticas e econômicas feudais. Além disso, a transferência de rendas para a aristocracia feudal e eclesiástica, através de tributos, impostos e dízimos de toda ordem, limitava a expansão das atividades econômicas urbanas.
Em meados do século XII, na região de Flandres, ao norte, então principal centro manufatureiro da Europa; nas feiras de Champagne, na França, onde se cruzavam grande parte das rotas mercantis terrestres; e nas cidades italianas, ao sul, pólo mais dinâmico do comércio mediterrânico; teve início a luta pela autonomia das cidades em relação aos senhores feudais. Em geral, os grupos sociais urbanos contaram com o apoio dos monarcas medievais, que viram nestes aliados na busca da centralização política e administrativa de seus reinos e fonte de tributação permanente para a sustentação de exércitos e de um corpo burocrático-administrativo: aqui está o embrião dos estados modernos que se constituíram a partir de fins do século XIV.
As crescentes pressões das camadas urbanas resultaram que muitas cidades conseguiram suas autonomias já em fins do século XII. Em alguns casos, por meio de negociação e pagamento de indenização aos antigos senhores, quando obtinha a chamada “Carta de Franquia”. Em outros, por meio da violência através de levantes ou da contratação de mercenários para enfrentar os exércitos senhoriais, quando conseguiam a “Carta Comunal”. Após a obtenção da autonomia, as cidades constituíam organizações administrativas próprias até que, a partir dos fins do século XIV, foram submetidas em organizações políticas mais amplas, tanto do ponto de vista administrativo quanto territorial: os Estados nacionais modernos.

4d) A Crise Feudal dos séculos XIV e XV
Origens da crise feudal: a Grande Fome e a Peste.
O início do século XIV, na Europa, foi marcado por um ciclo de desequilíbrios climáticos, períodos de secas e nevascas se sucederam. Somando-se a isso, o rápido esgotamento de vastas áreas, a produção agrícola foi prejudicada e os preços de gêneros, cereais e matérias-primas em geral subiram.
Os mercados urbanos se retraíram, acompanhados pela estagnação do comércio devido à escassez de metais preciosos, para cunhagem de moedas, por conta da sua crescente transferência para o Oriente causada pelo encarecimento de suas especiarias; processo resultante da expansão turco-mongólica.
A fome se espalhou e se tornou endêmica. A série de má colheitas trouxe uma fase de extrema penúria, especialmente os anos entre 1315 e 1317: a chamada Grande Fome. A população desnutrida e, em várias regiões concentradas em vilas e cidades sem condições de moradia, higiene e saneamento mínimos, ficava ainda mais suscetível à propagação de epidemias.
Em meados do séculos XIV, se deu o mais terrível desses surtos epidêmicos: a Peste Negra, que matou aproximadamente um terço da população européia entre os anos de 1347 e 1352. A historiadora Bárbara Tuchman, especialista no tema, assim descreve a chegada e a disseminação da “peste” na Europa:
“Em outubro de 1347, dois meses após a queda de Calais, navios mercantes genoveses chegaram ao porto de Messina, na Sicília, com homens mortos e agonizantes nos remos. Vinham do porto de Cafa no mar Negro, na Criméia, onde os genoveses tinham um posto de comércio. Os marinheiros doentes tinham estranhas inchações escuras, do tamanho de um ovo (...), nas axilas e virilhas, que purgavam pus e sangue e eram acompanhadas por manchas negras por todo o corpo, provocadas por hemorragias internas. Sentiam muitas dores e morriam rapidamente, cinco dias após os primeiros sintomas. Com a disseminação da doença, outros sintomas, como febre constante e escarro sangrento, surgiram em lugar das inchações e bubões. As vitimas tossiam, suavam muito e morriam depressa, dentro de três dias ou menos (...). (...) Tudo o que saía do corpo – hálito, suor, sangue dos bubões e pulmões, urina sanguinolenta e excrementos enegrecidos pelo sangue – cheirava mal. A depressão e o desespero acompanhavam os sintomas físicos e ‘a morte se estampava no rosto’. Essa doença era a ‘peste bubônica’ (...)”. (TUCHMAN, B. W. Um espelho distante: o terrível século XIV. p. 87.)

4e) As revoltas populares
A fome endêmica, a propagação da peste e o aumento da mortandade, no campo e nas cidades, agravaram os efeitos da crise econômica que já se desenhara. Esta, por seu turno, provocava a intensificação dos conflitos e guerras feudais, por terras, feudos e títulos, num crescente desde fins do século XI, apesar do interregno das Cruzadas.
Os senhores oneravam crescentemente os camponeses, aumentando impostos e a jornada de trabalho, exigindo o pagamento de rendas e tributos em moedas, para bancar os custos e despesas militares. Nas cidades, a monopolização das atividades econômicas pelas corporações de ofícios e grêmios e os sucessivos aumentos de impostos exigidos pelos senhores também agravavam a penúria das camadas pobres e as desigualdades sociais. Era a costumeiramente chamada super-exploração feudal.
Os primeiros levantes de vulto eclodiram em 1323 na região de Flandres. Daí em diante, em vários pontos da Europa, de tempos em tempos, os camponeses se sublevavam contra a nobreza feudal. Os movimentos mais notáveis se deram na França, em 1358, durante a Guerra dos Cem Anos, quando a Inglaterra impunha uma serie de humilhantes derrotas aos franceses: as Jacqueries.
As rebeliões populares também atingiram as cidades. Nestas os trabalhadores e artesãos pobres se levantaram contra o controle político do patriciado e contra os monopólios econômicos das corporações, exigindo melhores salários e redução da jornada de trabalho. O epicentro dessas revoltas urbanas – também chamadas Comunas – se deu na região de Florença, na Itália, em 1378.
Esses movimentos populares foram reprimidos com extrema violência. Porem, o temor que eles despertaram nas camadas feudais dominantes obrigou os senhores a reconsiderar suas praticas políticas e aliviarem as pressões sobre os trabalhadores. Dentre as conseqüências mais notáveis dos levantes, podemos citar: a revisão do estatuto da servidão com a crescente emancipação dos servos – gradativamente as relações servis foram sendo substituídas por rendas monetarizadas.
As cidades também foram beneficiadas pelos confrontos entre nobre e servos vez que elas serviram de contrapeso entre os dois pólos, embora pendessem para o lado dos camponeses: o enfraquecimento da nobreza feudal contribuiu sobremaneira para que grande parte delas conseguisse sua autonomia política em relação aos senhores, principalmente nas região de Flandres, na França e no norte da Itália, onde as revoltas populares foram mais contundentes.
A crise social geral também atingiu a Igreja. Um clima de misticismo apocalíptico se espalhou entre a população o que facilitou o surgimento e expansão de diversas heresias que questionavam a riqueza e o poder da Igreja, atacando mosteiros e membros do clero, inclusive violentamente.
A crise da Igreja se agravou no decorrer do século XIV quando se tornou crescente a interferência dos reis franceses sobre a escolha dos papas. Esta interferência culminou com a transferência da sede do papado para Avignon, ficando sob tutela dos reis franceses, episódio conhecido como “Cativeiro da Babilônia” (1307-1377), e com o chamado Cisma do Ocidente: a transferência do papado para Avignon não teve aceitação por parte do clero romano, culminando com a eleição de outro papa em Roma, seguido, mais tarde, da escolha de um terceiro, de curta duração, em Pisa. A crise aumentou quando um dos papas buscou combater seu concorrente, determinando excomunhões ao seu rival e a seus seguidores. Somente em 1417, quando foi eleito um único papa – Martim V – no Concílio de Constança, teve fim o Grande Cisma.

4f) A Guerra dos Cem Anos (1337-1453)
A crise generalizada e as rebeliões populares agravaram a situação do setor rural, reduzindo as rendas dos senhorios. Para recompor seus ganhos, a nobreza feudal recorreu à rapinagem e à violência. As guerras feudais se multiplicaram e se generalizaram no século XIV. A mais violenta, ampla e prolongada dessas guerras foi a Guerra dos Cem Anos, entre a França e a Inglaterra, de 1337 a 1453, com poucos períodos de trégua.
A origem dos conflitos se vincula às velhas disputas e rivalidades entre as nobrezas inglesa e francesa, agravadas pela crise geral porque passava o feudalismo. O início da guerra esta relacionado à disputa pelo trono da França, após a morte de Carlos IV, da dinastia capetíngia, sem deixar sucessores diretos. O trono francês foi reivindicado pelo rei inglês, Eduardo III (cuja avó era da família dos Capetos). A nobreza francesa, baseada na lei sálica (que proibia a sucessão por linhagem feminina) não aceitou, optando pela família dos Valois, de origem francesa.
A essa questão política se somou as disputas pelo controle da região de Flandres, que concentrava um ativo comércio e importantes manufaturas, cuja matéria-prima (a lã) era proveniente da Inglaterra, por isso, a burguesia flamenga se aliou aos ingleses contra do direitos feudais que a nobreza francesa exercia na região.

Ao final de mais de um século de combates, os franceses resistiram às investidas inglesas devido à forte participação das camadas pobres, sob liderança de Joana D’Arc, heroína de origem camponesa, queimada como herege em 1431. Sua morte deu origem ao nacionalismo francês, que uniu a população francesa, culminando na expulsão dos ingleses, no desgaste e enfraquecimento da nobreza feudal que contribuíram sobremaneira para a unificação territorial da França.
O fim da Guerra dos Cem Anos, em 1453, é um dos marcos finais da Idade Média, ao lado da “tomada de Constantinopla pelos turco otomanos”, que é o episodio mais utilizado para esta delimitação.

5) Transição política: a formação das monarquias nacionais.
5a) Antecedentes
As transformações socioeconômicas porque passou o modo de produção feudal entre os séculos XI e XIV, acompanhadas pela revitalização das cidades e da economia urbana; a formação e ascensão socioeconômica da burguesia; as revoltas e guerras generalizadas dos séculos XIV e XV; resultaram no enfraquecimento das camadas feudais dominantes, tanto da nobreza como do clero.
A crise geral do século XIV consolidou a convergência de interesses entre a burguesia ascendente e os monarcas medievais. As primeiras, interessadas em superar os entraves feudais ao desenvolvimento e expansão do comércio: a existência de diferentes moedas, tributos, leis, padrões de pesos e medidas. Os segundos, desejavam se fortalecer politicamente, submetendo a nobreza, eliminado os particularismos feudais, e limitando o universalismo político do clero.
A convergência de interesses resultou na aliança sociopolítica entre reis e burguesia, já visível desde fins do século XI, mas plenamente definida a partir de meados do século XII, e levou ao processo de formação das monarquias nacionais, nas passagens da Idade Média para a Idade Moderna, entre os séculos XIV e XVI. É esse processo que iremos estudar agora.

5b) Características das monarquias nacionais
O processo de formação dos estados nacionais iniciado com a aliança rei-burguesia forneceu as bases para a constituição dos estados nacionais modernos. O primeiro passo foi a unificação política e territorial, quando os monarcas medievais foram eliminando os particularismos feudais e urbanos e usurpando os poderes locais da nobreza. Esta, gradativamente, foi perdendo suas prerrogativas tributárias, judiciais e militares que foram se concentrando nas mãos dos reis.
A unificação territorial e a crescente centralização política e administrativa exigiram dos monarcas meios de financiamento e provimentos de aparelhos militar e administrativo. Os estados nacionais nascentes viram-se obrigados a instituir um sistema tributário unificado, sob controle dos reis e para atender as demandas de seus empreendimentos, extensivo a toda a sociedade, embora para nobres e clérigos tenham se assegurados alguns privilégios e isenções.
Ao mesmo tempo em que buscavam eliminar os particularismos políticos típicos do feudalismo, os novos estados em formação também tinham que enfrentar os obstáculos externos impostos pelo universalismo político-religioso do papado e pelas disputas territoriais com outros estados. Isto forçou os monarcas a criarem exércitos nacionais e profissionalizados, que também podiam ser utilizadas para a repressão das revoltas populares, e, para financiá-los, bem como as guerras de definição de fronteiras, incentivaram o desenvolvimento do comércio, fonte permanente de tributação, portanto, de recursos, através da ampliação do mercado interno.
Progressivamente, os reis foram monopolizando a violência e Justiça, estatizando o sistema tributário, promovendo a unidade lingüística e cultural de seus reinos, centralizando a administração pública e unificando os padrões monetários e de pesos e medidas, que foram nacionalizados, favorecendo o desenvolvimento do comércio e à ascensão socioeconômica da burguesia mercantil, ainda que social e politicamente fossem preservados os privilégios (entre eles: a manutenção de um regime tributário próprio e a exclusividade no exercício dos principais cargos e funções públicas) do clero e da nobreza.

5c) Os primeiros estados nacionais
A primeira região da Europa que assistiu o processo de formação do estado nacional centralizado foi a Península Ibérica. Aqui, a formação do estado nacional teve início na segunda metade do século XI, por volta de 1084, quando começaram as lutas dos cristãos para a expulsão dos mouros: a chamada Guerra da Reconquista Cristã.
Em Portugal, a luta teve inicio sob liderança da Dinastia de Borgonha (1084-1383), vassala da dinastia de Leão (Espanha), que a financiava na guerra contra os mouros. Estes foram vencidos e expulsos em 1143. Durante o conflito, o Ducado Portucalense submeteu a nobreza feudal cristã da região à sua autoridade militar e política, o que deu origem ao Reino de Portugal.
Por essa época a economia da região se encontrava em plena efervescência devido ao desenvolvimento da agricultura nas terras tomadas aos árabes e ao incremento do comércio ítalo-mediterrânico, do qual o pequeno reino luso passou a funcionar como entreposto entre o Mediterrâneo e o Mar do Norte, o que favoreceu a formação de uma poderosa e incipiente burguesia mercantil.
A consolidação do Estado português se deu em fins do século XIV, precisamente entre 1383 e 1385, quando foi reafirmada a Independência em relação aos Reinos de Leão e Castela (Espanha) durante a Revolução de Avis: guerra civil entre as camadas populares, liderados pela burguesia mercantil, e a nobreza feudal lusitana que queria manter os laços de dependência em relação à Castela.
Em 1385, com a derrota da nobreza e dos castelhanos na Batalha de Aljubarrota, que permitiu a ascensão da Dinastia de Avis (1385-1580), o Estado nacional português se formou definitivamente. Essa dinastia também conduziu Portugal ao seu apogeu econômico, político e militar, entre os séculos XV e XVI, durante a chamada expansão marítima comercial, época em que os portugueses desbravaram o Oceano Atlântico, conquistaram grande parte das costas da África, encontraram a rota atlântica para as Índias, descobriram e colonizaram o Brasil.
A Guerra da Reconquista também deu origem ao Reino da Espanha. Aqui, entretanto, a luta foi mais duradoura, marcada por um forte espírito cruzadista, e só se concluiu em 1492 com a Tomada de Granada e a expulsão dos mouros pelos cristãos. Nesse processo foi decisiva a formação de pequenos reinos cristãos ao longo das lutas contra os islâmicos.
Entre os séculos XI e XII, os cristãos foram se unificando para enfrentarem os mouros, dando origem aos reinos de Castela, Leão, Aragão e Navarra. Alianças militares estabelecidas através de casamentos entre membros das famílias reais acabaram por fundi-los, gerando um único reino. O passo decisivo foi o chamado casamento dos reis católicos, Fernando de Aragão (e Navarra) e Isabel de Castela (e Leão), em 1469.
Sob os reis católicos, os espanhóis expulsaram os mouros. Com a expulsão destes, a centralização político-administrativa se consolidou e a Espanha iniciou uma forte ascensão econômica e militar, cujo primeiro marco foi a viagem de Cristóvão Colombo e o “descobrimento" da América (1492), e a transformou num imenso império colonial e maior potência européia, no século XVI.
Outras regiões da Europa assistiram a conclusão seu processo de formação do estado nacional centralizado em princípios da Idade Moderna, durante o século XVI. Este foi o caso da Inglaterra (também chamada Reino Unido – composto por Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda).
A centralização política nas Ilhas Britânicas teve início por volta de 1066, quando se estabeleceu o domínio dos normandos (povos bárbaros provenientes da Normandia – norte da França), sob liderança de Guilherme de Tell. Durante seu reinado, e de seus sucessores (Dinastia Normando-Plantageneta: 1066-1455), se consolidou o feudalismo inglês por conta de sua prática distribuição de terras em troca da submissão política e militar dos senhores feudais.
Essa dinastia também foi responsável pelo fortalecimento da justiça real, a ”common law” – aplicável a todo reino e a cargo de juízes nomeados pelo rei. Apesar disso, durante os reinados de Ricardo Coração de Leão (1189-99) e João Sem Terra (1199-1216), o poder real se enfraqueceu, possibilitando o fortalecimento dos senhores feudais. Em 1215, a nobreza inglesa impôs limites ao poder real: através da instituição da Magna Carta, era constituído o Grande Conselho (origem do Parlamento Britânico), formado por membros da nobreza feudal e, mais tarde, também por representantes das cidades (a burguesia), com a função de limitar a criação de novos impostos pelos reis. Esses limites foram confirmados pelos os Estatutos de Oxford de 1265.
A eclosão da Guerra dos Cem Anos (1337-1453), contra a França, devido a disputas sucessórias pelo trono francês e pelo controle da região de Flandres, que resultou na derrota dos ingleses, deu início ao enfraquecimento da nobreza feudal britânica. Esse processo se tornou irreversível com a chamada Guerra das Duas Rosas, entre 1455 e 1485, quando uma disputa dinástica pelo trono, envolvendo as famílias Lancaster e York – a primeira típica representante das antigas tradições feudais; a segunda, aliada à “nobreza aburguesada” e aos grupos mercantis – que usavam rosas em seus brasões, daí o nome do conflito.
A guerra civil acabou com um acordo político entre as famílias envolvidas, o que permitiu a ascensão da Dinastia Tudor que reinou sobre a Inglaterra de 1485 a 1603 e foi responsável pela consolidação do absolutismo inglês, especialmente nos reinados de Henrique VIII (1509-47) e de sua filha Elizabeth I (1558-1603). Nesta época, o Estado inglês submeteu o clero através da Reforma Anglicana de 1534, quando a Igreja Inglesa separou-se do papado, e consolidou a economia mercantil inglesa.
O último dos grandes estados europeus a se consolidar durante as passagens da Idade Média para a Idade Moderna, entre os séculos XIV e XV, foi a França. O início do processo, entretanto, data da Alta Idade Média quando da divisão do Império Carolíngio pelo Tratado de Verdun de 843: a fragmentação do império fortaleceu a nobreza feudal, apesar dos territórios franceses ficarem formalmente sob controle da dinastia dos carolíngios até 987.
O enfraquecimento político e militar dos monarcas carolíngios permitiu a ascensão da dinastia dos Capetos, que reinou na França entre 987 e 1328 e deu os primeiros passos para sua centralização política ao extinguir as prerrogativas militares dos senhores locais, criando o exército nacional submetido ao comando real, unificou o sistema tributário e os padrões monetários, de pesos e medidas, incentivando o desenvolvimento do comércio, o que possibilitou o fortalecimento da burguesia.
Esta dinastia também conseguiu controlar o universalismo do clero interferindo diretamente no papado romano. Entre 1307 e 1377, os reis franceses forçaram a transferência da sede do papado para Avignon, no sul da França. Este episódio, conhecido como “Cativeiro de Avingnon”, só teve termo em 1417, depois de um “Grande Cisma” entre o clero romano e o “papado de Avignon”, quando o Concílio de Constança reunificou a Igreja, determinando o retorno de sua sede para Roma e elegendo como “papa único” Martim V.
A Guerra dos Cem Anos (1337-1453) consolidou o processo de centralização francês, posto que a vitória sobre os ingleses fortaleceu o sentimento nacionalista, personificado na figura de Joana D’Árc, líder popular de origem camponesa, que comandou vários combates contra os invasores. Além disso, o esforço material e humano exigido pela longa duração do conflito possibilitou o fortalecimento do poder real e concluiu a unificação territorial.
Ao final da Guerra dos Cem Anos, ascendeu ao trono francês a dinastia dos Valois, que reinou até 1589. Durante o domínio dos Valois, a França deu início a sua expansão marítima colonial e, tentando recuperar o tempo perdido em relação aos reinos ibéricos pioneiros, promoveu uma série incursões em vários pontos da América, inclusive no Brasil, aonde protestantes franceses chegaram a funda a França Antártica (RJ, 1550 - 1555).
Ao longo do século XVI, a França viveu um ciclo de guerras religiosas que envolveram católicos e protestantes e ameaçaram a integridade territorial francesa. Esses conflitos atingiram seu apogeu na chamada ”Noite de São Bartolomeu”, 24 de agosto de 1572, quando católicos massacraram protestantes nas ruas de Paris. Este evento selou o fim do domínio da dinastia dos Valois e sua substituição pela dinastia dos Bourbons. Esta, entre 1589 e 1789, concluiu o processo de centralização promovendo a pacificação religiosa (Edito de Nantes de 1598); levou ao apogeu o absolutismo francês, no reinado de Luis XIV (1643-1715), quando a França se consolidou como potência mercantil européia; e também à sua decadência, nos reinados de Luis XV (1717-1774) e Luis XVI (1774-1792).

5d) Conclusão: origens da modernidade
A desagregação do feudalismo, acelerada pela crise dos séculos XIV e XV, lançou as bases para a constituição da sociedade moderna na Europa Ocidental. O progressivo declínio do clero e da nobreza, a acrescente ascensão socioeconômica da burguesia e a gradativa concentração de poder nas mãos do(s) rei(s) resultaram na formação do Estado nacional moderno, cuja manifestação mais evidente foi a consolidação do absolutismo monárquico entre fins do século XV e o século XVIII.
Além disso, outras transformações advieram do processo de desagregação e crise do feudalismo. As necessidades de metais preciosos e de ampliação de mercados determinaram a expansão marítima e comercial européia, sob patrocínio dos novos estados nacionais, que teve como conseqüência os chamados “grandes descobrimentos” e uma verdadeira “revolução comercial”, nos séculos seguintes.
Outras transformações também acompanharam e foram fortalecidas e/ou facilitadas pela crise do feudalismo e pela formação das monarquias nacionais absolutistas. Dentre essas, vale destacar: a revalorização da cultura greco-romana que culminou num verdadeiro “renascimento cultural”. A crise religiosa e redução do poder temporal do papado, devido a seus conflitos políticos com os estados nacionais, teve como conseqüência a “reforma religiosa” do século XVI.

6) Cultura e vida intelectual no medievo.

6a) Vida cultural na Alta Idade Média – Europa Ocidental
Com base na historiografia tradicional tornou-se comum afirmar que a (Alta) Idade Média foi marcada pelo “obscurantismo cultural”. Tais colocações, no entanto, não encontram qualquer fundamentação histórica, visto que estão embasadas em um conceito muito limitado do que seja cultura.
Durante a Alta Idade Média parece não haver dúvida quanto ao monopólio cultural formal da Igreja. Foi ela que, nos mosteiros e abadias, preservou os antigos textos gregos e latinos; seus monges se empenhavam em sistematizar, simplificar e comentar os textos antigos, notadamente aqueles que se prestavam à educação de seus próprios membros; assim como foi ela que silenciou sobre os textos clássicos cujas obras não se adequavam aos seus propósitos.
Outro traço característico desse período foi a distância que se estabeleceu entre a chamada “cultura erudita” (restrita aos clérigos) e a “cultura popular”, típica das massas populares, formadas por leigos. Vale destacar que, apesar do monopólio sobre a dita cultura erudita e do controle ideológico exercido pela Igreja, nota-se, entre as massas camponesas a manutenção de forte presença de traços da cultura e dos costumes pagãos, associados a elementos culturais bárbaros, que se manifestavam em rituais, crenças e atitudes não aceitas pelo clero. A titulo de exemplificação, o lingüista russo Mikhail Bakhtin (1895-1975), que analisou concepções e práticas culturais vigentes na Idade Média, afirmou que “O riso era condenado pelo cristianismo oficial da Idade Média. O tom sério caracterizava a cultura medieval oficial, sendo a única forma de expressar a verdade, o bem e tudo o que era importante”. (COTRIM, Gilberto. História global: Brasil e geral. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 153). Entretanto, com a incorporação de suas analises aos estudos históricos mais recentes, pesquisadores como Jacques Le Goff, Georges Duby e Jean Delimeau, em suas obras, apontam para a existência de uma cultura popular, impregnada de humor, que também se manifestava por meio dos festejos carnavalescos, das encenações cômicas e satíricas e dos gracejos dos bufões e dos bobos. Assim, encontramos na Alta e também na baixa idade média uma oposição entre uma cultura erudita e cultura popular por meio da qual também se expressavam as tensões latentes aos diversos interesses que encontravam-se em jogo no meio social. O saber historiográfico a respeito da cultura medieval e seus conflitos ressalta a vigência de uma posição predominante, por parte da Igreja, em condenar as praticas culturais que circulavam fora do seu universo imaginário. Todavia, vale ressaltar, não foi somente através da repressão que se deu a interação entre essas manifestações dispares. O catolicismo também teve seus momentos de licenciosidade cultural e, muitas vezes, aproveitou-se de algumas dessas tradições que alimentavam o imaginário coletivo para difundir seus ensinamentos e visão de mundo.
No que diz respeito à cultura eclesiástica, vale ressaltar que, junto aos mosteiros e abadias, foram fundadas escolas para a formação dos membros do clero e atender as necessidades do culto. O ensino centrava-se em torno das chamadas sete artes liberais, divididas em: trivium (Gramática e Literatura Latina, Retórica e Dialética – estudo de textos históricos e filosóficos); e quadrivium (Aritmética, Geometria, Astronomia e Música). Complementados pelos estudos de Teologia, essenciais na formação dos clérigos. Ressalte-se o desprezo pela originalidade, pesquisa e criatividade: tratava-se de adaptar aos interesses da teologia cristã os textos greco-latinos; destacando-se também obras de caráter histórico e as hagiografias (narrativas sobre as vidas dos santos e mártires).
No campo das artes, o que se realiza na Alta Idade Média é, em grande parte, resultante da fusão de elementos de diversas origens: romana (técnicas, utilização do arco na arquitetura, pintura mural), orientais (formas rígidas marcadas pela religiosidade) e bárbaras – germânicas (estilização geométrica) e celtas (linhas abstratas com finalidade ornamental), caracterizadas por temáticas e simbologia tipicamente cristãs. Buscava-se compreender e interpretar o universo, o sentido da vida e da própria história pelos símbolos, resultantes de uma verdade superior que era revelada pela Escrituras e salvaguardadas pela Igreja.
Nos primeiros momentos da Idade Média, verificou-se uma tentativa de harmonizar a Filosofia grega com o Cristianismo, razão e fé. Procurava-se demonstrar que não havia contradição entre a doutrina cristã e o racionalismo. Nesta perspectiva, valorizou-se o pensamento de Platão (429-347 a. C.), discípulo de Sócrates. O Platonismo sustentava a tese da existência de um “mundo das idéias”, do qual a realidade não era mais do que uma sombra. Esta concepção foi aproveitada por um dos mais importantes pensadores e teólogos medievais, Santo Agostinho (354-430), para quem, as verdades da fé, embora não possam ser demonstradas pela razão, são, no entanto, confirmadas por ela. Em sua obra máxima, “A Cidade de Deus”, escrita no ano 426, ele afirmava sua máxima “compreender para crer, crer para compreender”, harmonizando assim, ao menos do ponto de vista da teologia, razão e fé.

6b) As transformações culturais da baixa idade média – Europa ocidental.
Na baixa idade média, as cidades, sustentadas na revitalização do comércio e no desenvolvimento manufatureiro, propiciaram um intenso processo de renovação cultural. Em fins do século XI, foram fundadas as primeiras universidades.
Nestas, a troca de conhecimento e experiência entre professores e alunos, os intensos debates, os cada vez mais freqüentes contatos com sábios árabes, bizantinos e de outras partes da Europa, resultaram no engendramento de uma nova visão do mundo: a Filosofia Humanista. O Humanismo tem sua origem na filosofia escolástica desenvolvida pela Igreja.
A Escolástica procurou harmonizar razão e fé, partindo do pressuposto de que o progresso humano não dependia apenas da vontade divina, mas do esforço do próprio homem. Assim, a razão, vista como complemento da fé, é valorizada em detrimento da concepção agostiniana de predestinação, serve de base para o “discernimento entre o bem e o mal” fundamentando a Teoria do Livre Arbítrio de Tomás de Aquino, principal filosofo dessa época.
A leitura, até então privilegio de clérigos, passou a ser constantemente valorizada pelos novos grupos burgueses, tanto como fonte de lazer como de ascensão social. Uma “nova Literatura” surgia nas cidades e cortes: o Trovadorismo, mais lírico e profano:
“Os trovadores eram, quase sempre, os maiores expoentes da cultura cavalheiresca. Embora freqüentassem as cortes, muitos deles tinham origem humilde, mas, graças ao seu talento, podiam se elevar ao grau de cavaleiros. Alguns eram, de fato, cavaleiros de nascimento, mas empobrecidos devido à prática do direito de primogenitura, que os privava da herança paterna. Esses cavaleiros sem recursos colocavam-se, então, a serviço da corte de algum grande senhor ou perambulavam por toda parte, recorrendo para sobreviver ao ofício de poetas ou cantores. Havia, ainda, trovadores não-profissionais, pertencentes à alta nobreza (...), até mesmo príncipes e reis”. (VICENTINO, Cláudio. OP. CIT. P.163).
Por essa época apareceram os primeiros romances medievais, o chamado romance cortes, cujo exemplo maior foi ciclo da Távola Redonda, que também exaltava os valores cavalheirescos: bravura, lealdade, o amor romântico.
A partir de meados do século XIII, a ascensão da burguesia fez surgir uma ”literatura das classes urbanas” que satirizava os ideais da nobreza e atacava o clero decadente e corrupto: o goliardorismo. Aqui se deu o início da transição para uma literatura moderna e humanista cujo grande exemplo foi a Divina Comédia, escrita por Dante Alighieri (1265-1321), pensador e político italiano, considerado precursor do Renascimento. O poema a seguir, extraído das Confissões de Golias, é ilustrativo da poesia goliarda de meados da baixa idade média:
"Padre, discreto entre os discretos,
Dá-me absolvição!
É grata a morte que me leva,
É doce extinguir-me,
Pois meu coração sofre
Da meiga doença que a beleza traz;
Todas as mulheres que não alcancei
Possuo em minha ilusão.
É tão difícil conseguir
Que a natureza se renda
E, junto às belas, corar e fingir
Que se é o campeão da inocência!
Nós os moços, não submeteremos jamais
Nossos desejos à lei severa,
Nem afastaremos do pensamento
Esses corpos macios e ternos".
(Autor desconhecido. In: Freitas, Gustavo de. 900 textos e documentos de história. Lisboa: Plátano, 1975).
O crescimento das cidades e a prosperidade da economia urbana, assim como o progresso técnico, que se verificavam nesta época possibilitou o desenvolvimento de novos padrões arquitetônicos, de traços leves e rebuscados, estruturas verticais, imensas janelas, coloridas com vitrais, decoradas com pinturas e esculturas: era o estilo gótico, típico desse período de transição pois que “reunia componentes antagônicos: de um lado, expressava a transbordante religiosidade cristão-feudal expressa na grandiosidade do templo e no predomínio da verticalidade, buscando Deus. De outro lado, a fonte de recursos que possibilitaram tais edificações era a urbanização, seu progresso e engenhosidade, articulados à vida voltada cada vez mais para os mercados”. (BURNS, P. 315).
A Ciência, que praticamente desaparecera na Alta Idade Média, também apresentou notável progresso nesse período. Os contatos com as civilizações bizantina e sarracena, preservadoras do legado greco-romano, difundiram novos conhecimentos nos campos da astronomia, matemática, física e medicina. Apesar disso, os pensadores da época não conseguiram escapar das influências místicas o que deu origem À (pseudo) ciência da Alquimia.
As perseguições da Igreja, especialmente a partir da criação dos tribunais do Santo Ofício, a Santa Inquisição, em 1223, impuseram limites à ciência, às inovações técnicas e artísticas e à produção do conhecimento. Esse fato será abordado com mais profundidade no capitulo sobre Renascimento cultural.

Textos complementar
A mulher na Idade Média: a construção de um modelo de submissão.
A história das mulheres na Idade Média é um tema que foi por muito tempo desprestigiado pelos historiadores, mas, atualmente, por ser rico e pródigo em possibilidades de estudo, vem atraindo a muitos estudiosos, inclusive de outras áreas, como teólogos e sociólogos.
Na Idade Média, a maioria das idéias e dos conceitos eram elaborados pelos eclesiásticos. Esses homens possuíam acerca da mulher uma visão dicotômica, ou seja, ao mesmo tempo em que ela era tida como a culpada pelo Pecado Original, a Virgem Maria foi a mulher que deu ao mundo o salvador e redentor dos pecados. Mas, por que os clérigos tinham essas idéias sobre a mulher?
O conceito dicotômico feminino está presente no cristianismo desde de sua consolidação. Durante o período de sua afirmação como religião, o cristianismo sofreu um processo de cristalização baseado em um doutrina ascética e repressora, como reflexo das diversas ideologias presentes nos trezentos anos que levou para se estabelecer. A desconfiança sobre a carne, intrinsecamente ligada a figura feminina, e sobre o prazer sexual era encontrada nas filosofias platônica, aristotélica, estóica, pitagórica e gnóstica. Essas filosofias foram amplamente utilizadas pelos Pais da Igreja (João Crisóstomo, Jerônimo e Agostinho, dentre outros) para dar embasamento filosófico a doutrina cristã.
Os textos desses teóricos do cristianismo foram usados pelos homens da Igreja durante toda a Idade Média e continuam a ser consultados. As mulheres passaram, ou melhor, continuaram a ser consideradas pelo clero como criaturas débeis e suscetíveis as tentações do diabo, logo, deveriam estar sempre sob a tutela masculina. Para propor e estender suas verdades e juízos morais, a Igreja utilizava-se de um veículo eficiente, a pregação e, em especial no século XIII, a que era feita pelos franciscanos, nas ruas das cidades, para toda a população.
Nos sermões feitos pelos pregadores era muito comum o uso do exempla, que eram histórias curtas e que poderiam relatar a vida de um santo ou santa (hagiografia). As vidas de algumas santas, de preferência de prostitutas arrependidas, eram utilizadas nos sermões. Nelas, todas as características que eram atribuídas as mulheres apareciam e eram assim difundidas e disseminadas por toda a Cristandade.
A mulher, personificada em Eva, é a pecadora, a tentadora, aliada de Satanás e culpada pela Queda. Eva concentra em si todos os vícios que trazem símbolos tidos como femininos, como a luxúria, a gula, a sensualidade e a sexualidade. Todos esses atributos apareciam nos exempla. E como forma de salvação para a mulher, eles ofereciam a figura de Maria Madalena, a prostituta arrependida mais conhecida, e que se submeteu aos homens e a Igreja.
Esta concepção da mulher, que foi construída através dos séculos, é anterior mesmo ao cristianismo. Foi assegurada por ele e se deu porque permitiu a manutenção dos homens no poder, fornecia uma segurança baseada na distância ao clero celibatário, legitimou a submissão feminina e sufocou qualquer tentativa de subversão da ordem estabelecida pelos homens. Esta construção começou apenas a ruir, mas os alicerces ainda estão bem fincados na nossa sociedade. Referências bibliográficas
BLOCH, H. Misoginia Medieval e a invenção do amor romântico ocidental. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995. P. 89 - 121.
DUBY, G., PERROT, M. (dir.) História das Mulheres: a Idade Média. Porto: Afrontamento, 1990.
PILOSU, M. A Mulher, a Luxúria e a Igreja na Idade Média. Lisboa: Estampa, 1995.